Fala Romeiro! Entrevista com Ruben Siqueira sobre a Romaria da Terra e das Águas

Ruben Siqueira na 36 Romaria da Terra e das Águas.
Ruben Siqueira (centro) na 36 Romaria da Terra e das Águas.

Raquel Salama, APSFVivo

A caminho de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, o coordenador geral do Projeto de Articulação Popular São Francisco Vivo, Ruben Siqueira, fala sobre a Romaria da Terra e das Águas, significados e edições que marcaram mais sua vida. Aproveitamos para bater um papo com ele sobre o desenvolvimento do projeto e sua relação com o tema da Romaria deste ano:

Articulação Popular São Francisco Vivo: Há quanto tempo você participa da Romaria da Terra e das Águas em Bom Jesus da Lapa?

Ruben Siqueira: Há 16 anos.

APSFV: Alguma edição te marcou mais?

Siqueira: Várias. Pra citar uma, a de 2006, cujo tema foi o Rio São Francisco e foi na data em que completei 50 anos de vida.

APSFV: O que significa para você a Romaria da Terra e das Águas?

Um grande encontro anual dos lutadores e lutadoras do povo que se inspiram na fé em Jesus, o Bom Jesus flagelado na gruta, pra fazer da vida uma caminhada de construção do Reino de Deus, que é amor e paz, frutos da justiça e do direito.

APSFV: “Libertar a Terra é defender a Vida”. Este é o tema desta edição da Romaria. Que significados esse tema traz?

A terra de lavrar e tirar o alimento e o planeta que nos possibilita a vida estão sob velhos e novos aprisionamentos. Ao invés da reforma agrária, cresce a concentração de terra em mãos de empresas espoliadoras. Ao invés do cuidado, cresce a exploração exaustiva dos bens naturais e o aquecimento global. Libertá-los destes males depende da luta do povo organizado e articulado em comunidades e movimentos sociais em níveis do local ao global, do poder popular a construir. É o que a romaria deste ano quer dizer.

APSFV: Qual a importância da Romaria da Terra e das Águas para as organizações e movimentos sociais populares?

A romaria possibilita trocar experiências, aprofundar a compreensão crítica da conjuntura, se inspirar nas lutas e se animar na fé e na esperança de quem não desiste de pensar, querer e fazer um mundo melhor, contando com a força de Deus.

APSFV: Um dos plenários desta Romaria será sobre a revitalização do Rio São Francisco. Você atua num projeto que promove um processo de formação e mobilização social pela revitalização do Rio São Francisco, o Projeto de Articulação Popular São Francisco Vivo. Quais são os principais problemas socioambientais da Bacia do Rio São Francisco hoje?

Os problemas são variados e vão se acumulando e piorando o quadro. Começou quando o rio foi tomado como produtor de energia elétrica, o que hoje compromete 70% de suas águas. Depois vieram os projetos de irrigação agrícola intensiva, que exaure a terra, polui as águas e maltrata os trabalhadores/as. A mineração pipoca pra todo canto da bacia. Também projetos de outras energias, como a eólica e a nuclear. Tudo isso produz muita riqueza concentrada e exportada que proporcionalmente deixa muito pouco pra região. Deixa, sim, estragos que não são combatidos à altura, como a poluição, o assoreamento, a concentração de terra e renda, a expulsão das comunidades de seus territórios tradicionais. Não há um projeto de revitalização integral, que controle, minimize, cesse e reponha os bens naturais degradados e cuide e desenvolva sustentavelmente as comunidades e pessoas.

APSFV: Quais são as principais prioridades do projeto em andamento?

Frente a estes problemas, a Articulação Popular São Francisco Vivo para este ano e o próximo tem priorizado as lutas em defesa dos territórios, o enfrentamento dos projetos degradantes, a revitalização da Bacia (saneamento básico e ambiental e recuperação de microbacias) e a consolidação da articulação.

APSFV: Os eixos do programa da APSFVivo tem muito a ver com o tema da Romaria deste ano. No médio São Francisco, como está o processo de organização das famílias e das comunidades que vêm tendo os direitos a terra e à água violados pelos grandes projetos?

A região do Médio São Francisco é das mais intensas em lutas pela terra e pelos territórios, com um histórico de grande violência contra os camponeses/as . É a região que contém a principal frente de expansão do agronegócio, nos Cerrados do Oeste baiano. E também do maior número de comunidades quilombolas, pesqueiras, geraizeiras e de assentamentos de reforma agrária. O embate entre estes dois interesses conflitantes e a resistência destas comunidades depende muito da organização e articulação de seus movimentos e entidades representativas e de apoio. Há um refluxo nesta resistência, o que tem a ver com os processos de coalizão política e conciliação social operados pelos atuais governos federal e estadual.

APSFV: Apesar das dificuldades atuais, podemos celebrar pequenas vitórias no trabalho de formação e mobilização social? Quais são?

A própria resistência popular, a persistência das Comunidades Eclesiais de Base e dos organismos sociais e pastorais que não se entregaram, é já uma grande vitória. As terras conquistadas, os territórios defendidos, os programas sociais conseguidos nas comunidades, a água garantida… são pequenas e grandes vitórias desta luta incessante.

APSFV: No que se refere ao processo de construção e controle social de políticas públicas de saneamento ambiental, como a Articulação São Francisco Vivo vem animando as comunidades?

Estamos articulando a formação do que chamamos Núcleos de Cidadania Socioambiental em alguns municípios irradiadores nas quatro regiões da Bacia do São Francisco (Alto, Médio, Submédio e Baixo). Trata-se da reunião de pessoas e entidades que se dediquem a lutar pelo saneamento, numa hora decisiva, em que os municípios do país têm até o final de 2015 para aprovar seus planos de saneamento e acessar recursos federais para este fim. Estes núcleos recebem formação sobre o assunto e se organizam para cobrar o cumprimento da lei. São instâncias de participação popular, em que as comunidades juntas fiscalizam a execução das obras do programa de revitalização que o governo federal destinou em compensação à transposição de águas para o Nordeste Setentrional.

APSFV: Alternativas de revitalização vêm sendo experimentadas através de pequenos projetos comunitários, principalmente no que se refere à revitalização das microbacias. Podemos celebrar alguma experiência comunitária de revitalização ou defesa de uma microbacia na Bacia do Rio São Francisco?

Uma experiência exitosa mais antiga, de mais de 15 anos, é a do Rio dos Cochos, em Januária –(MG) apoiada pela Cáritas. Um pequeno afluente do São Francisco que estava morto, sem água, e foi revitalizado com um conjunto de medidas simples e de alto impacto positivo, como a recomposição das matas ciliares, as barraginhas que impedem o assoreamento, a agroecologia, melhoria do criatório etc. Baseado nesta experiência outras estão sendo iniciadas nas outras regiões da Bacia. E o próprio Comitê da Bacia tem financiado projetos deste tipo, com bons resultados.

APSFV: A Carta Convocatória da 37ª Romaria relembra uma das frases célebres de Dom Helder Câmara: “Não deixe a profecia morrer”. Quem mais te inspira a participar de mais uma edição da Romaria?

As pessoas do povo, das comunidades, gente simples, de fé e de luta; os que com eles se juntam e nisto se fazem felizes; os que nesta caminhada já se foram, muitos matados porque lutavam. A romaria tem sempre estas figuras inspiradoras e exemplares, elas são o alento e o ânimo.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.