Relatório da CNV terá recomendações especiais sobre os povos indígenas: “O estado queria as terras deles”

Foto: internet
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O tipo de violência variava entre agressões físicas, como ter os pés amarrados em troncos ou ficarem presos em presídios irregulares e improvisados, sob sol e chuva, até serem vítimas de bombas de napalm  jogadas nas tribos.

Elaine Patrícia Cruz – Repórter da Agência Brasil

Entre as 30 recomendações que integrarão o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), três abordarão a questão indígena, disse hoje (3) Maria Rita Kehl, membro da comissão. “Consegui que fossem aprovadas três [recomendações] que considero as mais importantes: a criação de uma comissão da verdade indígena para esta questão continuar; a desintrusão atual das terras indígenas e a homologação, tirando quem está ocupando e homologando [as terras]; e a recuperação ambiental das terras”, falou ela.

O capítulo que aborda a questão indígena terá quase 60 páginas. O relatório, que já foi discutido pelos membros da CNV, será impresso e entregue à presidenta Dilma Rousseff no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

“Os povos indígenas talvez tenham sido os mais afetados pela ditadura militar”, ressaltou Maria Rita durante audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir a violência contra indígenas no regime militar. Segundo ela, a CNV estima que cerca de 8 mil índios sofreram algum tipo de violência na ditadura brasileira.

O número, no entanto, pode ser bem superior, destacou ela. “No relatório final estimamos, embora seja um número difícil de concluir, 8 mil índios afetados por políticas de Estado que passaram por cima dos direitos indígenas”, disse ela, durante audiência organizada pela Comissão Estadual da Verdade, de São Paulo (CEV-SP).

“A projeção de 8 mil índios afetados por essa política é algo que não pode ser simplesmente desconsiderado. Foi uma política sistemática de desrespeito, desrespeitando culturas e o patrimônio constitutivo do país”, disse Orlando Villas Boas Filho, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que participou hoje (3) da audiência pública.

Segundo Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, que contribuiu com a CNV no trabalho envolvendo a questão indígena, o número de índios atingidos pela violência do Estado “é muito maior”, mas muito difícil de ser determinado. “O mais fundamental [do relatório] é se entender os mecanismos de violência que o Estado engendrou contra os indígenas”, disse ele.

Essa violência, segundo Maria Rita, atingiu diversas etnias indígenas, tais como os guaranis kaiowás, os yanomamis, os pataxós e, principalmente, os suruí – único grupo indígena que recebeu anistia. “Os suruí, da região da floresta amazônica, talvez tenham sido os mais afetados [na ditadura]. Eles, que estavam na mata, isolados, foram escravizados pelo Exército. Tiveram que sair das aldeias, forçados. Eles não sabiam o que eram terroristas ou o que estava acontecendo, mas foram muito maltratados”, disse ela.

A violência contra os índios, explicou, foi motivada principalmente por causa da terra. disse ela. O tipo de violência variava entre agressões físicas, como ter os pés amarrados em troncos ou ficarem presos em presídios irregulares e improvisados, sob sol e chuva, até serem vítimas de bombas de napalm (incendiárias) jogadas nas tribos. “Outra forma de violência sutil, mas mais exterminadora, era a de não vacinar os funcionários encarregados das frentes de aproximação. Isso é uma omissão intencional, um descaso que mostra que quanto mais índios morressem, melhor”, destacou.

Para o presidente da CEV-SP, deputado federal Adriano Diogo, a intenção da comissão estadual, que será estendida até março do próximo ano, é continuar com os trabalhos que envolvem a investigação da questão indígena, mesmo após a entrega do relatório final da CNV. “A questão indígena [na ditadura] é pouco conhecida, pouco divulgada e muito proibida, porque a violência continua até hoje”, falou ele.

Para Zelic, o capítulo do relatório final da CNV, que trata sobre os índios, é apenas um “começo de conversa” com a sociedade. “Só demos os primeiros passos de apuração. O volume de crimes mapeados é inúmeras vezes maior [do] que o citado no relatório. Temos um conjunto documental de mais de 600 mil páginas levantadas, e chegamos a apenas 12% do material verificado”, disse ele.

Segundo Zelic, o relatório será importante, não para pedir a punição dos violadores dos direitos indígenas, mas, principalmente, para a reparação desses povos. “Mais do que a punição, que individualiza [o crime] e é importante para a não repetição [do ato], estão a reparação e a mudança de conduta do Estado”, enfatizou, acrescentando que, por reparação, ele entende principalmente a demarcação das terras indígenas.

Edição: Stênio Ribeiro

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