Como a polarização das eleições trouxe o medo para dentro da escola, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Cristina percebeu que alguma coisa não estava bem quando a filha lhe mostrou uma imagem que bombou no grupo de WhatsApp dos amigos da escola. Ela trazia Dilma Rousseff com um revólver na cabeça e a legenda “30 likes e eu atiro”.

Não só. Musiquinhas preconceituosas e todo o tipo de campanha violenta faziam parte do pacote circulante. Que já seriam odiosos entre adultos, imagine então com crianças que não são plenamente capazes de refletir sobre as consequências de seus atos.

Seus filhos estudam em um renomado colégio da classe média alta paulistana. Não são os únicos casos, pelo contrário: recebi queixas de pais e mães com filhos e filhas em outras tradicionais escolas da cidade vivendo situação semelhante. Cristina aceitou contar a história ao blog.

A sua filha, que, desde cedo, recebeu dos pais uma educação para o diálogo e não o conflito, está mais quieta. Como as eleições tomaram conta das conversas na escola, ela tem medo de dizer que a mãe vai votar na Dilma, pois todas as outras crianças afirmam que seus pais votarão no Aécio. E ai de quem defender o contrário.

Crianças podem ter atitudes muito cruéis mesmo sem consciência disso.

E não é uma questão de maldade ou bondade. Pelo contrário, estão simplesmente reproduzindo o comportamento que aprenderam em casa, repetindo o que seus pais falaram, ou aquilo que leram e ouviram na internet.

“Vagabunda”, “Essa corja tem que morrer”, “Essa raça deve ser exterminada”, “Vadia”, “Tinha que esfolar viva”, “Quem vota nela devia ser preso”, “Bando de nordestino ignorante”.

Cristina ouviu sua filha perguntar: “Mãe, mas por que você volta na Dilma? Nenhum pai vota na Dilma”. Ela voltou a explicar para a filha as razões da sua opção e que toda escolha deveria ser respeitada.

Mas, tempos depois, quando estava dando uma carona para uma amiguinha dela e ouviu “Tia, em quem você votou?”, titubeou. E após refletir, mentiu: “Eu votei nulo”.

Queria protegê-la de sofrer bullying na escola caso o seu voto virasse corresse pela classe. O mais difícil, contudo, foi explicar à filha a razão de ter feito aquilo, uma vez que ensinara que mentir nunca era uma opção. Muito menos esconder-se daquilo em que acredita.

É claro que, dependendo da cidade, estado ou região, a mesma coisa pode acontecer com sinal trocado, com bullying em crianças de pais que votam Aécio por crianças de pais que votam Dilma. Já ouvi pais, de outro canto do país, reclamando de filhos que sofreram na escola por eles serem eleitores da oposição – “Seu pai vai trazer desemprego para esta cidade elegendo esse sujeito!” Ou seja, a ignorância segue livre, sem ser monopólio de ninguém.

“Não vejo isso como culpa da escola. Deve haver outras crianças com pais que votaram na Dilma, mas ninguém se manifesta. Se não, vai ser massacrado”, diz Cristina.

Culpa, não. Mas há, sim, responsabilidade. De acordo com Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, a percepção sobre o coletivo, bem como o aprendizado sobre justiça, diversidade e tolerância ocorre na escola. Este é o ambiente onde devem conviver opiniões diferentes. Portanto, por mais que alunos e alunas tragam de casa uma visão intolerante, a escola deve transformar e ressignificar essa visão. Não para doutrinar ou censurar, mas garantir o respeito à divergência.

Na escola, aprendemos a lidar com a igualdade e a diferença. Se um pai diz para não andar com gays porque eles são “sujos”, na escola a pessoa terá a oportunidade de aprender que, na verdade, as coisas não são assim e que as diferenças entre as pessoas representam uma vantagem e não uma desvantagem para a sociedade.

Perguntei à Cristina se não havia a possibilidade dos pais conversarem sobre essa situação para tentar criar um ambiente mais tolerante. “A lista de pais da escola no Facebook é de chorar. Funciona, basicamente, como uma agência para contratação de empregadas domésticas, motoristas e cozinheiras.” Segundo ela, qualquer tentativa de discussão sobre esse assunto descamba para a truculência.

Nesse sentido, uma sugestão apontada por Telma é a escola promover debates e reuniões para que todos entendam que tipo de mensagem estão passando para seus filhos. Dois pais ou mães que defendem o voto em Dilma e dois pais ou mães que defendem o voto em Aécio poderiam ser convidados para apresentar seus pontos de vista para os alunos em uma turma, de forma respeitosa.

“A discussão não é sobre Aécio e Dilma, mas sobre o tipo de pessoas que a gente quer formar”, afirma Telma. “O planejamento para a discussão de valores e do respeito a ideias divergentes é tão importante quanto o do conhecimento técnico em uma escola.”

Com a popularização das redes sociais e a quantidade de tempo em que os mais jovens passam conectados, é de se esperar que a família não seja a sua única fonte de formação fora da escola, talvez nem a principal. A escola tem que estar preparada para entender isso e convidá-los à reflexão sobre tudo isso.

“A escola sempre vai transmitir valores. Quando ela fecha os olhos, está transmitindo valores. A intolerância para com o outro é um valor”, lembra Telma. Enfim, o silêncio não é neutro.

Caso contrário, independentemente de quem ganhe dia 26 de outubro, todos perderemos. Pois se os mais jovens estiverem sendo formados no medo e na intolerância, o resultado dessa derrota irá consumir uma geração.

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