Eucalipto transgênico da Suzano ameaça produção brasileira de mel

Heinz-Peter Bader/Reuters
Heinz-Peter Bader/Reuters

No Estado, ainda não há relatos de problemas com a variedade, mas MPA já alerta para impactos do milho transgênico

Any Cometti, Século Diário

O mel brasileiro se tornou competitivo no cenário internacional. Do montante exportado, 80% têm procedência orgânica e a produção destinada à exportação não pode ter nenhum pólen transgênico. Como alerta reportagem do jornal O Globo desta semana, uma das principais plantas usadas pelas abelhas para produzir o mel é o eucalipto. Entretanto, sob a ameaça do plantio do eucalipto transgênico, variedade da FuturaGene, grande parte da produção de mel brasileiro e propólis poderá ser afetada, como ocorreu com o México em 2011.

Segundo a secretária-executiva da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), Joelma Lambertucci, em entrevista ao O Globo, todos os lotes exportados são analisados e, em caso de detectada a transgenia, os produtos contaminados são descartados. A informação reforça a preocupação já manifestada pela Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel).

A FuturaGene é braço da Suzano Papel e Celulose e apresentou, em setembro último, a proposta de liberação comercial do eucalipto transgênico à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN Bio). Caso o pedido seja aprovado, o Brasil será o primeiro país do mundo a plantar árvores transgênicas em escala comercial.

Os danos à natureza são irreversíveis. Valmir Noventa, da coordenação regional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), ressalta que não se pode pensar no eucalipto transgênico pontualmente. É preciso avaliar os impactos que esse tipo de planta causa em todo o conjunto da natureza. As abelhas polinizadoras e produtoras de mel voam por quilômetros para conseguir o pólen e, quanto mais próxima estiver a planta transgênica, maiores são as chances de o mel estar contaminado.

Ele explica que as sementes crioulas, que são resultados de cruzamentos genéticos produzidos naturalmente durante anos pelos camponeses, podem ser contaminadas pelo gene transgênico em minutos, levando ao fim um trabalho que envolveu gerações em um cruzamento natural de espécies. A transgenia é um problema para a soberania alimentar dos povos, sobretudo às populações tradicionais, uma vez que as plantas transgênicas possuem programação genética para o tempo de floração e produção, além de serem programadas para produzirem apenas uma vez, atrelando a produção à compra de novas sementes, e não à reutilização de uma parte da safra anterior.

O mesmo alerta foi feito na audiência pública sobre o assunto, que aconteceu em setembro último, quando o engenheiro agrônomo João Dagoberto dos Santos afirmou que o processo genético foi desenvolvido com o objetivo comercial de aumentar a produção de celulose em maior escala e em menor tempo e, sem o conhecimento de suas características, pode causar danos imprevisíveis ao ecossistema.Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário,  os estudos realizados para avaliar os efeitos do eucalipto nas abelhas e na produção de mel são insatisfatórios, pois levaram em conta apenas cinco colmeias de uma única localidade. Cerca de 25% do mel produzido no Brasil vem do eucalipto, e a pesquisa apresentada pela FuturaGene / Suzano não avalia os aspectos nutricionais do mel produzido a partir de pólen trangênico, tampouco sua toxicidade ou alergenicidade.

No Espírito Santo, o MPA ainda não recebeu reclamações dos produtores de mel com relação aos eucaliptos transgênicos. Apesar disso, Valmir explica que a transgenia já domina a produção de grãos no Brasil e está sendo ampliada a outros ramos da produção rural, como a de frutas e verduras. Os problemas locais frequentes com transgênicos são referentes ao milho, cuja semente é comercializada sob a propaganda de “melhor produtividade”, sem que o produtor seja informado de que a variedade é modificada geneticamente. Além disso, os órgãos públicos ligados à produção no campo, que deveriam fiscalizar a comercialização dos transgênicos, não o fazem, permitindo que lavouras de sementes crioulas sejam contaminadas, muitas vezes sem o conhecimento do produtor.

A Suzano, que desenvolve o eucalipto transgênico, responde pelo modelo de desenvolvimento das monoculturas de eucalipto no Estado com a Aracruz Celulose (Fibria). A Aracruz, inclusive, é uma das empresas apoiadoras do projeto Rede Apes, desenvolvido pelo Sebrae, que auxilia produtores de mel em 32 municípios capixabas. Entre eles, Aracruz, São Mateus e Conceição da Barra, que estão entre os municípios mais impactados pela monocultura do eucalipto.

Comments (3)

  1. A leitura deste texto faz a gente pensar naquela estratégia de venda de revistas nos aeroportos: te atraem com uma história e te vendem outra inteiramente diferente. O título fala de exportação de mel, mas o texto só discute isso de forma muito superficial e sem qualquer dado que, entretanto, a Abemel seguramente tem. Aliás, é meio contraditória a declaração da Joelma, quando fala de teste e descarte de mel que tenha pólen transgênico, porque a certificação proposta pela própria Abemel (http://brazilletsbee.com.br/certificacao/protocolo.pdf) não tem uma linha falando de orgânicos nem muito menos de transgênicos.Também fica difícil saber de onde veio a informação de que “do montante exportado, 80% têm procedência orgânica”: não está clero em canto algum qual é a parcela do mel brasileiro exportado que, de fato, é orgânico e nem sequer quanto dele é vendido como orgânico.

    Vamos começar do início: o Brasil exporta cerca de 60% do seu mel para o EUA e uma parte para outros países (Canadá, etc) que não estão nem aí para a presença de pólen transgênico no mel. Se houver pólen transgênico (é muitíssimo provável que já haja, uma vez que 85% do milho é transgênico e 93% da soja, e as abelhas frequentas estas plantas, embora não sejam essencialmente responsáveis pela sua polinização), ele não vai ser impedimento para a venda do mel. Só não vai ser vendido como orgânico, coisa que a maioria do mel brasileiro muito provavelmente não é, pelos padrões internacionais. Então, o eucalipto transgênico não inviabiliza nossa exportação, embora possa determinar mudanças estratégicas importantes no manejo e posicionamento das colmeias e na escolha das floradas.

    Aí aparecem as observações do Valmir Noventa, do MPA. O que ele afirma é um absoluto despautério, a começar pelo alcance de voo das abelhas e a terminar pelo impacto na biodiversidade e nas imaginárias sementes crioulas. Pra começar, o impacto do eucalipto transgênico que está em análise pela CTNBio pode até ser menor que o do eucalipto convencional, mas isso é irrelevante: toda a agricultura impacta e a de baixa produtividade, que o MPA defende, impacta muito mais. Em segundo lugar, as abelhas raramente voam mais que 1000 m, ida e volta. Elas preferem visitar plantas próximas à colmeia. Para evitar que pastem em flores transgênicas, basta mover as caixas. Afinal, não vai haver só eucalipto no Brasil. Em terceiro lugar, de que sementes crioulas o Valmir está falando? Não existem sementes crioulas de eucalipto e a única planta com a qual o eucalipto pode cruzar e passar suas sementes é o próprio eucalipto (mais especificamente, as duas espécies que conforma o híbrido da Futuragene). Além disso ninguém planta comercialmente eucalipto a partir de sementes! Em quarto lugar, ninguém come eucalipto: em que isso afeta a soberania alimentar? Em quinto lugar, que diabos vem a ser programação genética para o tempo de floração? Se é fazer com que as plantas floresçam juntas, isso vem sendo buscado e obtido pelos homens desde que começaram a domesticas suas plantas. Se é outra coisa, está o Valmir redondamente enganado. Por fim, o Valmir diz que será preciso comprar sempre as sementes. Isso pode ser válido para o milho híbrido, mas não é válido para a soja (que é linhagem) nem muito menos para o eucalipto, que é micropropagado! Toda esta parte do texto é uma mistureba de bandeiras repetidas pelo MPA como os papagaios repetem, sem saber o que dizem e fora do contexto.

    Já o Dagoberto listou uma série de dúvidas sobre a segurança, mas todas elas, sem exceção alguma, foram consideradas pela CTNBio e há elementos suficientes para uma decisão baseada em ciência, e não em suspeitas hiper-precaucionárias.

    É muito frustrante a gente ler um texto pensando que vai ver uma coisa e acaba nem vendo direito o que o título sugere e tendo que digerir a gordura perigosa do restante.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.