Famílias despejadas violentamente no Centro de São Paulo ocupam novo edifício

Fachada do prédio ocupado no momento da chegada da polícia
Fachada do prédio ocupado no momento da chegada da polícia

Marcela Belchior – Adital

Após a manhã de terror durante a reintegração de posse de um prédio no Centro da cidade de São Paulo (Estado do São Paulo), no último dia 16 de setembro, quando famílias inteiras foram despejadas sob forte violência policial, os militantes da Frente de Luta por Moradia (FLM) ocupam, agora, outro edifício no mesmo bairro. Abatidos, feridos e prosseguindo sem perspectivas de acomodação definitiva, homens, mulheres, crianças e idosos sobrevivem, desde então, por meio de doações para que possam comer e atender a outras necessidades básicas.

O porém é que esse novo abrigo também já está em vias de ser reapropriado pela via judicial. Em entrevista para a Adital, a coordenadora do FLM, Ivaneti Araújo, afirmou que em uma reunião prevista para esta terça-feira, 23 de setembro, com representantes do Poder Público deverá definir a data de reintegração desse novo edifício. Até lá, a população abrigada tentará se recuperar da agressão sofrida no dia 16. “Está todo mundo ferido. Está todo mundo machucado. O pessoal estava em busca de seus direitos. Foi trágico, foi trágico”, disse Ivaneti.

Segundo ela, chegam aos sem-teto ajudas em alimentação, roupas e equipamentos domésticos. A iniciativa vem dos próprios movimentos sociais e também de pessoas sem ligação com grupos ou organizações. Nesta segunda-feira, 22, é que os membros da FLM devem se reunir para, conjuntamente, discutirem os rumos do movimento. “Por enquanto, é só dar uma tranquilidade às famílias. Só depois veremos os próximos passos”, apontou a militante.

Ataque policial e contra-ataque popular

As mais de 200 famílias, cerca de 800 pessoas sem moradia (entre brasileiros e imigrantes peruanos, bolivianos e de países africanos), foram despejadas do imóvel localizado na Avenida São João, n° 601, Centro de São Paulo, sob forte ação integrada da tropa de choque, Rota, Força Tática, Guarda Civil Metropolitana e motociclistas da Rocam — todos batalhões integrantes das Polícia Civil ou Militar do Estado de São Paulo. O contingente policial foi estimado em pelo menos 250 homens, armados com cassetetes, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, além de balas de borracha.

“Atacaram, sem distinção, crianças, mulheres, adultos e jovens. Um jovem teve seu braço quebrado. Estilhaços de bobas feriram mulheres, dezenas saíram machucados. Crianças sufocadas com as bombas de gás chegaram a desmaiar. Um cenário estarrecedor, da barbárie do Batalhão de Choque, da insanidade do Judiciário e da insensibilidade do governador [Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB], que reiterou a ordem de colocar os sem-teto na rua a qualquer custo. E depois de tudo isso ainda levou até as crianças para a delegacia”, afirma a Frente, em texto publicado em sua página na Internet horas depois da desocupação.

Os ocupantes do prédio contra-atacavam atirando cocos secos, restos de móveis e eletrodomésticos do alto do prédio. “Os sem-teto se protegeram de modo simples e como era possível. Mas foi insuficiente para deter a hostilidade armada do Batalhão de Choque. O despejo foi concluído. O proprietário, injusto possuidor, recebeu a chave do imóvel suja de sangue, mas deve estar feliz com o trabalho dos guardiões da ilegalidade”, complementa o movimento.

A organização da ocupação

O prédio possui 23 andares e 233 kitinetes. Foi construído há mais de 10 anos, onde funcionaria o Hotel Aquárius, mas nunca foi utilizado. “Está abandonado, sem função social. É uma propriedade que viola os preceitos elementares do bom direito, não obedece aos fundamentos do direito de propriedade”, relembra o movimento.

Os sem-teto são constituídos por aproximadamente 1 mil pessoas, entre adultos e idosos, e mais cerca de 200 crianças. O edifício foi ocupado por eles em luta por moradia em fevereiro deste ano, durante as festas de Carnaval. Eles teriam se disfarçado de bloco de rua para executar a ocupação. “Essas famílias se organizaram depois de sofrerem despejos de suas moradias de origem. Em desespero e sem terem outra alternativa, abandonados pelo Poder Público, ocuparam o prédio”, aponta o movimento.

Segundo a FLM, os ocupantes da propriedade limparam, fizeram manutenção, ligaram água e luz e dividiram os espaços entre si, morando a protegendo suas vidas e as de seus filhos. “Passados seis meses, receberam o golpe do Judiciário, com a violenta e injusta sentença de reintegração de posse. Muitas tentativas das lideranças e famílias para barrarem essa ação insana foram inúteis. O propósito do Judiciário era de restituir a propriedade ao seu injusto possuidor e promover a desordem na vida das famílias sem-teto. Assim ampliou a iniquidade social existente no Brasil”, aponta a Frente.

“O Judiciário, os homens do choque e o governador dormirão tranquilos em seus luxuosos aposentos, enquanto os sem-teto curam as feridas e aglutinam seus pertences, procuram apoio de familiares e outros amigos sem-teto. Respiram fundo e pensam no próximo passo”, concluem os sem teto.

Para fazer doações, entre em contato com a Frente de Luta por Moradia.

Assista a imagens da resistência durante reintegração de posse:

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