Infiltrado, fotógrafo registrou o começo do regime militar

Único civil no Forte de Copacabana na madrugada do dia 1º de abril de 1964, o fotojornalista Evandro Teixeira fez registros exclusivos, como este, do primeiro ato da ditadura militar (Foto: Evandro Teixeira)
Único civil no Forte de Copacabana na madrugada do dia 1º de abril de 1964, o fotojornalista Evandro Teixeira fez registros exclusivos, como este, do primeiro ato da ditadura militar
(Foto: Evandro Teixeira)

Confundido com um fotógrafo do exército, Evandro Teixeira, do Jornal do Brasil, entrou no Forte de Copacabana na madrugada do dia 1º de abril e fez imagens dos primeiros momentos do golpe de 1964

Marcus Vinicius Pinto, Terra

Quando os dois principais comandantes militares que articularam o golpe de 1964 decidiram que João Goulart, o Jango, não seria mais presidente da República, o Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi para onde eles rumaram para acompanhar os desdobramentos da decisão. O marechal Humberto de Alencar Castello Branco, por exemplo, chegou ao forte na madrugada do dia 1º de abril. Com tranquilidade, entrou pelo portão principal sem encontrar resistência. Mal sabia ele que, já dentro do forte e misturado aos militares presentes, estava um civil. Era o fotógrafo do Jornal do Brasil (JB) Evandro Teixeira, hoje com 79 anos, tido como um dos mais importantes profissionais da história do jornalismo brasileiro. Em entrevista ao Terra, Evandro contou o que viu naquela madrugada, cinco décadas atrás, e as experiências pelas quais passou como fotojornalista durante o regime militar.

A tomada do forte
“Eu morava na rua Júlio de Castilhos, em Copacabana, e jogava voleibol com um grupo de amigos no posto 6. Entre eles estava o Lino, capitão do time. Pois na madrugada do dia 1º de abril, Lino apareceu na minha casa e disse: “Olha, a revolução estourou e o forte está sendo tomado – quer tentar entrar comigo?” Escondi minha Leica (câmera fotográfica) e fomos. Ele então disse: “Se entrar entrou, mas se não entrar você não me conhece, senão fica ruim para mim”. Chegando lá Lino bateu continência, eu bati também, falei qualquer coisa e entrei. Enrolei a voz. Fomos direto para a sala de comandantes. Em seguida chegou o (marechal) Castello Branco com um monte de oficiais. Continuei por lá fotografando todos, formados. O mais engraçado é que eles achavam que eu era fotógrafo do exército. Mandavam eu tirar uma foto aqui, outra ali. Todo mundo fazia pose, todos durões. Passados alguns minutos, o Leno piscou os olhos como quem diz “tá bom, te manda”. E eu me mandei. Foi assim que fui o único a registrar aquele momento. Como dizia o jornalista Marcos Sá Corrêa: “Foi a foto de um movimento paralisado, porque não aconteceu nada, mas ficou simbolizado como o dia primeiro da revolução no Brasil”.

"Achavam que eu era fotógrafo do exército", lembra Evandro Teixeira
“Achavam que eu era fotógrafo do exército”, lembra Evandro Teixeira

A véspera do golpe
Depois do comício do Jango na Central [do Brasil], no dia 13 de março, achávamos que algo mais grave estava para acontecer. Foi um momento tenso, dramático. Os militares acreditavam que o Jango era comunista, mas o Jango era um homem bom. Eu trabalhava no Palácio Laranjeiras (hoje residência oficial do goverandor do Rio de Janeiro) e ficava chateado porque ninguém respeitava o presidente. Chegavam lá os estivadores, por exemplo, e peitavam: “o Jango tem que nos receber hoje!”. E eles entravam. Mas não havia respeito. Jango era um homem simples que queria construir um Brasil melhor e por isso foi taxado de comunista.

Censura
Foram tantas (as vezes em que fui censurado) que nem me lembro quando foi a primeira vez. Nunca fotografei pensando nisso. Deixava a censura em segundo plano. No começo [da ditadura] a coisa era mais branda. Piorou em 1968, depois do AI-5 (ato institucional que suspendeu importantes garantias constitucionais). A foto do cartaz “Abaixo a Ditadura”, feita durante a Passeata dos 100 mil, por exemplo, foi proibida. Os militares moravam na redação do JB e viam tudo antes de publicar. Isso quando não te tomavam o material ainda na rua. Quando chegávamos à redação, o laboratorista fazia duas copias do material. Uma era mandada para o fotolito para ampliar e a outra era guardada. Quando o editor de fotografia escolhia a foto para a primeira pagina, ele mesmo ampliava. Nesse dia [da passeata], logo que o editor escolheu a imagem, o capitão que comandava a censura vetou e disse: “Vocês estão achando que sou burro? Rasga essa merda”. Mostramos uma seleção e eles deixaram publicar uma que mostrava bem a multidão, mas que não se permitia ler o que estava nas faixas.

Primeiro de abril
Como o dia 1º de abril é o dia da mentira, os militares preferem dizer que a data do golpe foi 31 de março para evitar piadas. Mas as fotos da tomada foram publicadas no dia 2 de abril e isso prova que tudo aconteceu mesmo no dia 1º. No fim ficou valendo a voz deles, porque vale mais sempre a força contra a verdade.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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