Não ia ter Copa… Pode ter um país!, por Ruben Siqueira [ótimo!]

copa.pra.quem

Ruben Siqueira – Combate Racismo Ambiental

Faltou “combinar com os russos” – alemães, no caso.  Garrincha, o “anjo torto”, personificação da trágica genialidade brasileira, teria reagido assim às falações táticas do técnico Feola, na Copa de 1958. Foi lá e levou à vitória de 2 a 0 diante da União Soviética, ainda na primeira fase daquela Copa. A seleção nacional foi campeã pela primeira vez e revelou ao mundo que o Brasil, além de imenso e privilegiado pela natureza, era o “país do futebol”, da “arte da bola”, expressão máxima da miscigenação racial, futuro da humanidade e blá, blá, blá…

Nesta Copa de 2014, arquitetada no auge da “Era Lula”, tudo estava armado para este fantasioso Brasil aí reafirmar-se no século XXI, o futuro finalmente chegando aqui… “Bola da vez” do capital global, ia continuar “bombando” no mercado mundial sem fronteiras e sem limites, a máfia que é a FIFA puxando o samba… Tudo combinado com o Brasil de sempre, autocomplacente e subserviente e desigual – agora “economia emergente” governada por uma coalizão liderada pela “esquerda”… Cresceram olhos nos altos negócios com a Copa.  Fizeram a delícia de empreiteiras tantas obras, algumas essenciais, como as de mobilidade urbana, outras evitáveis como as tais arenas. Empresas e marcas se locupletaram. O turismo foi satisfeito com jogos nos quatro cantos. Governo e oposição tiraram proveito.

Mas não combinaram com o povo, que adora futebol, mas se viu preterido sem o “padrão Fifa” no atendimento a necessidades suas cotidianas bem mais importantes que uma Copa, e encheu as ruas de protestos. Depois descobriu que o espetáculo máximo do futebol mundial “em casa” não era para seu bico. Na empolgação geral, porém, arrefeceu os ânimos dos protestos duramente reprimidos, acolheu bem como sempre os estrangeiros e contentou-se em ver em tvs e telões os magros resultados de sua seleção mal preparada.

As “arenas” ficaram prontas, os aeroportos também, os negócios foram um sucesso, mas não tínhamos o principal em se tratando de futebol – um time à altura. Perdido em campo, sem comando técnico, foi goleado nas semifinais pelo que deveria ser a fria e técnica seleção alemã, que – dizem – é a mais simpática das seleções, além de jogar o melhor futebol, aquele que acreditamos por tanto tempo ser o nosso… Inversão destes inventados papéis? Coisa nenhuma! Apenas competência e dedicação alemãs contra o famigerado “jeitinho brasileiro” de sempre. Ficou evidente que a irresponsável mistura de empolgação com improvisação, sem planejamento e preparação sérios, desta vez não deu certo e virou nova tragédia, tal qual ou pior que o “maracanazo” de 1950.

Não há como o fracasso nos gramados deixar de ressuscitar as razões da rua. Quem “encheu a bola” dos protestos, além do “partido da mídia”, foram as próprias autoridades ao não cumprir promessas antigas, reiteradas de dois em dois anos nas campanhas eleitorais, ao menosprezar e reprimir as manifestações. Os protestos evidenciaram o descompasso entre os poderosos e a população, insatisfeita com o pouco que lhe sobra do crescimento econômico, face ao muito oferecido aos donos dos negócios da Copa e de modo tão submisso à toda poderosa Fifa.

A derrota inesperada e humilhante na “Copa das Copas” não pode virar um segundo “maracanazo” a consolidar o tal “complexo de vira-latas”. Ela é oportuna para os brasileiros deixarmos de ser o povinho apegado à ilusão de que compensamos as misérias cotidianas e a má política sendo o melhor no futebol, o esporte do planeta. Não somos mais! O milionário futebol globalizado está nivelado e tem na Europa sua principal praça. Craques quase não temos mais, são atletas e estrelas de marketing de qualquer produto. Precisou a nossa Copa sonhada, para exorcizar o trauma do 1950, terminar para nós em tragédia ainda maior, para descobrirmos finalmente que há muito mais além do futebol neste belo e triste país. Há gente, que não desiste, há luta organizada, há fé em um outro Brasil, mais justo, humano e solidário – isso por via daquilo. Aí, a Copa que não houve para nós do povo pode não ter sido uma derrota. Não ia ter Copa, mas vai ter país!

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.