Defensores debatem regularização fundiária e moradia popular durante encontro em Porto Velho

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Durante o segundo painel no segundo dia do III Seminário da ENADEP e II Congresso de Defensores Públicos de Rondônia, que ocorreu na capital Porto Velho, profissionais e acadêmicos de direito debateram questões envolvendo regularização fundiária e moradia popular. Conduzida pela defensora Maria Lúcia de Pontes, titular do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a palestra contou com coordenação do defensor Sérgio Muniz em mesa presidida pelo defensor Leonardo Werneck. O encontro encerrou com palestra intitulada “Defensoria Pública: Do acesso à justiça à luta contra o estado policial”, proferida pelo juiz de direito Marcelo Semer.

Maria Lúcia iniciou sua fala recuperando um pouco da história da regulação das terras no Brasil. Segundo ela, vivemos em uma sociedade, também do ponto de vista fundiário, extremamente desigual. E essa sociedade não surge de agora, se construiu desde o “achamento do Brasil”, conforme visão da historiadora Marilena Chauí. “Se olharmos, a primeira lei que discutiu terras no Brasil é de 1850. Nesta época, se cria a Lei de Terras, e se observarmos só essa lei achamos que ela é até legal. Mas ao contextualizarmos, vemos o que os historiadores costumam dizer: que nesse período se libertou o homem negro e se aprisionou a terra.  Então em 1850 a legislação criou a cerca jurídica da terra. Até então a gente adquiria a propriedade ocupando-a. Em 1850 começa uma forma de deixar o negro fora desta ‘festa’ da terra”, afirmou.

Logo após a criação da lei, para se descobrir quais as terras estavam vazias, foi feito um levantamento. E todos os municípios responderam que todas as terras estavam ocupadas. O que era uma mentira. “É preciso entender, portanto, que a regularização fundiária vai esbarrar sempre em uma questão bem delicada, que é a questão da política habitacional e a política para os territórios. Hoje temos uma legislação urbanística das mais avançadas. Se só precisássemos da lei a gente resolveria tudo. A questão legislativa é fundamental, mas não é o que resolve. O que soluciona é trabalhar o empoderamento das pessoas. Dizer para as pessoas: vocês tem direitos”, defendeu. 

Ela destacou que a atuação do defensor público que atende este tipo de demanda precisa ser diferenciada, flexível. “São direitos que você precisa atender com olhar um pouco mais aberto do que o do defensor que pensa que basta atender no seu gabinete e entrar com ação judicial.  Se a gente atende uma família que chega dizendo que foi alguém lá na sua casa mandando desocupar porque vai ser construída uma escola, seja lá o que for que inventem, e deixar para entrar com uma ação, daqui que ela ande a família já está sem casa”, ilustrou.

Parcerias

Maria Lúcia contou um pouco da evolução do atendimento da Defensoria no Rio, tendo como marco o ano de 2007, quando houve uma mudança de paradigma, deixando a atuação defensiva e partindo para um trabalho colaborativo com o desenvolvimento de parcerias. “Percebemos que precisávamos avançar mais. E para isso precisávamos ter apoio, parceiros: da universidade, nos institutos formais já existentes. É fundamental que o defensor dialogue com essas entidades”, completou.

A defensora ressaltou ainda a necessidade de admitir que a atuação do defensor é política. “Alguns colegas acham que você não pode ser político. A gente trabalha com regras criadas para regular a vida em sociedade. Quer coisa mais política que isso? Todas as leis são fruto de pressão social. Isso é política. Eu, defensor público, portanto, atuo na política. Se a gente quer fazer um trabalho efetivo, que mude alguma coisa, a gente precisa aceitar esse fato; trabalhamos com política”, assegurou, lembrando que há muitos defensores que não sabem em que lado estão.

Legislação

Hoje há dois instrumentos fundamentais para regularização fundiária de comunidades com grande número de famílias: usucapião coletivo e auto de demarcação urbanística, que está dentro da lei Minha Casa Minha Vida. A defensora trouxe alguns exemplos de ações que ingressou, especificamente de obrigação de fazer contra o Município, pedindo liminares para impedimento de demolição de casas envolvendo comunidades em áreas de risco no Rio de Janeiro. E falou um pouco sobre a dita “remoção voluntária”. “Ninguém é removido porque quer. As pessoas estão sendo removidas porque alguém quer construir alguma coisa ali. Essa conversa é uma hipocrisia e no Rio virou moda isso. O município vê uma área valorizada e oferece o minha casa minha vida, ou seja, dá apartamento pra quem não precisa enquanto há famílias em áreas de risco necessitando”, exemplificou.

Maria Lúcia detalhou procedimentos e discutiu a viabilidade do ingresso com cada um dos instrumentos, conforme as características de cada caso, valorizando sempre o usucapião coletivo. “Com tudo isso a gente não consegue evitar o conflito. Como essa cerca jurídica criada em 1850 vigora até hoje. Temos que usar os instrumentos, mas eles são muito mais de autodefesa do que de efetividade da propriedade. Toda vez que se tem uma comunidade que está sob risco, a gente precisa resolver com autodeterminação, usando os instrumentos para dizer para as pessoas que elas tem direito, observou, enfatizando que não adianta ter muitas leis, o importante é a apropriação do direito por parte dos assistidos. “As vezes a gente precisa é dar informações para se protegerem até mesmo da nossa instituição. Pode parecer bobo e pouco para a gente que tem a informação, mas para as comunidades, a informação é o fundamental”, completou.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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