Especial resgata histórias de centro clandestino de tortura na Amazônia

Maíra Heinen – EBC

Nos dias 15 e 16 de setembro a Comissão Nacional da Verdade esteve em Marabá, no Pará, para visitar a Casa Azul, um dos principais locais de tortura durante a ditadura militar. Algumas vítimas desse período foram convidadas a voltar à Casa Azul e a contar os momentos de horror que viveram no local. A repórter Maíra Heinen acompanhou a diligência da Comissão e traz os detalhes em uma série especial de três reportagens. Confira a primeira delas:

Nas margens da rodovia Transamazônica, em Marabá, no Pará, um local guarda histórias que muitos moradores da cidade nunca ouviram falar. O nome “Casa Azul” parece um título de contos infantis, mas em nada combina com os horrores vividos por quem passou por ela na década de 70. O nome Casa de Sangue seria mais adequado.

Utilizada como centro clandestino de tortura e morte, na época da ditadura militar, a Casa Azul foi o destino de muitos guerrilheiros que atuaram no Araguaia e também de camponeses. Para dar um ar de legalidade e evitar desconfianças, lá funcionava também o extinto DNER, Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Hoje é a sede do Dnit, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.

Com um imenso quintal cheio de árvores e sombras, o lugar é um complexo de pequenas casas espalhadas num terreno. Uma, especificamente, foi apontada por sobreviventes como o local da maioria das torturas. Ela estava abandonada e lacrada quando na segunda quinzena de setembro a Comissão Nacional da Verdade foi a Marabá fazer uma de suas últimas diligências na região do Araguaia. Foi preciso arrombar o portão de grades para adentrar. A poeira e as teias de aranha nas janelas azuis dividiam espaço com entulho em alguns cômodos.

Após décadas, seu Raimundo de Sousa Cruz, mais conhecido como Barbadinho, entrou novamente nas salas em que levou choques elétricos, tapas e chutes. Acompanhando a comissão, o senhor de 84 anos se emocionou. Na época, Barbadinho não sabia direito porque apanhava, mas quando foi questionado pelos militares, confirmou ter conversado com pessoas que o regime classificava como terroristas:

“Choque eu levei demais ali…meus colegas…empurrão, ponta pé… Eles perguntavam se eu conhecia alguém. Eu digo…’conheci sim’….aí eu contei a história de seis horas da manhã até onze e meia.”

Dentro da pequena sala, Barbadinho estava tremendo, e a voz ficou embargada.

A psicóloga da Comissão Estadual da Verdade do Pará, Jurelda Guerra, explica que a reação de Barbadinho é comum. Segundo ela, todos os torturados – a maioria senhores com mais de 70 anos – apresentam sintomas parecidos por causa dos traumas físicos e psicológicos:

“Medo…sonhos na madrugada, sonhos assim com terror. Acordam com taquicardia. Acordam com medo… muito choro.Todos eles ao falar choravam. O sentimento de desesperança ela pode ser uma consequência da depressão. Todos têm uma melancolia, todos têm uma tristeza…um sentimento de impotência.”

Apesar das vítimas apresentarem dificuldade para expor o que cada uma passou na Casa Azul, Pedro Dallari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade, ratifica a importância do ritual:

“A presença da Comissão Nacional da Verdade em locais onde houve graves violações de direitos humanos é muito importante porque exatamente estimula os testemunhos, os depoimentos tanto de vítimas, como de agentes. E isso forma a convicção da comissão.”

Barbadinho não foi o único a entrar na casa novamente. Outras vítimas e até um soldado recrutado pelo Exército resolveram voltar lá e contar o que passaram no lugar classificado por eles como casa dos horrores.

Amanhã (24), na segunda reportagem especial sobre a Casa Azul, a repórter Maíra Heinen conta a história de vítimas que foram obrigadas a ajudar os militares que atuavam no local. Outro assunto, é a visita da Comissão Nacional da Verdade à área usada para desova de corpos, que se tornou o Cemitério da Saudade.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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