Paraná revê lei que protege mananciais

info_mananciais_curitibaGoverno estuda liberar a construção de indústrias e condomínios próximo a áreas de onde se tira a água para abastecimento público

Amanda Audi, Gazeta do Povo

Os mananciais de água para abastecimento público do estado podem perder parte da sua proteção legal. Isso porque o governo do Paraná estuda liberar, por exemplo, a construção de indústrias e condomínios em áreas próximas a reservatórios e corpos d’água. Essa prática, atualmente, é proibida por lei. Um projeto de lei de autoria do Executivo estadual, enviado à Assembleia em dezembro de 2013, no entanto, permite que empreendimentos sejam erguidos no interior de áreas de preservação, apenas respeitando certas limitações na emissão de poluentes.

Nessa última semana, após pressão do Ministério Público e de entidades ligadas ao meio ambiente – que alegaram não terem sido consultadas sobre a iniciativa –, o governo decidiu suspender a tramitação do projeto e reavaliar o texto, que será apresentado de novo ao Legislativo em até três meses.

Pela proposta inicial, casas ou empresas não poderiam lançar efluentes na água apenas nos primeiros 20 quilômetros quadrados (km²) a montante (acima) do ponto onde a água é captada para tratamento e abastecimento. Além dessa distância, seria permitida a emissão de efluentes, desde que eles fossem tratados e, depois de lançados no rio, não piorassem a qualidade da água do manancial. A partir de 151 km² acima da captação, porém, já não haveria restrições. Dos 50 mananciais do estado, 19 possuem áreas mais extensas que a zona máxima de restrição proposta, ou seja, teriam regiões desprotegidas. É o caso da Represa de Alagados, que abastece Ponta Grossa, com seus 375 km².

Proibição

Atualmente, a legislação proíbe a instalação de indústrias poluentes em áreas de manancial, além de restringir o uso de agrotóxicos e substâncias potencialmente contaminantes nas proximidades da água de consumo público. Outras construções exigem autorização da Secretaria de Meio Ambiente.

A argumentação do governo é de que a legislação atual, por ser muito restritiva, acaba gerando situações graves, como ocupações irregulares. A ideia seria regulamentar as áreas de forma permissiva, mas fortalecendo a fiscalização e os órgãos de controle. Já os ambientalistas, reconhecem que a lei atual nem sempre é cumprida. Mas dizem que, se hoje com uma lei forte a fiscalização é falha, com uma lei fraca pode ser pior.

“Do ponto de vista técnico esse projeto é um desastre, que vai gerar problemas gravíssimos”, alerta o professor e pesquisador das áreas de Engenharia Ambiental e Hidrológica da UFPR Cristóvão Vicente Fernandes. Para o especialista, as mudanças poderiam ainda pressionar a Sanepar, gerando até aumento da tarifa de água. “Com a flexibilização, a empresa vai ter de tratar toda essa água com efluentes”, explica. A Sanepar informou que não se pronunciará até que um novo texto seja elaborado.

Entidades não foram consultadas

O Ministério Público estadual e as associações brasileiras de Recursos Hídricos e de Engenharia Sanitária e Ambiental estão entre as entidades que reclamaram do texto do projeto, alegando que ele comprometeria de maneira irreversível a qualidade das águas do Paraná. Elas alegam também que o processo, de interesse público, não está sendo feito às claras.

O projeto seria analisado em regime de comissão geral, manobra que permite a aprovação em poucos dias. As mudanças não foram aprovadas pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que tem função deliberativa sobre questões ligadas aos mananciais, e nem discutidas pelos comitês regionais de bacias.

Durante o mês, o MP realizou uma audiência pública no plenarinho da Assembleia para debater a questão. Ficou decidido que as entidades vão se reunir periodicamente para apresentar demandas e propor soluções ao grupo de trabalho que está analisando o projeto. Elas recomendaram que a proposta só volte a ser apresentada daqui a um ano, para dar tempo de o assunto ser devidamente discutido.

Para o procurador Saint-Clair Honorato Santos, uma das preocupações é o uso de agrotóxicos próximo dos mananciais. A lei atual proíbe o uso de defensivos agrícolas nessas áreas. No texto novo, não há essa especificação. “Vai abrir a porteira para o uso de agrotóxicos e nós não temos nenhuma garantia se os produtos químicos vão ser retirados da água com o tratamento”, diz o promotor.

Já o deputado Rasca Ro­drigues (PV), que integra a Comissão de Meio Ambiente da Alep, é preocupante a possibilidade de o solo ser impermeabilizado pela construção de edifícios e estradas, dificultando a retenção de água no subsolo.

Técnicos

O texto inicialmente apresentado aos deputados foi elaborado durante seis meses por técnicos do Instituto das Águas do Paraná (Aguasparaná), Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema) e da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), conforme explica o geólogo e diretor-presidente do Aguasparaná, Everton Souza. Segundo ele, por causa das dúvidas, críticas e sugestões de alguns parlamentares, o texto voltou para ser rediscutido pelos técnicos, que devem propor um novo projeto. “O importante é que a lei dos mananciais está sendo discutida. Não adianta fazer uma legislação que depois não será aplicada. É importante também fazer esse amadurecimento das ideias”, pondera.

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