Nilcelio Moangathu Jiahui: Povos Tenharim e Jiahui ainda são hostilizados na região de Humaitá/AM. Entrevista a Beth Begonha

Foto: internet
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Por Beth Begonha, em Radiotube/EBC

Nilcelio Moangathu Jiahui é coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira (OPIAM) e falou ao Amazônia Brasileira sobre a situação dos povos Tenharim e Jiahui na região de Humaitá no Amazonas. Desde o ataque de vandalismo promovido  na cidade quando órgãos e outros bens públicos foram destruídos por populares sob o argumento de que os índios teriam sequestrado três pessoas, posteriormente encontradas mortas, os índios têm sido hostilizados quando vão à cidade e há ameaças frequentes de que assim que as forças de proteção que lá se encontram deixarem a cidade, sofrerão outros atos de vandalismo e violência, inclusive dentro das aldeias.

Hoje há cinco índios presos acusados da morte dos três não índios assassinados. Perguntado sobre o inquérito policial que levou à conclusão que esses cinco indivíduos são os autores do crime, Moangathu afirma que não há no inquérito nenhuma prova objetiva contra eles: “o inquérito que a polícia concluiu, segundo nosso advogado, não incrimina nenhum dos cinco. Então a gente se pergunta por que eles continuam presos”. Para ele está havendo uma perseguição aos povos indígenas da região em função de outros interesses, como por exemplo a abundância de madeira nobre, um dos focos de exploração dos imigrantes que vêm ocupando, em cada vez maior número, a região. O desmatamento fez com que as terras indígenas concentrem agora a cobiçada madeira, já que os índios mantém a floresta em pé e não aceitaram a exploração, o que diga-se de passagem seria um crime por parte deles já que o comércio de madeira em terras indígenas é proibido por lei. Para os exploradores seria bom que os índios abandonassem suas terras e deixassem o caminho livre para a retirada do patrimônio público nacional.

Na entrevista tocamos em outro tema relevante no contexto, que é o pedágio que vinha sendo cobrado pelos índios. Com o aumento da população na região e o trânsito de caminhões que transportam madeira e gado, o pedágio tornou-se mais um elemento de conflito entre os índios e os novos habitantes da região. Nilcelio relata que o pedágio está suspenso desde o fim do ano passado, e que corre na justiça uma ação que pede indenização ao governo pelos  fortes impactos causados pela construção da Transamazônica.

O coordenador relata com detalhes como foram os ataques feitos contra o patrimônio público e contra aldeias, e perguntado sobre o inquérito deste caso específico ele afirma que a Polícia Federal identificou pessoas que incitaram a população a cometer esses atos de vandalismo, mas que nenhum deles foi preso. Ele pede que a justiça tome providências em relação a essas pessoas e questiona porque a diferença de tratamento na aplicação de punição, já que há autores conhecidos  no inquérito policial, e teme que, permanecendo soltos, continuem a incentivar esse clima de animosidade, podendo inclusive promover novos ataques na cidade e nas aldeias.

Ele questiona ainda o fato de não ter havido uma investigação sobre a morte do cacique Ivan, cujo corpo foi encontrado com hematomas em várias regiões, sem escoriações, frequentes em acidentes de moto, moto essa que se encontrava em perfeito estado. O laudo médico afirma que ele sofreu traumas na região do tórax, do fígado. dos rins, e na cabeça, provável causa da morte. Apesar disso, seu capacete foi encontrado intacto, sem nenhum dano, escondido no meio da mata, junto com as botas que o cacique usava durante a viagem. Moangathu lamenta que nem a polícia civil, nem a polícia federal tenham aceitado investigar o caso, o que foi solicitado pelos índios, que tiveram seu pedido negado.

Apesar de tudo,os povos Tenharim e Jiahui estão nesse momento fazendo uma cruzada pela paz na região, junto com diversas organizações governamentais e não governamentais, buscando retomar não só a boa convivência que tiveram outrora com os habitantes da cidade, mas seu direito constitucional de ir e vir, já que hoje temem andar livremente na cidade, e deixa uma mensagem de paz. Ele reafirma que os indígenas não mataram os não índios, e pede que seja restaurada a harmonia que sempre existiu entre a população indígena e os  moradores da cidade.

Ouça a entrevista aqui:

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Beth Begonha/Amazônia Brasileira/Rádio Nacional da Amazônia/ Empresa Brasil de Comunicação/ EBC

Comments (3)

  1. Muito obrigado pelos comentários Edmundo Antônio Peggion. Tenho procurado ler a sua vasta biografia sobre estes povos. Não há nada tão rico e esclarecedor sobre estes povos.

    Tive a oportunidade de ler por completo a tua dissertação de mestrado PEGGION, Edmundo Antônio. Forma e função : uma etnografia do sistema de parentesco Tenharim (Kagwahív-AM). Campinas : Unicamp. 1996.

    Outras obras li apenas em parte. Pude perceber que os Jiahui podem ter sido tão numeros qunto os Parintin em 1926, cerca de 250 indígenas. Mas, mas que nos anos 30 restavam há registro de apenas 8 pessoas. Os tenharin (Apairandê, supunha que fosse uma população de cerca de 100 pessoas naquela época. Mas Freitas relata que nos primeiros anos do contato havia perda demográfica consideravelmente alta. Nos anos 70 não há nenhum registro da população total, antes do início da construção da estrada. E segundo li em tua obra poublicada em 1996, há, de fato, relato de que podem ter havido muitas mortes, mas é claro que não foram 10 mil tenharim como foi veiculado na imprensa, inclusive aqui neste site.

    O meu questionamento é devido à grande animosidade que tem se fomentado entre os povos dessa região, que como eu já disse não é bom pra ninguém.

    Eu sou filho de um agricultor, sem terra até os anos oitena, que chegou aqui nos anos oitenta e criou 11 filhos dentro de um sítio de 100 hectares.

    Se houve prejuízos, esse processo é irreversível e esta estrada é tão fundamentl para a sobrevivência desses agricultores como para o povo Tenharim e Jiahui.

    Não faz muito tempo, um ano, talvez indígenas e não indígenas se juntavam para reivindicar solução os problemas em comum (energia, estradas, etc.) Hoje, a situação está um caos.

    Os problemas (ocorridos no final de 2013 e início de 2014) já foram resolvidos. Agora é momento de o ressentimento. Discursos inflamados não ajudam a resolver esta situação.

  2. Sr. Ivanir,

    Por favor, quando for citar algum texto meu remeta qual é a fonte. É assim que se procede quando se trata de citação de outra pessoa. Meu nome correto é Edmundo Antonio Peggion e trabalho de longa data com os povos indígenas da região sul do Amazonas. Não sou somente um defensor, sou também um estudioso da questão indígena.
    Como você mesmo citou, os Jiahui viveram em fuga até o momento em que a Transamazônica atingiu o centro de seu território. Não foi a estrada que salvou a vida do povo Jiahui. Foi sua própria perseverança em sobreviver como povo indígena. A partir da abertura da estrada eles sofreram todos os impactos causados pela estrada. Tanto os Jiahui quanto os Tenharim sofreram estes impactos. As consequências, como se vê, estão presentes até hoje.

  3. Nilcélio,
    Não entra nessa onda de perseguição não. Isso só causa mais prejuízo. Não é verdade que a Transamazônica causou prejuízos aos povos Jiahui. Pelo contráio, ela salvou a vida desse povo.

    Olha só o que o antropóloco Edmundo Antônio Pegion, o Maior defensor da causa de vocês fala sobre essa situação.

    Os Jiahui (Diahói) foram atacados duramente nos anos 1950 pelos
    regionais e por outros grupos Kagwahiva. Eram tidos como randes
    ipaji, capazes de exterminar aldeias inteiras à distância Por conta desse pavor que os provocava, nos anos 1950, os Tenharim
    organizaram uma expedição para atacar a aldeia Jiahui e sestruir seu principal líder. Depois disso os Jiahui viveram em fuga até os ano s 1970, quando a abertura da Transamazônica atingiu o centro de seu território. Nessa época alguns Tenharim trabalhavam para a empresa que abria a estrada e acabaram levando os remanescentes Jiahui para suas aldeias.
    Como eram poucos – cerca de 5 pessoas – casaram –
    se com mulheres Tenharim e viveram junto a esse povo até recentemente, quando resolveram reivindicar suas terras tradicionais, em local contíguo aos Tenharim. Em 1999, os Jiahui somavam 17 indivíduos, mas com o processo de identificação de suas te rras muitos deles, que moravam nas cidades, resolveram voltar para viver próximos dos parentes.

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