O domínio das mineradoras no Pará

Vale (do Rio Doce)
Vale (do Rio Doce)

Força política das mineradoras se sobressaem ao poder público local; sonegação de imposto, desrespeito às leis trabalhistas e financiamento de candidatura por interesse são constantes

Por Marcio Zonta, do Pará, no Brasil de Fato

No início de outubro mais uma libe­ração de exploração de lavra mineral foi concedida a uma mineradora estrangeira no Brasil. A Avanco, de capital australia­no, passa a atuar, agora, ao lado da Vale no Pará, nas cidades de Canaã dos Cara­jás, Parauapebas e Curionópolis.

Conforme o relatório final da pes­quisa do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a porta­ria compreende uma área de 7.290 mil hectares e abrange a reserva medida de 6.763.732 toneladas de minério bruto de cobre a ser explorado pela empresa australiana.

Estima-se a produção anual média de 380 mil toneladas, relativa à reserva la­vrável de 3.421.681 toneladas de minério bruto do Plano de Aproveitamento Eco­nômico da Jazida, aprovado pelo DNPM.

O cobre extraído será escoado, em big bags, por caminhão de Parauape­bas para o porto de Belém, com desti­nação para a Europa. A meta é embar­car cerca de 1 mil toneladas de concen­trado por semana.

O projeto de tal magnitude de extra­ção da riqueza mineral do subsolo brasi­leiro não passou por nenhuma consulta prévia à população. Ademais, todo pro­cesso de outorga foi constituído silencio­samente numa combinação entre a em­presa, o DNPM e o Ministério de Minas e Energia (MME).

O diretor da Avanco, Luis Maurício Azevedo, expõe o acordo: “A Avanco é a prova que no Brasil pode-se trabalhar cumprindo prazos e cronogramas, e con­tar com a cooperação dos órgãos regula­tórios. A Sema, o DNPM e o MME sem­pre foram informados dos avanços do projeto e, quando precisamos das licen­ças, elas foram obtidas num prazo mui­to razoável”.

Esse é um dos exemplos do poderio das mineradoras no Brasil, que, ademais, burlam impostos a serem pagos e são as principais financiadoras de campanhas eleitorais, com vistas a estender seus do­mínios ao poder público das cidades on­de atuam.

DNPM sem controle

Em 2012, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que a cada quatro áreas de extração de miné­rios no país, apenas uma paga correta­mente seus tributos.

No ano da auditoria, o relatório do TCU contabilizava 20,7 mil títulos de mi­neração ativos no Brasil. Desse montan­te, apenas 5,4 mil fizeram devidamente o recolhimento da contribuição.

No mesmo documento, foi mensurado que empresas, detentoras de 15,3 mil tí­tulos minerários, sonegaram a Compen­sação Financeira pela Exploração de Re­cursos Minerais (CFEM) nas regiões on­de atuam.

O CFEM arrecadado é dividido entre a União (12%), estados (23%) e municípios produtores (65%).

A auditoria do TCU não conseguiu sig­nificar a cifra exata do rombo causado pela sonegação das mineradoras. Nu­ma tentativa de se aproximar de núme­ros mais exatos, o tribunal solicitou ao DNPM relatório das fiscalizações efeti­vadas pelo órgão entre 2009 e 2011.

Na oportunidade, recebeu as estatísti­cas de 101 mineradoras atuantes no Pará, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. Na careação das informações entre CFEM pagos por essas empresas e a extração feita, chegou-se à conclusão que em vez do recolhimento de R$160 milhões fo­ram desembolsados somente R$ 47 mi­lhões pelas mineradoras, ou seja, apenas 23% do que era devido.

Para o TCU, o DNPM não tem inclu­ído as grandes mineradoras nos princi­pais focos de fiscalização. Somente a mi­neradora Vale corresponderia pela meta­de de arrecadamento da CFEM no Brasil e seria uma das principais sonegadoras.

Falcatrua das terceirizadas

Em 2010, a Vale foi listada com no­me sujo no mercado por sonegar mais de R$ 800 milhões de impostos sobre serviços não pagos à prefeitura de Pa­rauapebas.

Em 2013, a mineradora foi novamen­te alvo de denúncias. Dessa vez, partindo da prefeitura de Marabá, a empresa es­taria sonegando o Imposto Sobre Servi­ços – ISS.

A gigante da mineração se utilizaria de um esquema a partir das terceirizadas que atuam em seus projetos.

As informações fiscais da prefeitura de Marabá apontam que o número de em­presas que trabalham para Vale no Proje­to Salobo, de exploração de cobre no mu­nicípio paraense, é de apenas 12. No en­tanto, existiriam, na verdade, 250 tercei­rizadas e subterceirizadas atuando.

“A Vale contrata uma empresa para prestar determinado serviço e, em se­guida, a empresa terceirizada contratada mais empresas para desempenhar outra funções”, diz o Secretário de Gestão Fa­zendária de Marabá, Ricardo Rosa.

Dessa forma, o imposto da terceiriza­da da Vale seria recolhido normalmente, porém o mesmo não aconteceria com as demais empresas subterceirizadas. Seria, no restante da cadeia que ocorreria a so­negação, deixando a municipalidade sem recursos para investir na saúde, educa­ção, Saneamento e infraestrutura, justa­mente os itens que mais demandam nas cidades mineradoras.

Entre esquemas de sonegação, e por efeito da Lei Kandir, o Pará deixou de arrecadar nos últimos anos, como no ca­so do Projeto Grande Carajás, mais de R$ 20 bilhões.

Cidade da Vale

Parauapebas, localizada no sudeste pa­raense, é um exemplo incontestável do domínio de uma mineradora sobre as vá­rias instancias legais da cidade.

Estranhamente é uma das poucas cidades brasileiras com tamanha po­tencialidade econômica que não pos­sui um sistema de justiça trabalhista e seguridade social, bem como de inter­venção federal.

A cidade é desprovida de uma delega­cia da Polícia Federal e de um estabele­cimento do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).

Os serviços da Polícia Rodoviária Fe­deral e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) também desfalcam os serviços públicos de Pa­rauapebas

Faltam também órgãos fiscalizadores diretamente ligados à atividade de mine­ração, como o DNPM, Funai e Ibama.

O mais grave é que Parauapebas, uma das cidades com maior índice de aciden­tes de trabalho ocasionados pela minera­ção no Brasil, não dispõe de uma estrutu­ra federal, especialmente relacionada ao sistema da justiça trabalhista.

Do tripé, composto pela fiscalização (Poder Executivo), pela promoção so­cial (Ministério Público) e pela jurisdição (Poder Judiciário), só está presente em Parauapebas a Justiça do Trabalho. Cul­minando em notificações judiciais após lesão perpetrada, nunca antes.

Dessa situação, a Vale se aproveitaria, pois atua sem fiscalização do Ministério do Trabalho e sem balizas para formatar uma conduta coletiva.

Assim, a mineradora estaria terceri­zando, inclusive, toda as suas relações trabalhistas e convertendo a Justiça do Trabalho de Parauapebas em um me­ro departamento de recursos humanos próprio.

Pois, quando se rompe o vínculo do empregado com a terceirizada, a Vale contingencia o valor respectivo, não pa­ga a rescisão e aguarda que a Justiça do Trabalho se manifeste.

Em vez de um termo de rescisão, a mi­neradora tem um título executivo tran­sitado em julgado (sentença ou acordo). Só isso explica as milhares de ações, ho­je, contra a mineradora – o que infla a estrutura e sobrecarrega o corpo de funcionários da Justiça do Trabalho de Parauapebas.

“Por isso, as empresas da mineração têm poder, mandam e desmandam nas cidades, nos órgãos federais, estaduais, municipais, sonegam impostos e distri­buem a políticos que defendem seus in­teresses” aponta Jorge Néri, do Movi­mento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração (MAM).

Vale eleita

Segundo dados do Tribunal Supe­rior Eleitoral (TSE), a maioria dos can­didatos financiados pela Vale na últi­ma eleição conseguiu se eleger. Den­tre eles, Zé Geraldo (PT-PA) recebeu R$ 100 mil da empresa. O deputado fe­deral eleito é membro da Subcomissão Permanente Marco Regulatório de Mi­neração no Brasil.

Outro a ser agraciado com as verbas da Vale é Nilson Pinto (PSDB-PA), também recém-eleito deputado federal que rece­beu R$ 200 mil. Pinto é presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvol­vimento Sustentável da Câmara Federal.

E por fim, o deputado federal Beto Fa­ro (PT-PA), que participa da comissão especial que analisa o Código da Minera­ção, levou R$ 250 mil como contribuição a sua campanha.

“Todos os candidatos financiados pela Vale foram eleitos e, logicamente, que só foram financiados por interesses. A Va­le foi a grande ganhadora das eleições no Pará”, ressalta o professor da Universi­dade Federal do Sul e Sudeste Paraense (Unifesspa) Bruno Malheiros, que anali­sou a origem das verbas das campanhas eleitorais dos candidatos que ganharam as eleições no Pará no pleito de 2014.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.