Governo Federal usará força militar para frear demarcação de Terra Indígena Kaingang

CIMI – O uso de força militar contra os movimentos sociais, em especial o movimento indígena já não é novidade e chega a ser quase uma prerrogativa mecânica do Governo Federal nesta atual conjuntura. Foi assim com o povo Tupinambá na Bahia e a história se repete agora contra o povo Kaingang, no Rio Grande do Sul. Com efeito similar aos discursos violentos dos deputados ruralistas, essas medidas acabam por reforçar e acirrar os ânimos de conflito e denunciam ares de uma ditadura escancarada contra movimentos étnicos e populares em pleno estado democrático de direito.

A tentativa de instalação de um posto de treinamento militar dentro da área indígena de Passo Grande da Forquilha, localizada no município de Sananduva-RS, ocorre justamente quando, sem outra opção de garantir os direitos de seu povo, os Kaingang anunciam prazo para iniciar o processo de auto-demarcação de seu território. Sem jamais usar de violência contra os pequenos agricultores, a comunidade de Forquilha tentou ainda no ano passado resolver a situação de sua terra dentro dos meios institucionais. Bem diferente do quadro que esta medida do Governo Federal pinta ao criminalizar e rotular simbolicamente os indígenas de “terroristas” quando estes se colocam em luta clara pelos seus direitos constitucionais.

Depois da falta de sucesso do Ministério da Justiça em negociar direitos com os indígenas, através de denominadas “mesas de diálogo”, os Kaingang junto com os agricultores, supostamente afetados pela demarcação da Terra Indígena, acabaram por colocar em cheque as intenções e o discurso do ministro, José Eduardo Cardozo, ao apresentarem em tom de unidade, propostas concretas e plenamente possíveis para resolver a situação em Sananduva. Nesta reunião, que ocorreu no local e contou com a presença direta da assessoria do ministro, agricultores e indígenas exigiram a imediata demarcação de Forquilha e a indenização plena dos agricultores, sem mais demora, mas a negligência do Governo Federal foi identificada na ocasião, como a principal causadora dos conflitos na região.

A notícia sobre a ocupação militar no território indígena, instrumentalizado e facilitado pela portaria 303 da AGU, tão combatida pelo movimento indígena em esfera nacional, tem se intensificado nos bastidores dos órgãos de Brasília. A denuncia parte do próprio cacique da Terra Indígena, Passo Grande da Forquilha, Leonir Franco. Segundo Leonir, a medida já foi anunciada em diversas reuniões “não oficiais”, sobretudo pelo ministro da Justiça. Nestas ocasiões foi anunciado que a medida serviria para trazer “paz” entre indígenas e colonos e garantir os processos demarcatórios.

A atribuição da garantia de continuidade dos estudos demarcatórios e do levantamento fundiário, passos negligenciados pelo governo no procedimento de Forquilha há mais de dez anos, são garantidos na verdade pela Funai sob vigilância da Polícia Federal, e não pelas forças militares. Inclusive, o próprio órgão indigenista tem o direito de requisitar a presença de segurança monitorada em áreas de conflito, não necessitando da presença constante do Exército dentro de nenhuma área indígena. O que é necessário para encerrar os conflitos é uma medida clara do Governo em relação à demarcação da Terra Indígena e da indenização plena dos agricultores. Nada mais.

O que preocupa é exatamente vincular a presença militar de forma constante dentro da área indígena sem nenhuma deliberação do Ministério da Justiça no sentido de dar continuidade ao processo demarcatório, o que denota a intenção de manter a inércia do processo ao invés de facilitar as condições de pagamento, a retirada dos agricultores e a demarcação do território Kaigang, a única medida que poderia trazer real paz para a região.

A presença de unidade militar na área indígena apenas criminaliza e ataca o direito dos indígenas de terem sua terra devidamente demarcada e mantém na insegurança o futuro e a tranquilidade dos agricultores assentados indevidamente dentro de territórios dos povos originários. Estas medidas aumentam a tensão e as possibilidades de conflito por todo o Rio Grande do Sul. É claro o objetivo por parte do Governo Federal de manter na inércia, e agora sob coerção direta das forças armadas, os processos que garantem os direitos dos povos indígenas em ter acesso pleno a seus territórios.

Tal medida vem sendo apresentada em conjunto com uma espécie de “pacote maior de políticas anti–indígenas” que tem entre seus maiores mentores, membros da bancada ruralista. São políticas deste “pacote” a PEC 215, o PL 227, a portaria 37 e a própria portaria 303 da AGU que, mesmo inconstitucional, se encontra atualmente em vigor e garante justamente a ocupação dos territórios indígenas por instituições e empresas que estejam de acordo com os “interesses nacionais”.

O Conselho indigenista Missionário da Região Sul (Cimi-Sul) e o Conselho de Missão entre Indígenas (Comin) repudiam esta atitude covarde de frear os direitos indígenas a qualquer custo e denuncia medidas que utilizem ares ditatoriais para coibir as iniciativas do movimento indígena na busca pela garantia de seus direitos condicionais. Denunciamos ainda que tal atitude gera violência e aumenta as possibilidades de conflitos. Dessa forma, reafirmamos nosso total e irrestrito apoio ao povo Kaingang de Passo Grande do rio Forquilha afirmando que a pauta será levada aos órgãos de defesa dos direitos humanos e a todas as instâncias que forem necessárias.

Cimi e Comin.

Brasília, dia 18 de março de 2014.

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