Manifestação não é ‘formação de quadrilha’

Em manifesto, cientistas sociais contestam os crimes que têm sido atribuído a movimentos horizontais e espontâneos

CartaCapital

Desde os protestos de junho do ano passado, a polícia e o judiciário tem enquadrado manifestantes em crimes como “associação criminosa” e “formação de quadrilha”. No último sábado 12, por exemplo, 19 manifestantes foram presos preventivamente com base na acusação de crime de formação de quadrilha armada.

Para pesquisadores de movimentos sociais, porém, estes novos grupos não devem ser abordados desta forma. Os cientistas sociais que estudam estes movimentos argumentam que estas caracterizações não fazem sentido para estes movimentos, já que eles se organizam de forma horizontal, espontânea e sem lideranças.

Eis a íntegra do manifesto.

Cientistas sociais questionam caracterização legal da polícia e do judiciário

Nas últimas semanas, operações policiais tiveram como alvo manifestantes que participaram de protestos de rua. Muitos deles estão sendo acusados de formação de quadrilha e associação criminosa. Como estudiosos dos novos movimentos sociais nas universidades e instituições de pesquisa científica, acreditamos que os enquadramentos jurídicos utilizados pela polícia e pelo judiciário estão em profundo desacordo com o que a observação e a análise das ciências sociais tem mostrado.

Movimentos são horizontais, não há chefes ou líderes

Uma das características mais marcantes dos novos movimentos sociais é sua horizontalidade. A observação e análise de centenas de cientistas sociais no Brasil e no exterior tem mostrado reiteradamente que esses movimentos rejeitam estruturas verticais de comando. Isso significa que não é possível localizar no seu processo de organização social uma pessoa ou um grupo de pessoas cujas determinações sejam acatadas como ordens pelos demais participantes. Assim, apontar alguns manifestantes que participam desses movimentos como líderes ou chefes de quadrilha está em desacordo com as dinâmicas sociais que temos observado e registrado nos nossos estudos.

Adesão a protestos de rua é espontânea, não há quadrilha, nem associação

Nossa observação e análise tem mostrado também que os protestos de rua dos novos movimentos não se caracterizam por planejamento prévio dos participantes. Os participantes de manifestações se reúnem espontaneamente atendendo a um chamado que normalmente se limita a indicar o local do protesto e a causa pela qual se manifesta. As centenas ou milhares de pessoas que se reúnem não constituem uma organização, nem prévia, nem posterior aos protestos. O fato de as redes sociais permitirem que pessoas que participaram ou pretendam participar de protestos comuniquem-se e interajam não é suficiente para caracterizá-las como uma organização já que essa interação é espontânea, informal e não estruturada.

Assim, consideramos que a atribuição de supostos atos ilícitos em manifestações a quadrilhas e associações criminosas comandadas por chefes ou líderes não encontra qualquer respaldo nas dezenas de investigações que temos conduzido com novos movimentos sociais.

Assinam:

  • Prof. Dr. Pablo Ortellado, Universidade de São Paulo
  • Profa. Dra. Rosana Pinheiro-Machado, Universidade de Oxford
  • Dr. Rudá Ricci, diretor-geral do Instituto Cultiva
  • Prof. Dr. David Graeber, London School of Economics
  • Prof. Dr. Paolo Favero, Universidade da Antuérpia
  • Prof. Dr. Gustavo Lins Ribeiro, Universidade de Brasilia
  • Prof. Dr. Giuseppe Cocco, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Prof. Dr. Luiz Eduardo Soares, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
  • Prof. Dr. Fabio Malini, Universidade Federal do Espírito Santo
  • Prof. Dr. Rodrigo Guimarães Nunes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
  • Prof. Dr. Robson Sávio Reis Souza, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
  • Prof. Dr. José Mauricio Domingues, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Profa. Dra. Miriam Guindani, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Carlos Basília, Fiocruz
  • Pedro Teixeira, Fiocruz
  • Itamar Buratti, Instituto de Direitos Humanos
  • Franciele Alves da Silva, Universidade Estadual de Maringá

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