Banco Mundial propõe excluir de proteção populações frágeis

Meninas e meninos indígenas, como estes do povo uwottyja da Amazônia venezuelana, poderiam ficar fora da proteção do Banco Mundial se prosperar a polêmica proposta em debate. Foto: Humberto Márquez/IPS
Meninas e meninos indígenas, como estes do povo uwottyja da Amazônia venezuelana, poderiam ficar fora da proteção do Banco Mundial se prosperar a polêmica proposta em debate. Foto: Humberto Márquez/IPS

Envolverde – Por Jim Lobe, da IPS

Washington, Estados Unidos, 4/8/2014 – Um importante comitê da junta diretora do Banco Mundial rechaçou as solicitações para modificar um rascunho de declaração política que, segundo uma centena de organizações da sociedade civil, implicaria um retrocesso de várias décadas nas disposições que protegem de abusos as populações indígenas, os pobres e os ecossistemas frágeis.

Embora o Comitê de Efetividade no Desenvolvimento não tenha apoiado formalmente o documento, o aprovou em 30 de julho para consulta nos próximos meses com os governos, ONGs e outros interessados, no que será a segunda rodada de uma revisão das políticas sociais e ambientais do Banco Mundial que levará dois anos.

Está em jogo um rascunho de marco de garantias que foi desenhado para atualizar e fortalecer as políticas implantadas nos últimos 25 anos para garantir que os projetos financiados pelo Banco Mundial nos países em desenvolvimento protejam as populações vulneráveis, os direitos humanos e o ambiente.

“As políticas que temos agora foram úteis, mas os problemas que enfrentam nossos clientes mudaram nos últimos 20 anos”, disse Kyle Peters, vice-presidente do Banco Mundial para operações políticas e serviços nos países.  Peters ressaltou que as disposições do contexto previsto também ampliarão as políticas de garantias da instituição com sede em Washington, para promover a inclusão social, a antidiscriminação, os direitos trabalhistas e a luta contra a mudança climática.

Mas um grupo de organizações da sociedade civil afirma que o projeto, que vazou no dia 26 de julho, não reforça essas garantias, e que, muito ao contrário, as debilita substancialmente em alguns casos.

“O Banco Mundial se comprometeu diversas vezes a produzir um novo marco de garantias que não dê lugar à diluição das salvaguardas existentes e que reflita as normas internacionais vigentes”, segundo comunicado enviado em 28 de julho aos diretores-executivos da instituição pela Aposta pelos Direitos Humanos (BHR), uma rede com sede em Washington integrada por 23 organizações de desenvolvimento, humanitárias e ambientalistas.

“Por outro lado, o projeto de garantias representa uma profunda diluição das salvaguardas existentes e solapa as normas internacionais de direitos humanos e das melhores práticas”, alerta a carta assinada por Anistia Internacional, Human Rights Watch e Fórum de ONGs do Banco Asiático de Desenvolvimento, entre outras organizações.

Uma das disposições previstas permitiria a “exclusão voluntária” dos governos que recebem empréstimos da Norma dos Povos Indígenas, que foi desenvolvida pelo Banco Mundial para garantir que seus projetos de financiamento protejam os direitos fundamentais das populações autóctones sobre a terra e os recursos naturais.

“Há mais de 20 anos que colaboramos com o Banco Mundial no desenvolvimento das garantias sociais e ambientais e nunca vimos uma proposta com um potencial tão negativo de repercussões generalizadas para os povos indígenas de todo o mundo”, afirmou a filipina Joji Cariño, diretora da Forest Peoples Programme, uma organização com sede na Grã-Bretanha que defende os direitos das populações autóctones.

“A proposta de exclusão voluntária das proteções para os povos indígenas, em particular, afetaria a vigente legislação internacional de direitos humanos e os avanços significativos que se observa no respeito aos direitos dos povos indígenas nas leis nacionais”, destacou Cariño.

Mas Mark King, diretor de normas ambientais e sociais do Banco Mundial, insistiu que o contexto em questão representa um “fortalecimento da política existente” que, entre outras disposições, incorpora o “consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas” para todos os projetos financiados pelo Banco.

“Em circunstâncias excepcionais, quando existe o risco de exarcebar as tensões étnicas ou os conflitos civis, ou quando a identificação dos povos indígenas é incompatível com a Constituição do país, em consulta com as pessoas afetadas por um projeto em particular, é proposto um enfoque alternativo para a proteção” dessas populações, explicou Peters, acrescentando que a direção do órgão deve autorizar essas exceções.

O Banco Mundial, que desembolsa até US$ 50 bilhões por ano em subsídios e empréstimos, continua sendo uma fonte fundamental de financiamento de projetos no Sul em desenvolvimento, embora nos últimos 20 anos tenham surgido outras fontes importantes de capitais privados e, mais recentemente, a China e outras economias emergentes que costumam impor menos condições aos seus empréstimos.  Diante dessa competição, o Banco Mundial busca a forma de atrair os que precisam de empréstimo mediante, por exemplo, facilidades em suas operações.

Entretanto, alguns de seus críticos temem que o Banco Mundial também esteja disposto a exercer maior flexibilidade na aplicação de suas normas sociais e ambientais, algo que seus funcionários rechaçam publicamente, apesar da recente divulgação de e-mails internos que confirmariam esses temores.

Sob a insistência das ONGs e de alguns governos ocidentais, nos anos 1980 e 1990, o Banco Mundial liderou o processo de adoção de políticas sociais e ambientais progressistas.  Porém, mais recentemente, “ficou para trás em relação aos bancos regionais de desenvolvimento e a outras instituições internacionais de desenvolvimento quanto à proteção dos direitos humanos e do ambiente”, afirmou Gretchen Gordon, coordenadora da BHR.

“O Banco tem a oportunidade de recuperar sua posição de líder no âmbito do desenvolvimento, mas, lamentavelmente, este projeto é um retrocesso na última década de progresso”, afirmou Gordon.  “Esperamos que a próxima rodada de consultas seja sólida e acessível para as pessoas e as comunidades mais afetadas, e que o Banco e seus Estados membros adotem um contexto de garantias sólido que respeite os direitos humanos”, enfatizou.

A BHR elogiou o renovado interesse do Banco Mundial pela discriminação e pelos direitos trabalhistas, mas criticou o que considera o deslocamento do contexto de garantias de “um com base no cumprimento do processo e das normas estabelecidas para outro de orientação vaga e aberta”.

Segundo o comunicado da sociedade civil, o rascunho coloca em perigo a proteção de populações que poderiam ser deslocadas de suas casas por projetos financiados pelo Banco Mundial.  Também permitiria que os governos que fazem empréstimos, e inclusive bancos privados “intermediários”, apliquem suas próprias normas para a avaliação, compensação e reassentamento das comunidades deslocadas, “sem critérios claros sobre quando e como isso seria aceitável”, destacou a BHR.

Além disso, o marco previsto não incorpora nenhuma proteção que evite que os fundos do Banco Mundial apoiem as apropriações de terras que deslocaram populações indígenas, pequenos agricultores, comunidades de pescadores e pastores em países pobres para dar lugar a grandes projetos agroindustriais, acrescenta a organização.

“Tínhamos a esperança de que as novas garantias incluiriam requisitos fortes para impedir que governos, como o da Etiópia, abusem de suas populações com os fundos do Banco”, declarou Obang Metho, diretor-executivo do Movimento de Solidariedade por uma Nova Etiópia, uma organização que chamou a atenção internacional para as apropriações de terras etíopes com apoio do Banco Mundial.  “Mas nos assombrou o Banco abrir as comportas para novos abusos”, ressaltou.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.

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