Sobre lobos, raposas e bicho papão, por Antonio Claret Fernandes

Foto reproduzida so site Diário do Centro do Mundo
Foto reproduzida do site Diário do Centro do Mundo

Por Antônio Claret Fernandes, para Combate Racismo Ambiental

Da janela da cozinha da casa grande, no centro de Santa Inês – Maranhão, o visitante, de passagem pelo Estado rumo ao Ceará, no dia 16 de setembro, avista o cartaz enorme, com a estampa de Lobão Filho, então candidato ao governo do Maranhão pelo PMDB.

Um olhar mais acurado já perceberia o sentimento popular de soberania aglutinado por Flávio Dino, PCdoB, abafado pelo império econômico e caciquismo político. À época chamam a atenção algumas placas de sinalização de trânsito com a frase apelativa ‘fora comunistas!’.

No Maranhão calha bem a expressão ‘casa grande e senzalas’, com exatos 50 anos de dominação da dinastia Sarney. Pelas margens das rodovias se veem os extensos latifúndios mesclados a casebres de pau-a-pique e palha, consequência nefasta desse meio século de opressão. Próximo a cada açude há sempre uma grande fazenda.

Casas grandes e senzalas, latifúndios e casebres, imensos açudes e sequidão, fios de alta tensão e famílias sem luz, riqueza e miséria é a multiface de uma mesma moeda.

O lobinho, ali, nesse mundo misto de ares feudais e capitalismo de ponta, traz um sorriso largo e semblante jovial. E sua gravata vermelha, devidamente atada ao pescoço, lembra um cão inofensivo, tendente à esquerda, e esconde seu jeito moleque do senso comum e, sobretudo, sua posição de classe.

Essa é uma das principais façanhas do processo eletivo no Brasil, graças principalmente à dinheirama do financiamento privado de campanha. Candidatos, à semelhança do lobinho, são sempre mercadorias, que se plasmam ao sabor do voto, sob a criatividade do marqueteiro acossado pelos imensos recursos financeiros e midiáticos.

Mas a história mostra que essas mercadorias têm prazo de validade, e terminam com as urnas. Os filhotes de lobo, disseminados, hoje, em todo o país, nunca são cachorrinhos inofensivos. Por trás de seu focinho dócil, seu olhar sereno, suas alianças com juras de fidelidade, seu rabo brincalhão durante a campanha se esconde a fera que já é, ou que será na primeira oportunidade de seu governo.

Filhotes de lobo nascem e crescem no ninho da alcateia, aí plasmam sua visão de mundo, pertencem à classe dominante e serão lobos ferozes, salvas raríssimas exceções. A classe de origem tem muito a ver com a opção de classe, posto que não determinante.

No caso específico do lobinho – mas isso vale para todos os filhotes de lobo espalhados palácios afora – desde tenra idade lhe vem à boca a carne fresca e gorda dos galinheiros. Quanto apetite! Quão apetitosa!

Seu pai, Edson Lobão, comanda o Ministério de Minas e Energia, o poder entre os poderes em Brasília, disputado e cobiçado por lidar com a mercadoria central no capitalismo contemporâneo, a energia.

O MME é o caminho de casa de empresas da estirpe da Vale, da Norte Energia, da Cemig, da Celpa e de tantas outras, privadas e estatais, dispostas a comprar deus e o diabo. Qualquer lobo, ainda que com seu focinho fechado, em geral é muito dócil às benesses, que alimentam seus filhotinhos e firmam seus frágeis – mas avassaladores argumentos – a partir do tamanho das ofertas.

É anedótica a afirmação de Edson Lobão de que Belo Monte não molesta nenhum índio, porém ela é mais ‘verdade’ midiática do que as muitas centenas de indígenas atingidos juntos. A sua poderosa ‘verdade’ se alimenta, justamente, de seu gordo salário, das suas gorjetas no limite da legalidade, do tráfico de influência e, quem sabe, da corrupção descarada.

Nem se diz aqui da corrupção a partir da pessoa, mas da corrupção corruptora da estrutura da sociedade capitalista. Nesse caso não basta ser ético, é preciso disposição para uma nova ordem social.

Os vários negócios que passam pelo MME envolvem muito dinheiro. Belo Monte, um caso apenas, teve orçamento inicial de 19 bilhões de reais, e, hoje, passa dos 30 bilhões. Há, em perspectiva, novos aditivos.

Voltando ao Maranhão, vê-se que lobos se dão bem com as raposas. Sarney, que decide não ser mais candidato, continua o uivo principal na alcateia. A um grito seu, nos bastidores, lobos e raposas abaixam a cabeça, e, até então, bodes e ovelhas ficam acuados em currais eleitorais, ou em pequenas pastagens, sem água e capim suficientes. E, ainda pior, por vezes, pensam que o mundo todo é assim.

Seu império ultrapassa, de muito, os limites geográficos do Maranhão. Sabe-se que além de senador pelo Amapá, ele é um dos principais donos da Equatorial, controladora da Celpa, cuja marca, no Pará, é bem conhecida por seus serviços caros e precários. O que conta é o lucro e pronto!

Cinquenta anos não são 50 dias! Um maranhense com meio século de idade respira esse mundo apropriado, contado e interpretado por raposas e lobos, nas praças, nos campos, nas escolas.

Sou natural de Minas Gerais e sei bem o que significa um governo opressor. Aos enricados, benesses; aos empobrecidos, cassetete. No dia 3 de abril de 2006, apenas para citar-se um dos muitos exemplos, o Governo Aécio Neves reprimiu, covardemente, manifestação dos movimentos populares em Belo Horizonte, que clamavam por direitos e respeito. Ainda bem que houve um processo organizativo com articulação crescente e agora as urnas, também ali, lhe deram a resposta que merecia, elegendo Pimentel, do Partido dos Trabalhadores.

Num governo opressor, todos os aparelhos ideológicos lhe prestam serviço a ponto de ele ser internalizado pelo oprimido, e naturalizado.

Mais que uma pessoa, mais que uma figura política, raposas e lobos, no Maranhão – ou em qualquer lugar do mundo -, transformam-se num jeito de fazer política, num modo de vida, numa visão de mundo. Derrubá-los é quebrar tudo isso. Por isso a vitória é mais que eleitoral.

O sentimento popular camuflado, naquele  16 de setembro, traduziu-se em 1. 877.064 (63%) votos para o ‘comunista’ Flávio Dino de Castro e Costa no dia 5 de outubro contra 995.619 (33%) de Lobão Filho, e deixou toda uma alcateia abatida.

Parabéns ao povo maranhense! Quem vive há anos preso às garras violentas do caciquismo político, entre raposas e lobos, não tem nenhum motivo para temer nem o bicho papão nem outros fantasmas.

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