Grandes ‘disputam’ apoio contra seca e ampliam problemas da agricultura familiar

Agricultores alertam que falta d'água pode se agravar no inverno, época tradicionalmente sem chuvas (Arquivo RBA)
Agricultores alertam que falta d’água pode se agravar no inverno, época tradicionalmente sem chuvas (Arquivo RBA)

Prejuízo pode chegar a 30% da produção de grãos por conta da falta de chuvas e do rebaixamento do nível dos lençóis freáticos; inverno será momento de maior dificuldade, dizem entidades.

Diego Sartorato, Rede Brasil Atual

“Você liga a bomba de irrigação, ela gira 10 ou 15 minutos e já começa a puxar lodo. Perdemos quase metade da produção, mas não vamos receber seguro: o banco só paga se você perder 100% da safra. Se salvar um pouquinho, eles dizem que dá para pagar as parcelas do financiamento, que começam a cair em junho”. O relato do produtor agrícola Gabriel Miguel, de Tuiuti, município a 59 quilômetros de Campinas, no interior paulista, se repete em praticamente todas as fazendas de agricultura familiar na região, que produzem hortaliças, grãos, carne e derivados de leite destinados à merenda escolar de escolas públicas e ao prato dos paulistas. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a agricultura familiar é responsável por cerca de 70% do alimento consumido no Brasil.

Com chuvas que somam apenas 64,4 mm em fevereiro, ante uma média histórica de 202,6 mm de chuvas para o mês, São Paulo sofre com a seca de nascentes, o rebaixamento do nível da água nos lençóis freáticos e uma situação calamitosa nos reservatórios de água. Na última quinta-feira (27), os reservatórios do Sistema Cantareira registraram novo recorde negativo: contam com apenas 16,6% de sua capacidade total, e segue em tendência de queda de 0,2 ponto percentual por dia; em 142 municípios do estado, já há racionamento.

“Para nós aqui na região, essa seca não veio só em janeiro, mas desde a metade do ano passado. Eu produzo hortaliças, que são de produção contínua, e só este ano já cheguei a ficar 37 dias sem plantar. O tempo de crescimento das plantas é de 40 dias, então o prejuízo é grande”, explica Miguel. “Desde a metade do ano passado, perdi um valor igual a três meses o que eu tiro com a horta. Nos últimos dias, tivemos três chuvinhas boas, mas não é suficiente”, completa o produtor, que tem certificado de produção orgânica.

Produção de grãos pode cair até 30%

As dificuldades que Miguel sente na pele estão registradas também nas estatísticas oficiais do governo estadual. De acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola do governo estadual, até 30% da safra de grãos prevista para 2014 pode ficar prejudicada pela falta de chuvas. Na lavoura de cana-de-açúcar e no setor citricultor, a produtividade também corre riscos por conta da redução do tamanho dos frutos e da restrição ao rodízio de terras para cultivo causado por pés que não ficam maduros.

Nas culturas de café, a mortalidade das mudas plantadas a partir de novembro de 2013 chega a 20%. E o período mais crítico, segundo o estudo, ainda está por vir: no inverno, que é naturalmente seco e quando as reservas são necessárias para garantir a irrigação.

“O pior será mesmo no inverno. Nós vamos necessitar de uma reserva de água que deveria estar no subsolo e não está. Os lençóis freáticos vão continuar baixos ao longo do ano”, confirma Elvio Motta, secretário-geral da Federação da Agricultura Familiar do Estado de São Paulo (FAF/CUT).

Representantes da entidade estão em Brasília para entregar à presidenta Dilma Rousseff (PT) as principais reivindicações da agricultura familiar, que incluem medidas de preservação e democratização da água, como, por exemplo, a garantia estatal de irrigação de ao menos um hectar por pequeno produtor rural. Mas Motta aponta para um problema mais profundo. Com mais de 20 páginas, a pauta de reivindicações do movimento revela a necessidade de ainda mais investimentos no setor.

“Temos uma necessidade muito grande de contarmos com uma melhor infraestrutura no campo, até para garantir a continuidade da agricultura familiar. O êxodo de jovens do campo é muito grande, porque eles não encontram boas condições de saúde, educação e lazer no campo. Quem fica, é por amor à terra”, afirma.

Agronegócio também cobra mais apoio

As principais demandas econômicas da agricultura familiar revolvem em torno da concessão de subsídios, da necessidade de ampliar o crédito e de melhorar as condições do seguro agrícola de forma a oferecer maior proteção aos produtores rurais; a pauta é a mesma defendida pelas entidades do agronegócio, como a Faesp (Federação das Associações Rurais do Estado de São Paulo), que representa donos de terras em 557 municípios paulistas.

“A estiagem nos atingiu de uma forma muito rude. Sempre prevenimos o governo sobre os problemas que poderiam acontecer, mas houve muita mudança climática nos últimos anos e é importante que os produtores possam contar com um seguro que permita manter o abastecimento de alimentos. Não se pode mais prever um plano de safra se mecanismos assim não forem permanentes”, resume Fábio Meirelles, presidente da Faesp desde 1975 e que afirma que “a última política agrícola nacional que deu certo foi o Pró-Álcool”, promovido pela ditadura civil-militar entre o meio dos anos 1970 e o começo dos anos 1980.

Meirelles, que na semana do dia 25 de fevereiro diz ter atendido a 34 dirigentes de entidades coligadas à Faesp para falar sobre a necessidade de reforçar o financiamento e os seguros agrícolas no interior de São Paulo, acredita que pode haver inflação do preço dos alimentos a partir da metade deste ano.

“Não temos, por exemplo, um estoque de grãos que possa ser usado para regular o preço”, nota, lembrando que as exportações agrícolas paulistas também podem ser prejudicadas por estiagens como a deste ano. Em 2013, o superávit do agronegócio paulista foi de US$ 11,3 bilhões, de acordo com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado.

Embora agronegócio e agricultura familiar cobrem melhorias nos mesmos mecanismos de estímulo e seguridade oferecidos pelo governo federal, a diferença entre os subsídios dedicados a cada setor é sensível: se, para a safra 2013/2014, a agricultura familiar recebeu financiamentos na ordem de R$ 13,7 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Agricultura ofereceu R$ 91 bilhões ao agronegócio para o mesmo período.

“Para nós é muito mais difícil conquistar os mesmos direitos. Infelizmente, as mudanças que esperávamos que acontecessem na forma como a política brasileira é conduzida ainda não aconteceram plenamente. Temos um governo de coalizão e o lobby no Congresso é muito grande”, lamenta Elvio Motta.

As críticas e cobranças do agronegócio são voltadas principalmente ao governo federal, mas também no estado de São Paulo os grandes produtores começam a se incomodar com o que consideram uma subrepresentação do setor nas políticas públicas do governo.

Antecipando-se às eleições deste ano, Maurílio Biagi, sobrinho de Fábio Meirelles e liderança entre os produtores de cana-de-açúcar da região de Ribeirão Preto, vem ajudando a organizar encontro entre o ex-presidente Lula, Alexandre Padilha, pré-candidato petista ao governo do Estado, e produtores do estado. Eles cobram apoio estadual ao setor, que, dizem, enfrentará dificuldades para se manter na próxima década se as condições de trabalho continuarem como estão.

Em entrevista à RBA durante o lançamento das caravanas Horizonte Paulista, promovidas pelo PT para preparar-se para a disputa eleitoral, Biagi deixou clara sua inclinação à mudança em todos os níveis da política. “Sou a favor da alternância no poder. Em 20 anos, é claro que há desgaste para o PSDB no governo do Estado, como há para o PT frente ao governo federal”, afirmou, indicando que há possibilidade de que os empresários do setor tenham preferência por uma “chapa mista” durante a disputa eleitoral deste ano: contra o PT no governo federal e contra o PSDB em São Paulo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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