Que tal impedir quem recebe o Bolsa Família de ter filhos?, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

O deputado estadual Aldo Demarchi (DEM-SP) defendeu que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, tenham o título de eleitor suspenso enquanto durar o benefício.

Para ele, contudo, a regra não deveria valer a outros benefícios governamentais, como isenções fiscais ou empréstimos subsidiados a empresários porque esses “produzem”. A informação foi originalmente publicada no Jornal da Cidade, de Rio Claro e confirmada por Guilherme Balza, do UOL.

É muito louco como há pessoas que falam em suspender direitos políticos com a mesma facilidade com a qual passam manteiga no pão. Acreditam que ou o mundo funciona do jeito que elas querem ou os seres humanos que estiverem fora do padrão devem ser alijados de seus direitos fundamentais.

Talvez enxotando do processo decisório quem não compartilha a mesma classe social ou não pense igual, as opções “certas” sejam finalmente escolhidas.

Se é assim, bora esterilizar quem participa de programas de transferência de renda para que não se reproduzam e onerem ainda mais o Tesouro Nacional.

Também podemos coloca-los em campos de trabalho forçado para que devolvam um pouco para a sociedade que financia sua vagabundagem.

E, se tudo o mais der errado, fuzilamento.

Gêmea siamesa da declaração de Demarchi, foi a pérola do vereador José Paulo Carvalho e Oliveira, de Piraí (PT do B-RJ), que defendeu, no ano passado, a aprovação de um projeto para proibir pessoas em situação de rua de votar.

“Mendigo não tem de votar. Não faz nada na vida. Não tem de tomar atitude nenhuma. Aliás, acho até que deveria virar ração para peixe. A gente trabalhando feito maluco. Não dou nada pra mendigo. Se quiser, vai trabalhar.”

“Ah, japa, mas você vai se preocupar com o que fala um deputado estadual e um vereador?” Esse pensamento preconceituoso e segregacionista acomete muita gente autointitulada “de bem”. Quem passou pela rede nos últimos dias deve ter percebido que o povo está ávido por sangue.

O silêncio ou a indiferença diante desses discursos de ódio tem o mesmo efeito de um consentimento. E consentimentos crescem, florescem e geram frutos. Portanto, devem ser refutados sempre e a todo o momento.

De forma educada, de preferência. E com paciência.

Daí, eu, que não creio, gosto horrores do clássico Lucas 23:34: “Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem”.

É engraçado que ninguém reclama do dinheiro que vai às classes mais abastadas, que investem em fundos baseados na dívida pública federal, ou através de um rosário de outras formas (o PT tem sido uma mãe carinhosa para quem a vida já sorriu). Grosso modo, muito vai para poucos e pouco vai para muitos. E, mesmo assim, sou obrigado a ouvir pérolas quase que diariamente, reclamando dos programas de transferência de renda, não no sentido de melhorá-los, mas de extingui-los. A raiva com a qual essas iniciativas ainda vêm sendo tratadas por algumas pessoas me surpreende.

Para esse pessoal, é cada um por si e o Sobrenatural por todos. Fraternidade e solidariedade são palavras que significam “doação de calças velhas para vítimas de enchente”, “brinquedos usados repassados a orfanatos no Natal” ou “um dinheirinho limpa-consciência conclamado por campanha de algum canal de TV que, enquanto isso, ganha uma fortuna do próprio governo que poderia estar usando o dinheiro para resolver os problemas sociais descritos na campanha”.

Nada sobre um esforço coletivo de buscar a dignidade para todos, com uma melhor distribuição da riqueza gerada no país. Crescimento produzido pelos mesmos trabalhadores que não desfrutam da maior parte de seus resultados.

Porque, teoricamente, muito teoricamente, todos nascem livres e iguais.

E se eu dissesse uma frase preconceituosa como “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” Qual a sua reação?

Por que usar a frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser um “canalha de um comunista safado que um dia voltará para Cuba”?

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