População feminina na prisão cresce quase duas vezes mais que a masculina

Carceragem da Polícia Federal de Foz do Iguaçu  em fevereiro de 2011. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Carceragem da Polícia Federal de Foz do Iguaçu
em fevereiro de 2011. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Número de presas avançou 246% entre 2000 e 2012; entre os homens, o crescimento foi de 130% no mesmo período

Por Ana Flávia Oliveira -iG 

O número da população carcerária feminina cresceu quase o dobro da masculina entre os anos de 2000 e 2012. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), compilados em relatório do Instituto Avanço Brasil, o número de presas passou de 10.112 no ano 2000 para 35.039 em 2012. Isso significa um avanço de 246% no período. Entre os homens, que são maioria dentro dos presídios brasileiros, o crescimento foi de 130%, passando de 222.643 para 512.964, na mesma base de comparação.

Segundo os dados, em 2012 (último ano disponível) o número de mulheres presas equivalia a 6,4% do total de encarcerados no Brasil. Doze anos antes, esse percentual era igual a 4,3%, ou seja, um aumento de 2,05 pontos percentuais no período. Pode parecer pequeno, mas esse número representa 24.997 mulheres presas a mais – inclusão de 2.083 detentas ao sistema por ano.

O motivo para esse aumento, dizem especialistas, está relacionado na maior parte das vezes ao maior envolvimento das mulheres com as drogas e o tráfico. Dados do Ministério da Justiça apontam que 39% (13.964) das detentas respondiam por tráfico de drogas em 2012. Entre os homens, as condenações por tráfico chegam a 22% (117.404) do total de encarcerados, segundo o Ministério da Justiça.

“As mulheres cada vez mais entram no mundo do comércio das drogas. Na maior parte das vezes, elas acabam se envolvendo nesse processo por causa dos filhos e dos parceiros. Há inúmeros casos em que a polícia entra na casa atrás dos parceiros e encontram lá apenas a mulher e a droga. Mães, esposas e familiares são presas, embora a droga não seja delas”, explica a vice-coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional, a advogada Petra Silvia Pfaller.

Para o secretário de Defesa Social de Minas Gerais e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luis Flávio Sapori, que também é professor de sociologia da PUC-Minas, a falta de especificidade legal em relação à lei de tóxicos faz com que muitos usuários sejam presos como traficantes, superlotando o sistema carcerário. É o juiz quem define qual artigo legal será aplicado para definir ou não a detenção.

“A lei não é específica em relação à quantidade de droga que a pessoa possui na hora da detenção para se considerar tráfico ou uso pessoal. Não há dúvida, também, de que muitas mulheres usuárias, principalmente de crack, se tornam pequenas traficantes para sustentar o vício”.

Além de ser responsável por levar a maior parte das detentas ao encarceramento, a associação ao tráfico e ao mundo das drogas é porta para outros crimes como roubos, furtos e homicídios.

O roubo é o segundo item que mais leva mulheres ao encarceramento, segundo o Ministério da Justiça. Em 2012, o artigo 157 (simples ou qualificado) mantinha 2.746 mulheres no sistema prisional (7,8% do total). No universo penitenciário masculino, esse crime era responsável por 145.321 (28,3%) prisões. A participação em homicídios foi responsável por 1.620 prisões de mulheres (4,6%).

Perfil das detentas

A população carcerária feminina pode ser definida como uma massa quase uniforme, com a maior parte sendo jovem, negra e com baixa escolaridade.

De acordo com o Ministério da Justiça, 49% das detentas têm entre 18 e 29 anos, 39% têm entre 30 e 45 anos e 12% têm mais de 46. Em relação à escolaridade, 44% declararam ter o ensino fundamental incompleto e apenas 3% chegaram a ingressar em uma universidade. As negras e pardas são maioria dentro das unidades prisionais do País e somam 61% das detentas. Mulheres brancas representam 37% do total.

Apesar de ser um direito constitucional de todos os brasileiros, as mulheres presas quase não têm acesso a saúde e tratamento médicos, principalmente acompanhamento ginecológico. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o sistema penitenciário brasileiro conta com apenas 15 especialistas nessa área para atender todas as detentas – o equivalente a um profissional para cada grupo de 2.335 mulheres.

Outra característica a qual os especialistas chamam a atenção é ao número de mães dentro dos muros das penitenciárias. Em 2012, o sistema possuía 408 crianças – 78% (318) delas com até seis meses. Em contrapartida, havia 288 leitos para gestantes e 219 leitos em berçários e creches, segundo dados do Ministério da Justiça. Os números provam, segundo Petra Silvia, da Pastoral, que o sistema prisional não está preparado para atender essas mulheres em dívida com a sociedade.

“Faltam políticas públicas específicas para mulheres. Muitas vezes os prédios são apartados dos masculinos (alas femininas) – não foram construídos para mulheres e acabam sendo transformados em presídios femininos. A maior parte dos estados não oferece ítens de higiene pessoal e nem atendimento à saúde específico, com ginecologistas e pré-natal. A lei prevê que sejam disponibilizados berçários para detentas com filhos com menos de seis meses. Muitos presídios, para atender à legislação, desativam celas e as transformam em berçário improvisado, onde mãe e bebê não têm assistência necessária”.

Petra ressalta que o problema não acaba quando a criança deixa a penitenciária, geralmente após os seis meses. “A guarda fica com os parentes das detentas, que levam os filhos para visitarem a mãe em ambientes degradantes, com uso de drogas. Por causa dessas condições, muitos juízes acabam proibindo que as crianças visitem as mães. Isso leva a uma perda dos laços com os filhos”.

Para a advogada, boa parte dos problemas de superlotação e falta de estrutura nas unidades poderiam ser resolvidos com aplicação das chamadas medidas cautelares, com aplicação de prisões domiciliares para que mães possam cuidar dos filhos em casa. Segundo a lei de 2011, o juiz pode substituir a prisão preventiva para crimes que preveem até quatro anos de detenção por prisão domiciliar quando o acusado for imprescindível para cuidados de crianças até seis anos ou de pessoa com deficiência, se for gestante de alto risco ou se estiver com mais de sete meses de gravidez. A lei também atende maiores de 80 anos. Mas não vale para reincidentes e nem para quem cometer crimes hediondos.

“O problema é que muitos juízes alegam que não podem fiscalizar essa prisão domiciliar. Uma boa solução seria o uso de tornozeleiras para o cumprimento dessas medidas”, argumenta Petra.

Para Sapori, a melhor maneira de resolver o problema dos presídios tantos masculinos, como femininos e, consequentemente, do avanço da criminalidade é um investimento maciço no setor.

“O maior problema é o dinheiro para custeio e manutenção. Os estados e o governo federal investem muito pouco no sistema. O resultado são essas unidades precárias e lotadas e o alto grau de reincidência em um sistema violento e corrupto. É um ciclo, um profecia autocumprida: quanto menos se investe, mais funciona mal, quanto mais funciona mal, mais se justifica o não investimento. A única maneira de resolver isso é investir na qualificação dos trabalhadores, da estrutura dos presídios e melhorar as condições dos presos”, finaliza.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vanessa Rodrigues.

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