T. I. Maró: “A invisibilidade daqueles que existem há mais de 500 anos”

TI Maró CocarDecisão de juiz da Justiça Federal do Pará declarou inexistente a Terra Indígena Maró. Entre as explicações para a sentença, está a de que os moradores da área seriam, na verdade, ribeirinhos. Habitantes das três aldeias da TI são a prova do equívoco da decisão.

Terra de Direitos

A história dos povos indígenas do Brasil está cercada de momentos de conflitos, onde a cultura e tradição dos nativos do país foram negadas e censuradas pelos colonizadores que aqui chegaram. A imposição de uma nova cultura pelos tidos como “descobridores” do Brasil e as conseqüências de tal arbitrariedade são percebidas ainda hoje.

A decisão em primeira instância da Justiça Federal do Pará, que declarou inexistente a Terra Indígena Maró, no Oeste do estado, é exemplo da falta de conhecimento histórico e cultural de autoridades do nosso país. No último dia 26 de novembro, o juiz Airton Portela determinou que o relatório produzido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2011, que identifica e delimita a área de 42 mil hectares onde vivem indígenas das etnias Borari e Arapium, não tem qualquer validade jurídica.

Como explicação para a decisão, está a de que contradições e omissões em relatório antropológico produzido pela FUNAI levam à conclusão de que as comunidades da Gleba Nova Olinda, onde está localizada a TI Maró, são formadas por populações tradicionais como ribeirinhos, e não índios.

No entanto, os habitantes das aldeias Novo Lugar, São José III e Cachoeira do Maró são a prova de que a região é sim povoada também por povos indígenas. Dizer o contrário é fechar os olhos para a existência de mais de 200 pessoas que vivem na área.

Para Poró Borari, da aldeia Novo Lugar, o habitantes da TI não chegaram a ser ouvidos para a tomada da decisão. “Nós não somos arquivos de internet. Estamos lá [na terra] há décadas e décadas”.

Apesar da interferência de mais de 500 anos sobre a história das etnias Borari e Arapium, esse povo hoje busca resgatar e manter sua cultura através do ensino da língua, dos cultos, e do modo de vida tradicional. Para que isso seja possível, o reconhecimento da identidade indígena dessas pessoas é fundamental. Acesse aqui para saber mais sobre a prática de pintura corporal da comunidade.

SOMOS TERRA INDÍGENA MARÓ!

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Sobre o caso

Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) de Santarém – Pará entrou com Ação Civil Pública (ACP) contra a FUNAI requerendo a demarcação da Terra Indígena Maró, a pedido dos indígenas das etnias Arapium e Borari. O processo tramita na 2ª Vara Federal de Santarém. A ACP movida pelo MPF visava apenas a celeridade no processo de demarcação da Terra Indígena, tendo em vista que a FUNAI havia criada o Grupo Técnico (GT) em 2008, e até o ano de 2010 não publicou o Relatório de Identificação e Delimitação do território, o que veio a ocorrer somente em 10 de outubro de 2011.

Em nenhum momento a FUNAI contra-argumentou o pleito de demarcação da área, apenas se opôs à celeridade do processo com razões específicas. No entanto, o Juiz da 2ª Vara atendeu ao pedido de seis associações locais. As organizações contestaram a legitimidade do pleito, alegando não haver povos indígenas no local.

Assistiram essas associações, o município de Santarém e o governo do Estado do Pará, que advogaram contra os povos indígenas. Supostamente fundamentado pela Constituição Federal, o juiz em sentença publicada no dia 3 de dezembro de 2014, declara improcedente o pedido do MPF. Com argumentos sobre tradicionalidade, permanência e originariedade, afirma não existirem povos indígenas na área pretendida. O argumento usado na sentença é o da Teoria do Fato Indígena, a mesma utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol em Roraima.

Segundo o juízo, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação produzido pela antropóloga Georgia Silva, integrante do GT da FUNAI, não apresenta características das comunidades estudadas para que se afirme serem aldeias indígenas das etnias Arapium e Borari. Assim, se desconsidera o processo de etnogênese das aldeias, que duramente sofreram pela descaracterização de sua identidade e hoje lutam pela afirmação de sua cultura e de seus direitos.

“Atualmente falantes somente do português, os Arapium e os Borari guardam, na memória dos mais velhos, o tempo da gíria, forma como denominam o nheengatu. A recordação da fala feia como um tempo em que seus antepassados eram discriminados pelas populações não-indígenas e a transmissão da língua negada pelos pais, por força da perseguição, entrelaça a versão indígena e a versão documental do processo de implantação/negação do nheengatu na região amazônica”, indica o relatório produzido por Georgia Silva.

O Ministério Público Federal deve recorrer da decisão.

Direito ao autorreconhecimento

Para assegurar direitos indígenas se considera hoje no Brasil o direito ao autorreconhecimento dos povos tribais, entendidos como os indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais.

Este direito foi estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (ratificada pelo Brasil) e importa no direito de expressar livremente a identidade, de modo incontestável, para assim melhor situar na realidade conflituosa os direitos de comunidades que tiveram por anos sua identidade negada. A declaração do juiz desconsiderou que a Teoria do Fato Indígena não se sustenta no Brasil diante da Convenção nº 169 da OIT.

Interesses contrários à demarcação da Terra Indígena Maró

A chamada Gleba Nova Olinda, onde se localiza a Terra Indígena Maró, é visada por grandes empresas madeireiras. A região que ainda apresenta vastas áreas com madeiras de alto valor de mercado (por exemplo ipê, maçaranduba e amarelão) foi destinada a concessão florestal pelo governo do estado do Pará na grande área que reúne as glebas Nova Olinda (I, II e III), Maramuru-Arapiuns e Curumucuri.

Desde que o estado do Pará arrecadou essas terras na década de 1990 (Portaria nº 0798/99 ITERPA) se planeja o investimento em larga escala para a extração de madeira.

Em 2006, através do Decreto nº 2472, o governo do Pará autorizou a permuta de moradores do Projeto Integrado Trairão para a Gleba Nova Olinda, dentro da Terra Indígena. As permutas favoreceram a exploração de madeira e formação do Grupo Rondonbel.

Conforme o Plano de Outorga Florestal de 2014, a tendência é de expansão da exploração madeireira no local. Em novembro deste ano, a comunidade indígena teve uma primeira vitória na luta contra a exploração ilegal de madeiras dentro do território. As denúncias relativas à ação das madeireiras na TI resultaram no envio de notificações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as empresas exploradoras e, em alguns casos, o embargos das atividades.

Conheça a campanha pela demarcação da Terra Indígena Maró:

Comments (1)

  1. Sou advogado e militante na matéria tratada. Mas, antes de tudo, sou amazônida, cultuador e defensor de nossa cultura e povo. Posso afirmar que Dadá Borari é uma fraude. Algo ridículo às nossas instituições que, de uma forma equivocada ou mesmo de má fé, acobertaram esse engodo. A própria FUNAI, após questionamentos veementes e razoáveis, recuou no procedimento espúrio. Foi aí que o MPF impetrou a ação às cegas, sem verificar a veracidade ou a realidade dos fatos. Os Borari são etnia extinta, antes mesmo dos Tapajós, e isso foi provado nos autos. Assim como se comprovou a real origem do pretenso cacique e de seus seguidores, caboclos ambiciosos e ignorantes, sem o caráter puro do homem amazônida. A reportagem não alcança a realidade dos fatos, a injustiça que se cometeria com populações tradicionais seculares e até contra empreendedores regulares autorizados pelo Estado. Estado este – o Pará – que não mede esforços para resguardar o direito de nossos silvícolas. Recomendo, pois, a leitura do processo para, então, entender-se o porquê da posição do juiz que atuou com justiça e honestidade.

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