Povo indígena vence a seca e a desnutrição em Honduras

A reluzente cozinha de Estanisla Reyes, que ela e seu marido construíram trabalhando 15 dias das 6h às 18h. Dos novos fogões ecológicos saem os alimentos com que os tolupanes da comunidade de Pueblo Nuevo, no norte de Honduras, acabaram com a desnutrição infantil em apenas dois anos. Foto: Thelma Mejía/IPS
A reluzente cozinha de Estanisla Reyes, que ela e seu marido construíram trabalhando 15 dias das 6h às 18h. Dos novos fogões ecológicos saem os alimentos com que os tolupanes da comunidade de Pueblo Nuevo, no norte de Honduras, acabaram com a desnutrição infantil em apenas dois anos. Foto: Thelma Mejía/IPS

por Thelma Mejía, da IPS

Pueblo Nuevo, Honduras – No coração da montanha de Pijol, no departamento de Yoro, norte de Honduras, os tolupanes da comunidade de Las Vegas de Tepemechín de Pueblo Nuevo têm muito para comemorar: a fome deixou de ser um problema para eles e seus filhos menores de cinco anos foram resgatados das garras da desnutrição infantil.

Seus moradores, do povo indígena tolupan, se livraram das consequências da seca que este ano se estendeu por muitas regiões do país e afetou severamente a produção de grãos básicos, como feijão e milho, por causa da mudança climática e do fenômeno El Niño. Há dois anos, os tolupanes de Pueblo Nuevo contam com reservas de alimentos que armazenam em um local comunitário. Desapareceram os “junhos negros”, repetiam os habitantes da aldeia quando a IPS compartilhou um dia com eles.

“De junho a agosto, tínhamos uma fase muito dura, não tínhamos o que comer, comíamos raízes, era uma fase de subsistência, sempre dizíamos: aí vêm os junhos negros”, contou o líder da tribo, Tomás Cruz, de 27 anos e professor de profissão. “Mas agora podemos sorrir e dizer: desapareceram os junhos. Agora temos alimentos para nossa dieta e a de nossos filhos, que tinham sérios problemas de desnutrição porque não havia comida”, acrescentou.

A transformação veio pelas mãos do Programa Especial de Segurança Alimentar (Pesa) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que conta com fundos do Canadá e que tem entre seus objetivos identificar e aplicar soluções técnicas e operacionais para melhorar a segurança alimentar e nutricional em áreas críticas do país.

Um diagnóstico elaborado pelo Pesa identificou que, dos 298 municípios de Honduras, 73 apresentam sérios problemas de desnutrição. Pueblo Nuevo e outras seis comunidades tolupanes do município de Victoria, em Yoro, estavam entre as aldeias que evidenciaram problemas de nutrição e segurança alimentar. Nas sete tribos, como os tolupanes chamam seus assentamentos, foram detectados 271 casos de desnutrição em menores de cinco anos.

As outras seis comunidades são El Comunal, San Juancito, Piedra Blanca, Guanchías, El Portillo e Buenos Aires. Mas Pueblo Nuevo foi a comunidade-modelo, porque em dois anos conseguiu eliminar a desnutrição de suas 29 crianças. Ali habitam 750 pessoas e é um assentamento novo que foi criado após a passagem do furacão Mitch, que em 1998 devastou o país, deixou 20 mil mortos e causou severos danos em sua infraestrutura e economia.

Segundo dados oficiais, em Honduras uma em cada quatro crianças menores de cinco anos sofre desnutrição crônica, isso equivale a 240 mil do total de mais de 800 mil meninos e meninas com menos de cinco anos que existem no país, de 8,4 milhões de habitantes, dos quais 90% são mestiços, 2% brancos, 3% garífunas e 6% indígenas.

César Alfaro, o especialista do Pesa-FAO que trabalha na área, afirmou à IPS que a experiência de Pueblo Nuevo é um sucesso porque a tribo entendeu que deviam mudar sua forma de vida, aplicando boas práticas na semeadura, higiene e segurança alimentar. Os moradores, por sua vez, destacaram que a mística e o acompanhamento permanente do técnico foi o motor de sua veloz transformação.

“Quando chegamos em Pueblo Nuevo, ninguém queria vir. As professoras diziam que não se podia realizar uma celebração festiva porque havia muito esterco por todos os lados. Os indígenas dormiam com os animais e em meio à sujeira”, contou Alfaro. Mas agora o lugar é uma aldeia limpa, os indígenas melhoraram suas casas de pau e barro, suas paredes reluzem de brancas, dividiram seus espaços, os animais de um lado, a cozinha com fogões ecológicos de outro, e têm até quartos separados.

Situada a mais de 200 quilômetros de Tegucigalpa, a aldeia é um exemplo de trabalho em equipe. Cada casa indígena conta agora com uma horta familiar, um galinheiro e até água purificada, mediante uma estação de tratamento administrada comunitariamente. As crianças com problemas de desnutrição foram submetidas a processo de melhora alimentar, sob rigoroso controle médico e a vigilância de seus pais que agora têm um nível de consciência alimentar, nutricional e ambiental da qual se orgulham.

Foi o que disse à IPS uma das mães, Estanisla Reyes, de 37 anos. Angeline Nicole, de cinco anos e a mais nova de seus três filhos, teve problemas de desnutrição que conseguiu reverter. “E como não seríamos desnutridos, se a terra não era trabalhada como deveria? Nossas casas cheias de lama e lixo, isso prejudicou nossa saúde, mas agora entendemos. Minha menina está sã dizem os médicos, que antes nos repreendiam por não cuidar das crianças, agora nos felicitam”, contou sorrindo.

Ela e seu marido levantaram as paredes de sua nova cozinha, integrada ao resto da casa, ao contrário da anterior, trabalhando 12 horas durante 15 dias. “Meu marido fazia a massa e eu trazia água, alisava as paredes, como fizeram muitas famílias”, acrescentou orgulhosa.

“A vida nos mudou. Eu entrei como voluntária porque sou de outra tribo, mas minha surpresa foi que minha filha também estava desnutrida, então a tribo de Pueblo Nuevo me aceitou, e com os alimentos que produzimos em nossa horta, as crianças se nutrem e nós também. Meus filhos já não têm problemas de estômago e nem tosse”, contou ou tra mãe, Adela Maradiaga.

Em Pueblo Nuevo também se orgulham de que já não vendem nem sua força de trabalho nem seus animais aos criadores ou comerciantes da região para comer. “Antes empenhávamos nossas coisinhas, mas agora vendemos a eles milho, feijão, frutas e abacate”, disse Narciso Garay, mais conhecido por Chicho.

Nessa tribo já não se queima a terra antes de plantar, é usado adubo orgânico e o lixo é reciclado. Os moradores contam com uma caixa comunitária de fundos onde colocam parte de seus ganhos e isso lhes permite ter água potável e provisões. Conseguiram melhorar seu rendimento por hectare na plantação de feijão de 600 quilos para 1,8 tonelada, o de milho de 900 quilos para três toneladas, e agora sabe-se que uma família de seis membros precisa para viver de 2,4 a 2,8 toneladas de milho por ano, por exemplo.

Sandro Martínez, prefeito de Victoria, é um dos mais entusiastas com as mudanças em Pueblo Nuevo, pois nasceu e foi criado perto dos tolupanes e não duvidou em bater nas portas da FAO para levar seu programa de segurança alimentar às aldeias indígenas.

“Em 2010, a fome nesses povoados me levou a buscar ajuda e a encontramos. Não foi fácil entrar para trabalhar com os tolupanes, o sucesso está em respeitar sua forma de governo representado pelo líder da tribo, bem como sua cosmovisão. Agora eles dizem ser ricos porque já não trabalham para um patrão”, destacou à IPS.

Em Honduras existem sete grupos indígenas: lencas, pech, tolupanes, chortíes, tawahkas e misquitos, além dos garífunas. Os tolupanes são cerca de 18 mil indivíduos distribuídos em 31 tribos, dirigidas por um cacique, que formam o Conselho onde são tomadas decisões para seu povo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.

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