CE – Missão Tremembé precisa de ajuda

Maria Amélia - CE
Maria Amélia Leite

O Povo

A maior parte da vida, 57 anos, e a melhor porção da casa, o quintal, Maria Amélia Leite, 84, doou à Associação Missão Tremembé. Desde quando se entende por missionária, existência e morada se fizeram tempo e espaço de lutas pela demarcação das terras indígenas no Ceará, pelo estabelecimento de escolas para os índios e pelo reconhecimento de uma identidade expatriada. É da cadeira de balanço, com o corpo mais frágil e a memória resistindo, que Maria Amélia conta o quanto caminhou nesta tortuosa história.

“Fizemos tudo o que deveríamos ter feito”, alcança a secretária-geral da instituição. Oficialmente, a Associação Missão Tremembé foi criada em 1995. Os desafios nasceram bem antes, em meados dos anos 80, lembra-se. Na verdade, têm raízes mais profundas, nas décadas de 1960 e 70 – das Comunidades Eclesiais de Base, da Ditadura e das utopias -, quando Maria Amélia trabalhou na Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e no Ministério do Trabalho. Ora, informando aos ferroviários sobre as leis trabalhistas, no trem pagador de Crato a Camocim; ora semeando sindicatos rurais pelo sertão.

Até que foi aposentada pelo governo do general Ernesto Geisel, “sem eu esperar nem pedir”, diz, e ganhou tempo para conhecer uma comunidade de índios Xocó, às margens do rio São Francisco, em Sergipe. Em oito anos de convivência com os Xocó, aprendeu a plantar, a colher e a compartilhar. “E a questão de se juntarem nas alegrias, nas tristezas, nas dificuldades… A razão do coletivo também passa por essa questão das memórias e da tradição”, soma.

Missão e dívidas

Foi com a bagagem do outro, de muitos, que Maria Amélia voltou ao Ceará, nos anos 80. E, em um desses acasos que fundam os encontros permanentes da vida, ela conheceu a etnia Tremembé, na região de Acaraú (255 quilômetros de Fortaleza). “Foi uma viagem sem volta”, sorri. Encantou-se tanto pelo ritual-dança do Torém quanto pela liderança das mulheres; aprendeu o respeito pelos ancestrais e pela natureza.

Lado a lado, a missionária e os Tremembé desbravaram ignorâncias e conquistaram direitos. “A gente não fazia nada sem combinar com os índios”, traça Maria Amélia. Vencendo ameaças de todos os lados, a Missão Tremembé conseguiu, por exemplo, a demarcação de terras indígenas cobiçadas por multinacionais estrangeiras e a implantação de escolas adequadas a cada uma das 14 etnias indígenas existentes no Estado. Outra conquista viva na memória de Maria Amélia é “a clareza da força da tradição e da cultura”, percebida pelos brancos e compreendida pelos índios e que assina a identidade de um povo. “Os índios sabem. Eles não precisam mais de nós”, conclui sobre o caminhar.

Nesse prestar contas com a vida e a Missão, uma angústia atravessa o fim do dia: a Associação acumulou dívidas com 11 bancos, ao tempo em que os apoios aos projetos foram rareando. Mediações da Defensoria Pública do Ceará e do Procon da Assembleia Legislativa garantiram a negociação do pagamento com seis credores, “mas tem dívida até 2017”, preocupa-se Maria Amélia. Ela não calcula, com precisão, o valor total da dívida. “Sei que é impossível pagar”, une, lembrando-se de empréstimos que ultrapassam R$ 100 mil e R$ 300 mil em um único banco.

O assunto tira o riso e o fôlego da conversa. O corpo pede descanso, anoitece. Amanhã, “sabe Deus! Eu sei que a gente tem uma história. E essa aprendizagem foi extraordinária”, Maria Amélia pede licença para descansar.

SAIBA MAIS

Um dos projetos mantidos pela Associação Missão Tremembé é o Centro de Documentação e Pesquisa Indígena, instalado em parte do quintal da casa de Maria Amélia Leite, secretária-geral da Missão Tremembé. No espaço, livros, revistas, estudos acadêmicos e material audiovisual, reunidos desde 1986, estão à disposição do público interessado na história dos índios no Ceará.

O acervo, atenta Maria Amélia, “está paralisado desde 2009, quando não tivemos mais nenhum apoio para continuarmos realizando o seu arquivamento”. O Banco do Nordeste e o Senai já contribuíram com o projeto, ela destaca. “Seria importante e, inclusive, necessário”, complementa, a revitalização da biblioteca e o interesse por novas pesquisas.

Serviço

Missão Tremembé/Centro de Documentação e Pesquisa Indígena
Onde: rua José Cândido, 53, Monte Castelo.
Contatos: [email protected]

Comments (1)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.