TRF4 já havia afirmado a constitucionalidade do decreto em dezembro de 2013. Em nova decisão o tribunal aprofundou os argumentos a favor dos direitos quilombolas
Recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reafirma a constitucionalidade do Decreto 4887/03, que trata da titulação de terras quilombolas no Brasil. A nova decisão, que aprofunda os argumentos da constitucionalidade do decreto, veio de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Cooperativa Agrária contra a decisão do TRF4 que, em dezembro de 2013, declarou, por doze votos a três, a constitucionalidade do Decreto Federal 4887/03.
Esse novo julgamento é importante para a defesa do direito à terra das comunidades quilombolas de todo o Brasil, pois derruba algumas das principais teses utilizadas pelo DEMOCRATAS para solicitar, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, a inconstitucionalidade do Decreto Federal 4887/03. O julgamento no STF teve início no ano de 2012, quando o ministro relator Cesar Peluso votou pela inconstitucionalidade. Outros dez ministros do Supremo Tribunal Federal ainda deverão votar, ou seja, a posição do STF acerca do tema ainda é incerta.
Neste contexto de tramitação da ADI, o julgamento do caso Paiol de Telha ganha uma dimensão nacional, que poderá influenciar outras decisões ligadas à titulação de terras quilombolas. A declaração de constitucionalidade do decreto é um avanço importante no processo histórico de afirmação e conquista de direito humanos dos povos tradicionais quilombolas do Brasil, além de influenciar positivamente o julgamento da ADI 3239.
Abaixo, seguem os principais pontos da decisão, destacando-se os argumentos utilizados pela Cooperativa Agrária e os fundamentos da decisão:
I) DEFESA PRÉVIA E PROCESSO DE TITULAÇÃO:
Cooperativa Agrária: Alegou que o Decreto Federal 4887/03 não possibilita o exercício do direito constitucional de defesa, pelos pretensos proprietários, no processo administrativo de titulação.
Tribunal Regional Federal 4ª Região: Decidiu que o Decreto Federal 4887/03 oportuniza, no tempo adequado, o direito de defesa a quem queira utilizar tal faculdade. Abaixo o trecho da decisão que se refere ao tema:
“A feitura de um laudo antropológico para delimitação de área a ser objeto de desapropriação é, sim, um ato unilateral, pela simples razão de que precede a identificação dos proprietários que eventualmente guardem pretensões sobre áreas abrangidas na demarcação. O que a lei exige é que a defesa se faça prévia em relação ao ato expropriatório; não, em relação à demarcação inicial. Impossibilia nemo tenetur; não se há de exigir oportunidade de defesa em um momento em que sequer se sabe quem se atribui pretensos direitos sobre as áreas abrangidas pelo trabalho técnico.
É irrecusável a preocupação do redator do Decreto ora enfocado em abrir campo à defesa imediatamente após o trabalho administrativo de delimitação. Basta ler o art. 7º, inciso IV, § 2º, e o art. 9º para espancar quaisquer dúvidas. (…)
Assim, é infundada a alegação de que o processo administrativo instaurado pelo Decreto nº 4.887/2003 não permite nenhuma participação dos proprietários dos imóveis no curso do processo. Não há ‘contestação póstuma’; sim, defesa facultada opportuno tempore.”
II) DESAPROPRIAÇÃO – QUILOMBOLAS – CABIMENTO
Cooperativa Agrária: Alegou que não existe uma modalidade de desapropriação de terras que, no direito brasileiro, possibilitasse a desapropriação para fins de titulação dos territórios quilombolas.
Tribunal Regional Federal 4ª Região: Decidiu que as hipóteses legais já existentes se aplicam aos casos de titulação dos territórios quilombolas. Abaixo o trecho da decisão que se refere ao tema:
“A desapropriação prevista no decreto em comento pode ser enquadrada como desapropriação por interesse social, na inteligência do art. 215, parágrafo 1º, da CF.”
III) PROPRIEDADE PRODUTIVA – VIABILIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO
Cooperativa Agrária: Alegou que as terras a serem desapropriadas são produtivas, e por tal situação não poderiam ser objeto de desapropriação.
Tribunal Regional Federal 4ª Região: Decidiu que o fato de a terra ser ou não produtiva não guarda qualquer relação com a desapropriação para fins de titulação dos territórios quilombolas. Abaixo o trecho da decisão que se refere ao tema:
“Concernentemente à alegação de ser a propriedade produtiva, ou de estar ela cumprindo sua função social, entendo que não se pode submeter direitos fundamentais ao jugo do poder econômico, principalmente quando albergados na Lei Maior.Não se está aqui cuidando de confisco de terras como castigo; apenas, de preservar áreas de interesse social, histórico e cultural mediante justa e prévia indenização. Laboram em equívoco os embargantes buscando socorro no art. 5º , XXIII, pois que, como é consabido, o escopo do redator constituinte quando da formulação do dispositivo foi exatamente o de limitar os poderes do proprietário em benefício do coletivo.”