Índios isolados: liderança kaxinawá exige retorno de base da Funai no Acre

Ninawa Huni Kuin (Foto: Mário Vilela/Funai 2012)
Ninawa Huni Kuin (Foto: Mário Vilela/Funai 2012)

Kátia Brasil – Amazônia Real

Uma das principais lideranças dos povos indígenas do Estado do Acre, Ninawa Huni Kuin, da etnia kaxinawá, expressou preocupação com a saúde e segurança da tribo desconhecida que fez contato no mês de junho com índios ashaninka da aldeia Simpatia, na reserva Kampa e Isolados do Rio Envira, na fronteira com o Peru. Em entrevista à agência Amazonia Real, ele disse que a Funai (Fundação Nacional do Índio) precisa reativar a base da Frente de Proteção Etnoambiental na região para proteger os índios isolados.

“Nossa preocupação é com a saúde epidemiológica deles, com uma possível epidemia de uma enfermidade. Mesmo sendo uma aldeia, o lugar do contato, de alguma forma, tem as influências de alimentação. A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde), por exemplo, não está dando conta nem da saúde dos índios que vivem nas aldeias que estão organizadas, imagine com os índios isolados. Eles nunca vão ter controle sobre isso”, afirmou Ninawa Huni Kuin, que é presidente da Federação do Povo Huni Kuin do Estado do Acre.

A base da Frente de Proteção Etnoambiental no Rio Xinane, próxima à Aldeia Simpatia, foi fechada depois de uma invasão de narcotraficantes peruanos ao posto, em 2011. Na ocasião, a Polícia Federal retomou a instalação e prendeu um homem de nacionalidade portuguesa sob acusação de tráfico internacional de drogas. Mas, por medida de segurança, a Funai retirou os funcionários do órgão, inclusive do atendimento de saúde, do local.

Nesta região, existem quatro terras indígenas que têm vestígios de quatro grupos de índios isolados em um território que soma 765,7 mil hectares de floresta vulnerável a ação também da extração ilegal de madeira. São as reservas Kampa e Isolados do Rio Envira, Kaninawá (Huni Kuin) do Rio Humaitá, Riozinho do Alto Envira e Alto Tarauacá.

Há 14 dias a Funai anunciou que no dia 29 de junho aconteceu o primeiro contato de um grupo de etnia não identificada em 30 anos de estudos sobre índios isolados no oeste da Amazônia, mas mantém o silêncio sobre os desdobramentos da movimentação do grupo indígena e das ações de saúde. Até o momento, não foram divulgadas fotos, vídeos ou informações à imprensa sobre o contato na aldeia Simpatia, na reserva Kampa e Isolados do Rio Envira, onde é acessível apenas por voos de aeronaves ou em viagem de quatro dias de barco da sede do município de Feijó, distante a 345 quilômetros (em linha reta) da capital Rio Branco.

A Funai enviou à Aldeia Simpatia funcionários da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, que são especializadas na proteção desses povos, mas uma parte da equipe retornou para Brasília na semana passada. Segundo a fundação, são considerados “isolados” os grupos indígenas que não estabeleceram contato permanente com a população nacional, diferenciando-se dos povos indígenas que mantêm contato antigo e intenso com os não-índios. A Constituição Federal diz que é dever do Estado brasileiro assegurar e proteger a cultura, a identidade e o modo de ser desses índios.

Presença de invasores pressiona indígenas isolados

O líder Ninawa Huni Kuin disse que assim como os povos kaninawá e manchineri, os ashaninka vêm relatando a presença de índios isolados rondando as aldeias desde 2007.  Segundo ele, no ano passado mulheres ashaninka, da mesma aldeia Simpatia, ficaram amedrontadas com a presença dos isolados, que são chamados também de “brabos” pelas outras etnias.

“Eles pegaram o terçado, utensílios e panelas. Só que no momento em que eles vinham amedrontando uma mulher, ela vinha aos gritos no caminho. O marido dela, que estava armado com uma espingarda, acabou disparando. O índio isolado saiu correndo para floresta. Em seguida, à noite, veio um grupo muito grande (de isolados) que ficou ao redor da aldeia, fazendo barulho, era mais de 30 homens”, disse o líder indígena.

Para Ninawá Huni Kuin, essa aproximação acontece porque os índios isolados estão sendo pressionados pela invasão do território por madeireiros e narcotraficantes.  “Os índios isolados ficam cada vez mais pressionados e descem o rio, chegando nas aldeias. Na verdade, isso é resultado da falta de políticas públicas voltadas para esta questão.  As coisas estão acontecendo difíceis desde 2007, a gente vem tentando conversar com a Funai para encontrar uma solução, e não tem muita importância para eles”, disse.

Com relação ao contato do grupo desconhecido com os ashaninka, Ninawa afirma que não deveria ter intervenção de não-indígenas. “Os índios isolados querem as coisas, mas não querem o canal com a aldeia. De alguma forma eles estão buscando o diálogo. Agora, na minha opinião, se tiver só os ashaninka com eles, seria melhor sem a intervenção, sem a pressão psicológica dos não-indígenas. Os ashaninka vivem num sistema social muito precário na visão do homem branco, mas na realidade eles são muito trabalhadores e muito organizados”, afirmou o líder Huni Kuin.

Em entrevista à agência Amazônia Real publicada no dia 2 de julho, o coordenador substituto de Índios Isolados e Recém Contatados, Leonardo Lenin, confirmou que duas bases da Funai, nos rios Envira e Xinane, foram fechadas devido a presença de narcotraficantes peruanos. Segundo ele, as bases não foram reativadas por falta de com recursos humanos e orçamentários. O orçamento previsto para 2014 de R$ 2.661.435,00 teve um corte de R$ 738 mil, restando R$ 1.863.005,00 para o trabalho com 12 Frentes de Proteção Etnoambiental na Amazônia. Lenin disse que a situação revelava “fragilidade da qualidade do trabalho” da Funai.

Segundo a Funai, o Brasil é o país com maior número de referência de povos isolados e de recente contato no mundo. São 107 registros da presença dessas tribos na Amazônia Legal.

Com relação a saúde desses desconhecidos, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, informa em seu site que em 2013 aprovou na 5ª Conferência Nacional da Saúde Indígena (5ª CNSI) uma moção que exige respeito aos povos isolados ou de recente contato, para que o espaço deles seja preservado e que, no caso de intervenções para prestação de serviços de saúde, as mesmas sejam realizadas de forma a não prejudicar essas comunidades.

Já a Funai, anunciou no ano passado que formalizou com o Ministério de Cultura do Peru um termo de cooperação para proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas isolados e recém-contatados que vivem nas regiões de fronteira entre aquele país e o Brasil. Conforme o termo, as instituições indigenistas dos dois países podem contribuir para discussões mais amplas, relacionadas com a presença efetiva dos Estados em áreas de fronteiras, o combate a ilícitos, o desenvolvimento de ações de promoção aos seus direitos, e o estabelecimento de diálogos interculturais sobre grandes projetos e investimentos econômicos que afetem suas condições e modos tradicionais de vida.

Mas o tratamento das autoridades peruanos com a defesa dos índios isolados continua sendo questionado pela própria Funai. “Do lado peruano, tem muitos informes sobre abertura de estradas, ocupação por extração de madeira e áreas de uso irregular. O que a gente tem tentado é que, uma vez que não se trata somente de índios isolados do lado brasileiro, é buscarmos aumentar a interlocução com o governo peruano para discutir essa situação”, afirmou Leonardo Lenin à reportagem.

Quem são os kaxinawá

Segundo o ISA (Instituto Sociambiental), os kaxinawá pertencem à família lingüística Pano que habita a floresta tropical no leste peruano, do pé dos Andes até a fronteira com o Brasil, no Estado do Acre e sul do Amazonas, que abarca respectivamente a área do Alto Juruá e Purus e o Vale do Javari. Na região brasileira vivem cerca de 2.500 índios da etnia.

Os grupos Pano designados como nawa formam um subgrupo desta família por terem línguas e culturas muito próximas e por terem sido vizinhos durante um longo tempo. Cada um deles se autodenomina huni kuin, homens verdadeiros, ou gente com costumes conhecidos. Um traço marcante na cultura é O Kene Kuin, desenho do rosto e do corpo com jenipapo por ocasião de festas, quando há visitas ou pelo simples prazer de se arrumar.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Gleice Oliveira Guarani-Kaiowá.

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