Racistas não vão para a cadeia

racismo-noronha-rosaracismo ainda é um flagelo que atinge as mais diversas culturas ao redor do mundo, mas no Brasil apresenta a sua face mais disfarçada

Raíssa Lopes, no Brasil de Fato

Recentemente, o racismo se tornou um dos assuntos mais comentados pela mídia nacional. A repercussão se deu a partir de atos preconceituosos cometidos contra jogadores de futebol em campo, como o caso da banana atirada por um torcedor para o atleta Daniel Alves, durante jogo entre os times Barcelona e Villarreal, na Espanha.

Se o caso acontecesse no Brasil e Daniel decidisse iniciar um processo criminal contra seu agressor, ele não conseguiria condená-lo pelo crime de racismo. Isso porque a Constituição classifica a situação vivenciada pelo esportista como injúria racial, que significa “ofender diretamente uma pessoa com utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem”, tipificada no artigo 140 do Código Penal. Já racismo implica exercer condutas discriminatórias dirigidas a um determinado grupo ou coletividade.

O advogado e professor da FEAD-MG Rafael Santos explica que a lei que criminaliza o racismo no Brasil possui 22 artigos. Eles comportam, por exemplo, a criminalização de ações dirigidas a uma só pessoa, como a de impedir o acesso de alguém devidamente habilitado a qualquer cargo da administração direta ou indireta, ou se negar a atender ou servir um cidadão em estabelecimentos comerciais por conta de sua etnia. “Mas qualquer questão relacionada ao assunto que não esteja em um desses 22 artigos não pode ser considerada racismo pela Justiça do país”, diz.

Preso em flagrante, mas solto sob fiança

A garçonete Veridiane Vidal foi uma dos muitos brasileiros que vivenciaram o impasse da lei. Negra, ela foi chamada “macaca” pelo ex-patrão, Lincon Vasconcelos, quando cobrava a entrega de seus documentos trabalhistas para dar entrada no seguro-desemprego. “Há um tempo ele me enrolava para passar a minha carteira de trabalho. Quando insisti, ele me mandou sair do bar e disse que lá não era lugar de ‘favelada’, de ‘macaca’”, conta.

Abalada, a jovem acionou imediatamente a Polícia Militar. “Foi a parte que mais me doeu disso tudo. Os PM’s, ao invés me ajudarem, ficavam a todo momento repetindo ‘você tem certeza que vai abrir um inquérito contra ele? Você não vai conseguir’. É daí que vem a indignação toda, pensar em como o sistema é lento e como o Ministério Público age nesses casos, com uma postura ainda mais massacrante”, lamenta. Após o ocorrido, Veridiane e o acusado comparecem à delegacia para prestar esclarecimentos, onde foi dado o flagrante por injúria racial. Lincon foi preso e liberado mediante pagamento de fiança.

Para o advogado Rafael Santos, esse também é um ponto de divergência entre as leis de racismo e injúria racial. “O crime de injúria pode prescrever, caso a vítima não manifeste o desejo de processar o agressor em seis meses, e é passível de fiança. Já racismo é imprescritível e inafiançável, o que quer dizer que o MP pode processar aquele que cometeu a injúria mesmo que a vítima não queira prestar queixa”, afirma. As penas previstas para os dois crimes são parecidas.  Ao cometer injúria racial, uma pessoa está sujeita à reclusão de 1 a 3 anos. Racismo pode variar de 1 a 3, 2 a 5 e 3 a 5.

Racismo X injúria racial

De acordo com Douglas Belchior, autor do blog Negro Belchior da revista Carta Capital, o racismo como crime inafiançável pela Constituição de 88 foi uma vitória jurídica e simbólica para o movimento negro do país, mas isso não diminui os impactos gerados na vida dos afrodescendentes. “A ideia de democracia racial venceu na mentalidade dos brasileiros. O fato de brancos e negros conviverem e de não haver espaços proibidos pra negros oficialmente contribuem para que o racismo não seja visto”, defende. Para ele, a caracterização de racismo como injúria tem relação com a ideia construída de que do Brasil não é um país racista. “Como se a pluralidade e direitos previstos em Constituição realmente valessem na vida real e as instituições não fossem preconceituosas. Mas a norma jurídica pede prova, e como a gente prova?”, questiona o militante.

É o que desabafa também Veridiane: “É humilhante ser insultada, escorraçada, e isso só significar injúria. É ridículo notar que, para o racismo acontecer efetivamente para a lei, precise acontecer um apartheid”.

Perguntado se há alguma alternativa para que injúria seja também reconhecida pela lei como racismo, o advogado Rafael Santos pondera. “Poderiam incluir mais um novo tipo penal na lei que criminaliza o racismo e enquadrar o que configura atualmente a injúria. Não é impossível”, diz. “ Mas a pergunta que fica é: será que conseguiremos acabar com o racismo jogando as pessoas na cadeia? O racista vai ser punido, mas isso quer dizer que ele irá deixar de alimentar ideias preconceituosas? É uma questão cultural, histórica, que precisa também ser trabalhada de outras formas”, declara.

Minas Gerais não possui nenhuma delegacia especializada em racismo. Existe apenas o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Intolerância (NAVCRADI), localizado em Belo Horizonte e fundado no dia 28 de novembro de 2013.

No ano passado, Minas Gerais recebeu 167 registros de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Belo Horizonte registrou 24 casos. De janeiro a abril de 2014, o estado contabilizou 66, e a capital 9 ocorrências. 

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