Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O Ministério da Saúde lançou recentemente o Guia Alimentar para a População Brasileira. A publicação ressalta a importância das pessoas se alimentarem segundo o padrão tradicional de alimentação da sociedade, afirmando que comer e preparar os alimentos da dieta do brasileiro, em companhia de outras pessoas, é uma forma de se valorizar a hora de comer e viver com mais saúde.
Para acessar o Guia, clique aqui.
O guia também aponta os malefícios trazidos pelos chamados produtos ultraprocessados, baseados em commodities, ricos em gordura e açúcar, cheios de aditivos sintéticos e com pouca quantidade de alimentos de verdade em sua composição.
Segundo Maria Laura Louzada, nuticionista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) que participou da elaboração do guia, informar a população sobre o que ela está comendo é fundamental, pois “há um conflito de interesse inerente na relação das empresas com os órgãos de saúde pública: elas tem sua missão legítima de obter lucro, enquanto os órgão têm o papel de proteção da saúde da população”.
Confira abaixo a entrevista de Maria Laura para a Página do MST sobre o guia e os hábitos de alimentação da sociedade brasileira:
Como foi o processo de elaboração do guia?
O Guia Alimentar foi elaborado pelo Ministério da Saúde junto com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Universidade de São Paulo e apoiado pela Organização Pan-Americana de Saúde – Brasil.
A grande inovação do processo de criação do novo Guia foi que as orientações foram elaboradas com base nos dados da pesquisa nacional sobre o consumo alimentar da população brasileira.
Ou seja, analisamos os hábitos dos brasileiros e baseamos todas as recomendações nos padrões de alimentação saudável já praticados por uma parcela substancial da população, aquela que baseia sua alimentação em alimentos e preparações culinárias.
A principal base do Guia, portanto, é aquilo que a gente já come e não aquilo que está destacado em estudos e que, muitas vezes, foram feitos em países com hábitos alimentares bem diferentes dos nossos.
O processo de revisão envolveu diferentes profissionais e a realização de duas oficinas com especialistas de diversos setores, entre eles saúde, educação e assistência social, entidades de classe e representantes da sociedade civil.
A etapa final consiste na Consulta Pública, em que qualquer cidadão pode participar. Ela está aberta no site do Ministério da Saúde até o dia 7 de maio.
Quais os segmentos principais da sociedade que o guia pretende atingir?
O principal foco do guia é atingir o cidadão, seja individualmente ou dentro dos seus ciclos de convivência, como a família, a escola e o trabalho. Além disso, ele também deve ser um instrumento para amparar os profissionais de saúde, os profissionais de educação e os comunicadores.
A publicação faz uma forte crítica ao longo dos capítulos aos produtos industrializados e aponta os malefícios que o consumo desses produtos trazem. Como as empresas tem reagido à essa crítica no guia?
O problema, naturalmente, não é o processamento e nem a indústria de alimentos. O processamento sempre aconteceu na história da humanidade e é fundamental para estocar, para embalar, e principalmente, para conservar os alimentos.
O problema é que, com o desenvolvimento industrial das últimas décadas, cresceu vertiginosamente a fabricação de produtos alimentícios prontos para consumo, baseados em commodities, ricos em gordura e açúcar, cheios de aditivos sintéticos e com pouca quantidade de alimentos de verdade em sua composição. Esses são o que chamamos de ultraprocessados.
Eles são problemáticos quando deixam de ser consumidos ocasionalmente e começam a substituir alimentos e preparações culinárias e, consequentemente, contribuem para enfraquecer nossos padrões alimentares tradicionais.
Naturalmente, reconhecemos a legitimidade dessas indústrias no sistema econômico vigente, mas acreditamos que há um conflito de interesse inerente na relação das empresas com os órgãos de saúde pública: elas tem sua missão legítima de obter lucro, enquanto os órgão têm o papel de proteção da saúde da população.
Em resposta a esse reconhecimento, é que pautamos a independência entre esses dois setores e a necessidade de uma política pública que vise frear a ascensão do consumo de produtos ultraprocessados.
A questão da publicidade dos alimentos também é um fator criticado na publicação. Como você vê a publicidade de alimentos não só Brasil, como no resto do mundo, e você acredita que deve haver normas para regular esta publicidade?
Temos boas evidências hoje de que muito do que as pessoas comem não é somente influenciado pelas suas decisões, mas pelas influencias ambientais. E aí que entra o marketing e as estratégias de penetração desses produtos em todos os ambientes em que frequentamos.
Além disso, recursos de imagem junto com o uso tecnologias que imitam odores e sabores, além de “alegações de saúde” (light, diet, premium, fortificado, etc.) podem confundir a avaliação das pessoas.
No caso específico das crianças, muitos estudos já mostraram que elas não possuem maturidade suficiente para lidar criticamente com a publicidade de alimentos. Vários países como Noruega e Suiça já possuem leis que proíbem ou limitam a publicidade de alimentos para crianças. No Brasil, apesar da redação de vários projetos de lei, ainda não temos nada concreto.
Nossa posição é de que se deve limitar a promoção comercial de alimentos não-saudáveis para as crianças e se aperfeiçoar a normatização da publicidade de alimentos por meio do monitoramento e fiscalização das normas que regulamentam a promoção comercial de alimentos.
Você acredita que o brasileiro está se preocupando mais com o que come? Se sim, por que?
Acreditamos que sim, principalmente devido ao aumento do acesso à informação. Cada vez mais vemos que a alimentação é um assunto debatido em programas de televisão, rádio e na Internet.
Nossa preocupação, no entanto, é com a confiabilidade dessa informação. Não raro as matérias sobre o assunto focam em suplementos alimentares, produtos ditos “milagrosos” e em dietas para emagrecer, além de depreciarem alimentos tradicionais sem levar em conta seu contexto cultural e histórico.
Por causa disso, queremos enfatizar a importância do Guia como uma fonte confiável de informação.
O guia aponta como solução para uma dieta saudável seguir os padrões tradicionais de alimentação da família brasileira. Por que muitos de nós perdemos de certa forma esse costume de se alimentar desta forma?
Sabemos que os produtos ultraprocessados são ultrapalatáveis, não precisam de preparação, estão onipresentes (na escola, no trabalho, no metrô, na rua e até na farmácia), além de terem um marketing agressivo que modifica normas sociais.
Juntos, esses fatores contribuem para que, cada vez mais, as pessoas não reconheçam o valor de aprender habilidades culinárias, de preparar alimentos, de compartilhar as refeições com pessoas queridas e de separar tempo para apreciá-las.
Por causa disso, destacamos que o Guia brasileiro também tem a importante função de resgatar e valorizar nossos hábitos alimentares tradicionais.
Que outro tipo de ferramentas/instrumentos podem ser utilizados para despertar a consciência da população para que ela busque formas mais saudáveis de alimentação?
O Guia é um instrumento que compila as orientações para a alimentação brasileira. A partir dele, estratégias de divulgação e de penetração do seu conteúdo nos espaços públicos como escolas, empresas e serviços de saúde podem e devem ser realizadas com o intuito de aproximá-lo do seu público-alvo.
Hoje em dia sabemos também que a divulgação do seu conteúdo em aplicativos na Internet alcança um grande número de pessoas. Estamos trabalhando nisso!
Mesmo se a população brasileira se alimentar de forma saudável, as pessoas ainda vão ingerir grande quantidade de agrotóxicos. Você acredita que o debate dos agrotóxicos deve estar presente ao se discutir alimentação saudável?
Certamente o debate dos agrotóxicos é fundamental e deve ocorrer junto com toda a discussão ligada à alimentação e saúde.
É bem documentado que eles representam um importante fator de risco para a saúde da população, especialmente para a saúde dos trabalhadores e para o ambiente.
No entanto, as medidas de vigilância e controle ainda estão bem aquém do ideal. É nosso papel exigir mais transparência sobre esse processo.
Quais as orientações principais presentes no guia que uma pessoa que vive na correria da cidade deveria tomar para se alimentar melhor?
De fato, a falta de tempo é uma queixa cada vez mais comum. O que vemos na prática é que isso, muitas vezes, está associado à falta de valorização do tempo destinado à alimentação.
O que pode estar em jogo, na verdade, é a falta de planejamento do nosso tempo e não a falta de tempo em si. Acreditamos que o resgate do valor do ato de comer e do reconhecimento da importância das refeições para a saúde é o primeiro passo para lidar com esse obstáculo.
O aprendizado de habilidades culinárias e a partilha de atividades como compras, preparo e higienização de alimentos são orientações adicionais que podem otimizar o tempo relacionado ao ato de comer.
Para as pessoas que necessitam comer fora de casa, as melhores alternativas são os lugares que servem “comida caseira”, preparada na hora, como os famosos “pratos feitos” ou os restaurantes de comida por quilo.
Esses locais são encontrados em todas as regiões do país e certamente ainda servem comida com muito mais qualidade e em um preço muito mais acessível do que as redes de comida fast food.