Calaram Nísio Gomes: que a justiça não se cale!

Cacique Nisio Gomes (Foto : UBC)
Cacique Nisio Gomes (Foto : UBC)

Cimi Regional MS

Pela manhã o sol que nasceu para iluminar a aldeia Kaiowá de Guaiviry no Mato Grosso do sul, trouxe junto com sua luz um misto de expectativa e esperança. É uma data histórica não somente para a aldeia, mas como para todo o povo Kaiowá. Hoje às 14 horas no prédio da Justiça Federal de Ponta Porã começam as oitivas das testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Publico Federal referentes ao caso do assassinato da liderança Kaiowá, Nísio Gomes. Onze testemunhas serão ouvidas em Ponta Porã, outras mais serão escutadas em outras cidades e(ou) por precátorias. Para os Kaiowá é tempo de justiça.

Sobre o caso:

A comunidade indígena Guarani/Kaiowá de Guaiviry,em 01 de novembro de 2011, com um grupo de aproximadamente 68 pessoas, dentre elas, homens, mulheres, crianças e idosos – retomaram parcela de seu tekoha (território tradicional), localizado no município de Aral Moreira/MS.

O acampamento se localiza ainda hoje, na Fazenda Nova Aurora, entre os municípios de Aral Moreira e Ponta Porã, sob propriedadede Ruth dos Santos Martins e, naquela época era arrendado a Luiz Antonio Ebling do Amaral.

Vale ressalvar que a área reivindicada pela comunidade consta no TAC [1] – Termo de Ajustamento de Conduta – assinado entre o MPF e a Funai visando a demarcação de diversas áreas Kaiowá e Guarani do Estado, e está sob processo de identificação e delimitação atualmente.

Consta nos autos, que após os fazendeiros terem conhecimento de que havia indígenas ocupando a área, desprezaram totalmente a via judicial e resolveram por contra própria fazer a retirada dos indígenas.

O primeiro passo foi ofertar dinheiro aos indígenas, por intermediação de outro indígena e, prontamente recusado pela comunidade de Guaiviry, segura e convicta de estar ocupando seu território tradicional.

E, temerosos de outras ocupações, os fazendeiros continuaram suas articulações para expulsão violenta da comunidade, que no entendimento deles seria mais eficaz que esperar uma posição judicial.

Na véspera do ataque – dia 17/11/2011 – se reuniram todos os seguranças da empresa GASPEM (hoje fechada por ação do MPF) e os fazendeiros em uma fazenda para aguardar a chegada do próximo dia, o dia do ataque.

Às 6h do dia 18 de novembro de 2011, iniciou-se o ataque, mais de 10 homens armados com espingardas calibre 12 caminharam até a entrada da mata onde estavam os Guarani/Kaiowá acampados, e protagonizaram um imenso tiroteio contra o grupo na intenção de expulsá-los, sendo surpreendidos pela resistência dos Guarani/Kaiowá, acabaram ferindo fatalmente o cacique Nísio Gomes e provocando lesões corporais em um outro menor.

Nísio Gomes foi ao chão com ao menos quatro tiros, seus familiares tentaram se aproximar do rezador, só que foram impedidos pelos capangas que arrastavam o corpo do indígena até uma camionete fora da mata e desapareceriam com o corpo.

Em outra camionete, os demais ‘seguranças’ fugiram do local.

No passo das horas, foi aberto inquérito policial para investigação e posteriormente, houve a denúncia pelo Ministério Publico Federal de 19 acusados pela prática de homicídio qualificado,lesões corporais, e porte ilegal de armas e,formação de quadrilha ou bando fundados nos arts. 129 e 121, §2°, incisos I e IV, 211, 228, § único c/c 29, todos do Código Penal e art. 14 da Lei n° 10.826/2003, e art. 59 da Lei 6.001/1973.

Cumpre ainda esclarecer que durante as investigações pela Polícia Federal, se cogitou que Nísio Gomes estivesse vivo e morando no Paraguai,o que levou a Polícia Federal junto com a Força Nacional do Paraguai realizassem buscas nas aldeias daquele país, na procura do paradeiro de Nísio Gomes, deparando com total frustração.

Mais tarde, determinada testemunha entregou o jogo, revelou que recebia dos fazendeiros para prestar informações inverídicas à Polícia Federal sobre a possível sobrevivência do Cacique.

Dentre os 19 acusados, três são fazendeiros, 1 de seus funcionários, 2 advogados, 1 presidente do sindicato rural de Aral Moreira, 12 são da empresa Gaspem Segurança LTDA, entres estes, o proprietário  e o administrador foram denunciados, havia ainda durante as articulações dos fazendeiros a presença de servidores da Funai mas, estes não foram denunciados.

O caso em tela teve repercussão mundial, pois ocasionou a prisão preventiva de diversos dos acusados, um deles, o proprietário da GASPEM que somente teve sua prisão preventiva substituída por prisão domiciliar devido a ter sofrido uma tentativa de homicídio no correr das investigações, e hoje se encontra com graves problemas de saúde.

Ademais, tal acontecimento infelizmente, reflete, substancialmente, a grave violação de direitos fundamentais das comunidades indígenas, sua vulnerabilidade frente a esses constantes ataques, ocasionados pelo preconceito, discriminação e a instigação ao ódio, e pela morosidade do poder publico com a questão indígena no Estado.

Vale consignar que Mato Grosso do Sul registra números autos de mortes de lideranças indígenas que foram mortas em conflito fundiário, e nesses casos sempre tem empresa de segurança privada ou serviço de pistolagem envolvido, exemplo: Cacique Marcos Veron, 72 anos, assassinado em 13.01.2003 (Ação Penal no 2003.60.02.000374-2, 1a Vara Federal de Dourados, MS); Dorival Benites, 36 anos, assassinado em 26.06.2005 (Ação Penal no 2005.60.06.000984-3, 1a Vara Federal de Naviraí – MS); Dorvalino Rocha, 39 anos, assassinado em 24.12.2005 (Ação Penal no 2006.60.05.000152-9, 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS); Xurite Lopes, 73 anos, assassinada em 09.01.2007 (2007.60.05.00157-1, na 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS); Ortiz Lopes, 46 anos, assassinado em 08.07.2007 (Inquérito Policial nº. 046/2007 na Polícia Civil de Coronel Sapucaia – MS); Oswaldo Lopes, assassinado em 29.05.2009; Genivaldo Vera e Rolindo Vera, assassinados em 29.10.2009 (Inquérito Policial nº. 181/2009. Polícia Federal de Naviraí); Teodoro Ricarde, assassinado em 27.09.2011; Nísio Gomes, assassinado em 18.11.2011 (Inquérito Policial nº. 0562/2011 PF/Ponta Porã).

Por fim, espera-se que a justiça seja apresentada ao caso, para trazer solução, acalmar a dor de um povo e fazer valer a memória de Nísio.Que encontrem o corpo do Cacique de um povo que luta por direitos fundamentais, esquecidos na Constituição Federal.

Nota:

[1]http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2010/08/mpf-cobra-na-justica-cumprimento-de-tac-das

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