A toada do tambor toca e o canto negro denuncia a injustiça e o racismo ambiental no Maranhão, por Soraya Vanini Tupinambá

Pisa ligeiro - faixa Cajueiro MA

Soraya Vanini Tupinambá

Tarde de sexta feira, o dia de expediente ia acabando, a semana findando e o governo de Roseana Sarney também, e, em meio a todos esses desfechos, algo irrompeu indiferente a esses ciclos administrativos, uma manifestação das populações tradicionais entoava “acorda seu moço vem ver a justiça no Maranhão, que manda prender preto pobre, manda soltar fazendeiro, é esse, é esse, o governo de Roseana Sarney, vergonha do povo brasileiro!”.

Uma turista estrangeira me perguntou, de que se trata? Bem, explicava, são populações tradicionais, populações que dependem dos ciclos da natureza para sobreviver, são quilombolas, ribeirinhos, indígenas, e estão aqui na sede do governo do Maranhão, aqui no palácio dos Leões, protestando contra um licenciamento ambiental de um terminal portuário na área do Parnauaçu, Comunidade do Cajueiro, sudoeste da Ilha do Maranhão, em São Luís.

Desde junho deste ano, continuava explicando para a moça, uma empresa chamada WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda apresenta-se como proprietária empreendedora da Comunidade Cajueiro. Ela vem praticando atos violentos, vem fraudando e constrangendo comunitários e moradores tradicionais da localidade fazendo uso de uma consultoria denominada Urbaniza, que se apresentou como a responsável por fomentar benefícios do Estado para moradores, levantando dados documentais das famílias, obtendo procurações por meio das quais realizava compras a preços irrisórios, com ameaça e intimidação, alegando que a venda seria o último recurso para que os moradores não fossem expulsos pelo Estado, sem qualquer indenização.

Com o que ela entendeu da explicação, mostrou-se solidária e impressionada com tamanha injustiça e simpática às canções e ao toque do tambor. Fiquei pensando que talvez fosse difícil pra ela entender que a alegria daquele povo, aos olhos dela e de qualquer um, tão sofrido, vinha das lutas. Talvez se tivesse podido ver como havia sido a preparação daquele ato, o quanto compartilharam de reflexões, alimentos, produções artesanais, leituras, história, mística, música, encontro, afeto, dança, talvez compreendesse que sim a luta os faz alegres porque ressignificam o ato de resistir, onde resistir é simultâneo ao ato de criar, uma resistência criativa.

Enquanto pensava acerca da resistência e da criação, toda essa injustiça era denunciada por um representante do MOQUIBOM (Movimento Quilombola do Maranhão) que não se mostrava entusiasmado para conversar com as “autoridades” nem tão pouco dizia ele acreditar na política partidária e nas eleições como via de superação dos problemas vividos por ele e suas comunidades. Mostrava o quão estelionatária tinha sido a polarização Dilma x Aécio quando se colocava como possibilidade de colocar Kátia Abreu como ministra da agricultura do governo de Dilma, arqui-inimiga dessas populações, principal articuladora de projetos de lei e iniciativas que visavam destituir direitos de indígenas, negros e populações tradicionais. Ah, como ele naquele momento se converteu em mandatário de tantas vozes caladas, silenciadas e oprimidas, e no entanto a única coisa que queria era falar, não calar sua voz, e isso era tudo, talvez fosse, talvez seja… Ele explicava que não havia ilusões, não estavam ali pra serem “ouvidos” por Roseana Sarney ou por seu secretário de Indústria e Comércio que havia desmarcado reunião pré-agendada com o movimento para aquela mesma tarde. Na verdade vi pela TV que Roseana e seu secretário tinham participado naquele mesmo dia da apresentação do Maranhão competitivo para empresários da FIEMA (Federação das Indústrias do Estado do Maranhão) no final da manhã entrando pela tarde.

Estava mais do que claro, e não era fruto daquele dia e sim de anos de governo, para quem se voltavam os ouvidos da governadora. E vamos combinar, habita o imaginário desses governantes, da família Sarney no Maranhão a Dilma no planalto, “o caráter civilizatório do capital”, a supremacia do agronegócio, da logística para sua operação, das termelétricas a carvão, da mineração, da exploração dos combustíveis fósseis… No entanto o agronegócio, especificamente a soja, já destruiu 4 de cada 10 ha de cerrado, bioma relacionado com as nascentes dos rios mais significativos de nossa rede hídrica. Essa opção por esse modelo de desenvolvimento está pondo em xeque a segurança hídrica e a sociobiodiversidade em várias regiões do país, enquanto isso segue o neodesenvolvimentismo de Dilma e de Roseana Sarney. Sim podemos colocá-las lado a lado, afinal não foi à toa que Dilma esteve no palanque de Lobão e de tantas figuras ligadas à oligarquia Sarney no Maranhão, porque na verdade compartilham a lógica desenvolvimentista onde para estes é de fato inimaginável o direito de comunidades negras, ribeirinhas, indígenas querer concorrer com o Maranhão competitivo.

Voltando ao ato das comunidades tradicionais, o que mais chamou minha atenção no caso que motivava a manifestação em frente ao palácio dos leões, era a participação do Estado na violação de direitos; para mim fica cada dia mais claro o quanto o Estado brasileiro e o governo do Maranhão são racistas, o quanto destinam às comunidades negras, empobrecidas, às comunidades tradicionais, vulnerabilizadas, os estragos dessa opção de modelo de desenvolvimento injusto e degradador.

É no atropelo aos direitos das comunidades negras e tradicionais da região que se opera o licenciamento ambiental do terminal portuário, realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão – SEMA -, com graves indícios de ilegalidade, suspeição, abuso de poder, falta de transparência, ocultação e inconsistência de estudos socioambientais. Além desses, a própria legitimidade da empresa WPR, que se apresenta como empreendedora desse terminal portuário de 800 milhões de reais, vem sendo questionada e está sob investigação. No entanto os problemas dessas comunidades se prolongam e se intensificam, e as ameaças se propagam em comunidades adjacentes, como Vila Maranhão, Mãe Chica, Camboa dos Frades… Coincidências de procedimentos de fraude e intimidação, indícios de grilagem, violência física e atentado a direitos possessórios são atos corriqueiros envolvendo, muitas vezes, os mesmos sujeitos.

O Estado se mostra o grande e maior violador, pois essas comunidades, imaginem vocês, essas comunidades em luta possuem direitos possessórios legítimos conferidos por título do próprio Estado. Agora esse mesmo Estado, diante de “novas prioridades para o desenvolvimento do Maranhão” as trata como invasoras. São comunidades de pescadores, agricultores familiares, catadores de caranguejo, mariscos e outros produtos extrativistas, que possuem estreita relação com o ambiente e a terra onde vivem.

Diante de tanta injustiça não podemos seguir como estrangeiros em nossa própria terra, indiferentes ao que este modelo vem desenhando, e, se ainda assim quisermos ser, sigamos o caminho percorrido pela interlocutora estrangeira na manifestação, inquieta, curiosa, indignada, solidária. Findo como tudo começou, entoando : Acorda moça, vem ver a justiça no Maranhão, que manda prender preto(a) pobre, que manda soltar fazendeiro, é esse, é esse o governo do Maranhão, vergonha do povo brasileiro!

velho do Moquibom em meio ao povo. Foto: Soraya Vanini Tupinambá

ai daqueles que negam justiça. Foto: Soraya Vanini Tupinambá

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.