Em Andorinha (BA), água é motivo de conflito entre a população e empresa de mineração Ferbasa

andorinhas x água
Bombas da Ferbasa recolocadas no acude este mês

Texto e Fotos: Comunicação IRPAA

A Lei 9.433/37, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelece em seu Artigo 1º que “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”. Entretanto, em Andorinha, no sertão baiano, diversas organizações vem se mobilizando para impedir que a empresa Ferbasa, que desde 1973 desenvolve atividade minerária no município, retire água do açude público que beneficia mais de 80 comunidades.

O açude foi construído pelo Dnocs (Departamento de Obras contra a Seca) em 1983 e possui uma capacidade média de 13.000.000 m³ de água, porém, de acordo com o órgão, atualmente está com cerca de 30% do volume normal. De acordo com o relato de organizações sociais do município, a água que vem sendo retirada do açude pela Ferbasa há mais de 30 anos contribuiu com a baixa da vazão, quadro que se agravou nos três últimos anos de intensa estiagem. O funcionário do Dnocs, Renato Otaviano Rodrigues, gerente administrativo do açude, reconhece que “o que contribuiu para secar foi a Ferbasa”, citando os prejuízos acarretados a setores como a pesca e criação de animais.

Através de nota explicativa da Assessoria de Comunicação, a Ferbasa ressaltou “que a construção da barragem Açude de Andorinha II levou em consideração as atividades da Mineração nesse município, pela fundamental importância para a viabilização socioeconômica da obra. Desde sua a inauguração em 1984, a Ferbasa vem fazendo uso racional de parte da água dessa barragem para fins industriais”. Ao longo dos anos a água do açude abastecia o município, mas hoje Andorinha recebe água do Rio São Francisco através de adutora, gerenciada pela Embasa – Empresa Baiana de Águas e Saneamento. O reservatório, no entanto, é de extrema importância para a dessedentação animal e pesca, atividade que garante a renda de aproximadamente 100 famílias, segundo a Associação de Pescadores do Açude Público de Andorinha.

No período de estiagem, a demanda por água aumentou e a empresa continuou a retirar água para lavar o minério. Após cinco meses de chuvas, ainda insuficiente para retomar sua vazão normal, na madrugada do último dia 08 de abril, o sistema de bombeamento da mineradora foi recolocado. A ação descumpriu, inclusive, acordo feito em reunião com as associações, conforme citaram as lideranças que estão envolvidas na busca de medidas legais contra esta ação da empresa.

A comunidade, sem apoio do poder público local e de órgãos de fiscalização ambiental, está se mobilizando para levar o caso ao Ministério Público Federal. A outorga da empresa para retirada da água do açude público de Andorinha foi concedida pela ANA (Agência Nacional de Águas) em 2011 e, segundo a empresa, tem validade até 2021. Mas, diante da realidade climática e social do município, a mineradora vem descumprindo a Lei dos Recursos Hídricos que não inclui a mineração dentre os usos prioritários em caso de escassez.

População prejudicada

No período que antecedeu as chuvas do final de 2013, houve registro de mortes de rebanhos e altos gastos com compra de água por parte de criadores de animais do município. Seu José Araújo, da comunidade de Mandi, contou que para não ver os animais morrerem de sede chegou a pagar 350 reais para um carro-pipa colocar água do Rio São Francisco em sua propriedade. “Se não fosse a Ferbasa a gente tinha água mais perto”, lamenta o sertanejo informando que uma carrada de água oriunda do açude sairia entre 80 e 100 reais.

Açude com cerca de 30% do volume normal
Açude com cerca de 30% do volume normal

A pesca realizada no açude é algo que também vem sendo fortemente impactado. Diversas espécies de peixes são mantidas no reservatório, garantindo assim a pesca e comercialização no município e arredores. Em 19 de março deste ano, uma ação de peixamento do Dnocs inseriu 44 mil alevinos de tilápia e carpa, os quais podem vir a morrer com o baixo volume do açude, “o que já é um crime ambiental”, antecipa Renato Otaviano. Além dessas espécies, iniciativas de pescadores/as já vinham mantendo peixes como corró, traíras e outras no açude.

Com a impossibilidade de pescar, o sustento das famílias das/dos pescadores/as é proveniente dos programas sociais do governo e muitos estão saindo em busca de trabalho em outras regiões. “Depois que fiquei sem trabalhar, até com depressão fiquei, porque meu trabalho não tenho mais. Agora que o Dnocs repovoou o açude eles querem dar fim no nosso recurso?”, lamenta indignada a pescadora Cleonice Maria do Nascimento. No período de atividade normal, o peixe é vendido em grosso ou na feira para compradores de Andorinha e de municípios vizinhos.


Presença da Ferbasa em Andorinha

O município de Andorinha faz parte do Complexo do Vale do Jacurici, que possui 15 minas, distribuídas também nos municípios de Queimadas, Cansanção, Monte Santo e Uauá. Instalada em uma grande área (tamanho não declarado pela empresa na entrevista) do município de Andorinha, a Ferbasa explora minério de cromo, chegando a produzir aproximadamente 360.000 toneladas por ano, de acordo com informações da Assessoria de Comunicação.

A principal contribuição para a economia local apontada pela própria empresa é a geração de empregos, sendo 1112 pessoas empregadas na Unidade de Andorinha, destas 980 próprios e 132 terceirizados. As formas de trabalho, contudo, não agradam boa parte da população que relata o alto índice de doenças sofridas por funcionários em atividade ou aposentados.

Ferro molhado e seco em forno de lenha
Ferro molhado e seco em forno de lenha

Problemas de coluna, doenças respiratórias e câncer são as mais citadas, inclusive com casos de afastamentos e até morte (sem comprovação médica) por motivo destas doenças. “É um emprego escravizado, os médicos dizem que se forem dar parecer a todos que tem problemas [devido ao trabalho] a empresa vai fechar”, diz Janolina Isabel, moradora da comunidade de Mandi. Do ponto de vista financeiro, “o que a firma paga no mês, se a pescaria tiver boa, eu faço numa semana”, compara Jailton Rodrigues da Silva, vice-presidente da Associação de Pescadores.

Questionada sobre os benefícios sociais para o município, a empresa informou que tem desenvolvido diversas ações, a exemplo do apoio direto à escola de ensino fundamental mantida pela Fundação José Carvalho – acionista controladora da Ferbasa, implantação de ensino médio em uma comunidade, Projeto Jovem Aprendiz, limpeza de aguadas, melhoria de estradas, educação ambiental para as escolas e comunidades do entorno, formação de mudas que são utilizadas na revegetação de áreas degradadas. Já com relação a continuidade do uso da água do açude, respondeu: “a Ferbasa entende que deve exercer o seu direito conferido pela outorga dentro dos seus limites estabelecidos, devido à necessidade do uso da água que é indispensável para manutenção e existência do projeto [mineração]”.

Omissão

A Associação de Pescadores reclama ainda da omissão dos órgãos ambientais, a exemplo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que, segundo Joilton, já foi acionado várias vezes e nunca deu retorno. “Na época que secaram o açude peixe ficou largado morrendo aí na lama, isso podia fazer? Se fosse um de nós pegava cadeia”, desabafou um dos pescadores. Procurados para falar sobre o assunto, tanto o Ibama, regional de Juazeiro, quanto o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), regional de Senhor do Bonfim, informou que, oficialmente, nada consta nestes órgãos a respeito deste impasse em Andorinha.

As reclamações da população apontam também que no período da estiagem diversos documentos foram enviados à Ferbasa solicitando a limpeza do açude, mas nenhum deles foi atendido.

Enfretamento

“Não é de hoje que a gente vem sofrendo as ameaças da Ferbasa”, denuncia José Albino da Silva, coordenador da Comissão Municipal da Água. Ele relata que, historicamente, as comunidades tradicionais sofrem devido às pesquisas, tanto nas áreas coletivas quanto individuais. Para as comunidades Fundo de Pasto, além do impacto na pecuária devido a seca do açude, é constante a perda de terras para a mineradora, que, em sua opinião, é uma grande latifundiária. “Nós ainda temos essa felicidade da gente ter em boa parte do nosso município uma Caatinga nativa e a gente não quer perder isso”, finalizou José Albino, conhecido como Zé da Paz.

Em defesa do açude e da preservação do modo de vida das comunidades, além da Associação de Pescadores/as, organizações como o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar, Associações de Fundo de Pasto, Comissão Municipal da Água, Comissão Pastoral da Terra, e recentemente um dos vereadores, entre outras, vem se somando nessa empreitada, buscando medidas legais, ao tempo em que fortalece a organização popular em defesa de seus territórios e dos bens naturais.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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