Marcelo Semer: ….ataque homofóbico em debate é redução do marco civilizatório….

homofobia

A incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão

Em Sem Juízo

Os debates eleitorais vinham desanimados –mas, conseguiram ficar ainda piores.

Já faz tempo que os encontros deixaram de ser memoráveis.

A participação de um número expressivo de candidatos. O treinamento pelos marqueteiros. Um cipoal de regras que limita os confrontos e o desenvolvimento das ideias.

Poucos têm alterado o quadro eleitoral e cada vez menos são notícias no dia seguinte, além dos memes e virais que divertem nas redes sociais.

O último exemplo, todavia, foi uma exceção. E uma triste exceção.

Nem Dilma, nem Aécio, nem Marina foram seus protagonistas –mas também é uma pena que tivessem deixado de sê-lo, tal como Luciana Genro ou Eduardo Jorge.

Quem fez com que o debate se prolongasse na discussão, foi o nanico Levy Fidelix, perpétuo candidato que, neste ano, deixou de lado a histriônica e isolada proposta do aerotrem.

Fidelix foi mais para baixo e talvez saia da eleição com a nota lamentável de um debate, encharcando de violência, onde não se esperava mais que uma figuração.

Fidelix utilizou a resposta a Luciana Genro sobre famílias homoafetivas para uma mensagem contundentemente homofóbica.

A grosseria sem tamanho sobre “órgãos excretores e reprodutores”, a confusão maliciosa e perversa entre homossexualidade e pedofilia, a consideração do gay como doente mental, a atribuição de caracteres nocivos como a “falta de vergonha na cara”, e “o negócio é feio”. Por fim, o comando de “enfrentar essa minoria”, sugestivamente, mencionando a própria avenida Paulista, palco de várias agressões a homossexuais.

A grotesca mensagem ficou encartada entre outras tantas manifestações dos candidatos, como se fosse uma mera opinião ou expressão livre de uma plataforma política.

Teria sido melhor que, depois de ouvi-la, os candidatos simplesmente se levantassem e dessem o debate por encerrado; no mínimo, que pautassem suas falas em face desse absurdo. Teria sido muito mais didático do que agressões paralelas ou promessas alternadas entre si.

Um candidato a presidente deve ter pulso para repelir qualquer ideia que hostilize a democracia e ensinar a seus liderados os limites do debate.

Permitir que o debate eleitoral sirva de rebaixamento ao marco civilizatório é um paroxismo da democracia.

Afinal, só quem não tem compromissos reais com a democracia é que pode resumi-la à liberdade de qualquer expressão.

O estado democrático de direito não é apenas a realização da vontade das maiorias; mas a intransigente defesa das minorias, da diversidade e da pluralidade.

O pluralismo, fundamento da República, é a razão pela qual a moral não pode ser objeto de apropriação pública, e a igualdade não permite que os agentes do Estado tratem de forma diferenciada qualquer pessoa por sexo, raça, origem social ou mesmo orientação sexual.

Não se pode conclamar o ódio pela diferença, a superioridade pela raça ou o preconceito homofóbico como expressões livres na democracia. Porque de fato, elas não o são.

Quando se discutiu, no STF, os limites da liberdade de expressão, na canhestra proibição judicial da Marcha da Maconha, Celso de Mello frisou os limites intrínsecos à própria liberdade.

“A incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Cabe relembrar, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13, § 5º, exclui, do âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento, “toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

A hesitação quanto à defesa do casamento igualitário, após reclamações do pastor Silas Malafaia, colocou Marina em uma situação de constrangimento. Dilma fez campanha prometendo a criminalização da homofobia que em seu governo, também premido por apoios e vetos evangélicos, não foi capaz de cumprir.

Apesar de várias candidatas mulheres à presidência, o tema do aborto está quase interditado no debate, resquício ainda da pauta conservadora da eleição passada, em que o final do primeiro turno se deu entre altares e coroinhas.

Mas nem todas essas dificuldades da realpolitik podem permitir que a homofobia, enquanto discurso de rejeição e ódio, tenha os horários eleitorais como transmissores.

O que se trata por aqui é até mais do que igualdade, respeito ou consideração.

Toda vez que alguém com poder ou influência assume em alto e bom som que é preciso combater homossexuais, o que estão em jogo são vidas humanas.

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