Por iniciativa de deputado ruralista, Câmara convoca audiência para discutir revogação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Membros do Estado são contra. Reunião foi esvaziada por amistoso da seleção…
Redação RBA
São Paulo – Representantes de Ministério Público Federal (MPF), Ministério da Defesa e Ministério das Relações Exteriores se manifestaram contrariamente a que o país se retire da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como pretendem parlamentares ligados aos interesses do agronegócio no Congresso Nacional.
Ratificado pelo Estado brasileiro em 2004, o acordo, firmado em 1991, estabelece direitos essenciais às populações indígenas e tribais de todo o mundo, como o acesso à terra. O texto reconhece que o critério para identificação das populações tradicionais é a autodeclaração, como ocorre no censo demográfico brasileiro, e determina que os Estados signatários devem proteger seus direitos. O documento determina ainda que os povos indígenas devem ser consultados sobre políticas públicas que afetem sua vida.
Dez anos após sua absorção pelo ordenamento jurídico nacional, porém, a Convenção 169 da OIT está sendo questionada por alguns setores da sociedade [sic], notadamente produtores rurais [sic], que também têm se organizado para modificar as regras para demarcação de territórios tradicionais no país. Agora, as contestações à Convenção 169 da OIT chegaram ao Legislativo.
Por iniciativa do deputado federal Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR), ex-prefeito de Pacaraima (RR) e proprietário [sic] rural que acabou tendo seus 4.500 hectares desintrusados após a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara organizou ontem (3) uma audiência pública sobre o tema. O debate foi esvaziado, uma vez que coincidiu com o amistoso da seleção brasileira contra o Panamá, mas ainda assim serviu para contrapor divergências sobre a questão.
“A Convenção 169 da OIT é um marco histórico, tendo aberto um período de duas décadas de esforço da comunidade internacional no sentido de ampliar as garantias aos povos indígenas para que possam exercer de forma plena seus direitos humanos”, defendeu Alexandre Pena Ghisleni, diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty.
O diplomata lembrou que, a partir da aprovação do documento, a comunidade internacional tomou uma série de iniciativas no sentido de ampliar os direitos das populações ancestrais, entre elas, aponta Ghisleni, a aprovação da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2007. O representante do Ministério de Relações Exteriores comentou que todas as determinações da convenção estão em consonância com a Constituição brasileira, além de outras legislações, como a Lei Federal 6.001, de 1973, conhecida como Estatuto do Índio.
“O Itamaraty entende que a Convenção 169 da OIT contempla o interesse dos Estados e dos povos indígenas, é compatível com a legislação nacional e internacional, e por isso pode ser considerada como equilibrada”, argumentou. “Além de estabelecer garantias importantes para exercício da cidadania por parte dos indígenas, contribui para fortalecer laços dos povos com as instituições brasileiras.”
O coronel Rodrigo Martins Prates, representante do Ministério da Defesa, também fez uma apreciação favorável do acordo ratificado há dez anos pelo país. O oficial lembrou que a atuação das Forças Armadas em terras indígenas está regulamentada pelo Decreto 4.412, de 2002, e que a Convenção 169 da OIT não é vista pelo comando militar como uma barreira às obrigações legais de Exército, Marinha ou Aeronáutica em qualquer parte do território nacional.
“A convenção em si não representa ameaça ao entendimento das responsabilidades das Forças Armadas”, avaliou. “Pelo contrário, está em harmonia com a política nacional de defesa. Dessa forma, entendemos que não há necessidade de denunciá-la.”
O subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia foi outra voz a defender os preceitos da Convenção 169 da OIT. E denunciou que, numa audiência pública convocada para discutir uma legislação internacional em defesa dos povos indígenas, que estabelece, entre suas principais determinações, o direito à consulta, nenhum deles tenha sido convidado para o debate.
“Se essa comissão, para ter sua decisão informada, precisa consultar várias entidades, entre elas também os beneficiários das disposições dessa convenção”, pontuou, reafirmando que as disposições estão em consonância com o “espírito” da Constituição brasileira.
“Ainda que nós nos retirássemos da Convenção 169, retiraríamos os deveres de obter consentimento nos impactos que interferem na vida desses grupos? Nossa Constituição é baseada em conceitos de democracia participativa e assegura o direito de participação das comunidades afetadas por políticas públicas.”
Ecoando uma das principais posturas da bancada ruralista no Congresso, o antropólogo da Universidade de Brasília (UnB), Edward Mantoanelli Lux, defendeu que o país denuncie e se retire da Convenção 169 da OIT. “Ao meu ver, o principal aspecto negativo é da autoidentificação, que é um critério subjetivo, manipulável, questionável e sobretudo autoritário”, sublinhou Lux, argumentando que a possibilidade de que as pessoas se autodeclarem “índios” [sic] tem [sic] provocado uma série de conflitos pela terra no país.
“Ao legitimar a autoidentificação como mecanismo válido, a convenção promove conflitos étnicos em várias regiões do país, conflitos sem soluções fáceis, que não sei se terão solução.” O antropólogo [sic] cedeu parte de sua exposição para que um agricultor do sul da Bahia testemunhasse como “organizações étnicas” supostamente o convenceram de mentir sua origem indígena [sic] para conseguir benefícios do Estado. “Talvez não haja ameaça à soberania nacional, mas à iniciativa privada tenho certeza que sim.”