Os turistas da Copa são os primeiros estrangeiros em SP desde 1500, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

– Você é aquele jornalista japonês, né?

– Hehe. Olha, eu acho que nasci por aqui mesmo.

– Sim, sim, mas é japa. Eu leio você de vez em quando. Não concordo, mas leio. Queria te perguntar o que você tá achando dessa invasão de estrangeiros por conta da Copa. Tá animal! Eu nunca entendi o fato de São Paulo não receber gente de fora…

– Mas São Paulo recebe gente de fora.

– Tá maluco? Quando é que você viu tanto holandês, inglês, mexicano, croata e até argentino zanzando por aí? Essa é a primeira vez.

– E os bolivianos, por exemplo?

– Só vi uma vez por aqui. Um bando deles.

– Porque você não anda pelo centro da cidade. Há centenas de milhares de bolivianos vivendo em São Paulo. Sem contar, paraguaios, haitianos, chineses… E isso considerando só a nova leva de gente: lembre-se que praticamente todos nós somos estrangeiros.

– Você que é japa. Minha família sempre morou aqui.

– Antes de Cabral inclusive?

– Desde sempre. E boliviano não vale. Não é bem estrangeiro, estrangeeeeeeiro… É diferente.

– Diferente como?

– É diferente: esse pessoal na Copa só trouxe coisas boas. Os bolivianos só vieram sugar o Brasil e roubar nossos empregos.

– Você sabe que há uma grande chance da camiseta que você está usando ter sido feita por um desses “sugadores”? E de não ter sido cara porque o sujeito ganhou pouco por costurá-la, aceitando uma merreca que um brasileiro não aceitaria…

– Lá vem esse papo comunista de novo. A vida é assim, meu caro. Quem pode, manda. Quem não pode, obedece.

– Estou adorando que as classes média e alta do mundo tenha baixado pelas ruas de São Paulo. São Paulo precisa dessa troca de experiências, de conhecer o outro. Só estou dizendo que a cidade já é repleta de estrangeiros muito pobres que vieram para cá tentar a vida. E também recebe com frequência os muito ricos, em viagens de negócios. Mas esses a gente não vê andando na rua…

– Os bolivianos não vieram se divertir, se enturmar. Se fecham nos cantos deles, estão sempre com cara feia na rua.

– Meu rapaz… O que você chama de “cara feia” pode ser um milhão de coisas que passam na cabeça de um trabalhador estrangeiro que não se sente bem recebido por aqui. Baixos, morenos, com feições indígenas não são tão bem quistos quanto loiros, brancos, de olhos azuis…

– Tá louco, cara? Tá dizendo que eu sou racista?

– Não, você parece boa pessoa. Só acho que precisa visitar lugares diferentes, conhecer outras pessoas…

– Vou descer que essa é minha estação. Fica você abraçando os bolivianos sugadores e deixa que eu abraço as holandesas.

– Antes vem cá você e me dá um abraço. Acho que você está precisando de um.

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