MG – Quilombolas denunciam perseguições e maus tratos

Comissão de Direitos Humanos debateu a proteção às lideranças quilombolas no Estado - Foto: Pollyanna Maliniak
Comissão de Direitos Humanos debateu a proteção às lideranças quilombolas no Estado – Foto: Pollyanna Maliniak

Embaixadores da União Europeia manifestam solidariedade a descendentes de escravos.

ALMG

Na reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (19/2/14), quilombolas e indígenas fizeram denúncias de perseguições e violações de seus direitos fundamentais a embaixadores da União Europeia. Eles também reclamaram de maus tratos e cobraram providências por parte das autoridades.

Um dos casos relatados durante a reunião foi o de Rosimeire dos Santos Silva, do Quilombo do Rio dos Macacos, no interior da Bahia. Ela disse que sua comunidade tem sido perseguida há mais de 40 anos por oficiais da Marinha. Rosimeire exemplificou que ela e o irmão foram amarrados por cordas, espancados e presos, além de terem sofrido humilhações verbais. Ela contou que um vídeo, feito pelos próprios oficiais e que atualmente está disponível na internet, mostra algumas das cenas de violência.

Ainda segundo Rosimeire, denúncias já foram feitas na Delegacia da Mulher e no Ministério Público Federal, mas nenhuma providência foi tomada. Além dela, outras pessoas da comunidade já sofreram violações de seus direitos, inclusive com casos de mulheres que, segundo ela, já teriam sido estupradas.

Rosimeire dos Santos , liderança do Quilombo Rio do Macaco/Bahia
Rosimeire dos Santos , liderança do Quilombo Rio do Macaco/Bahia (Pollyanna Maliniak)

Já o cacique xakriabá Santo Caetano Barbosa ressaltou a luta travada por sua comunidade no Norte de Minas por mais espaço para trabalhar, já que as terras são ocupadas por grandes fazendeiros e empresas. Segundo ele, as comunidades são perseguidas, as lideranças são excluídas pela sociedade e o governo não garante os direitos dos povos tradicionais.

Cacique Santo Caetano Barbosa (Pollyanna Maliniak)
Cacique Santo Caetano Barbosa (Pollyanna Maliniak)

Os embaixadores europeus ouviram os relatos e manifestaram apoio à causa dos quilombolas e indígenas. “A injustiça em qualquer lugar ameaça a justiça de todos”, afirmou a embaixadora chefe da delegação da União Europeia no Brasil, Ana Paula Zacarias, às dezenas de pessoas presentes na audiência pública.

“Isso tem uma ressonância nas nossas vidas e nos nossos países também. Vamos continuar nesta cooperação, estamos trabalhando ao lado de vocês na luta contra a discriminação. Estamos aqui em uma missão de solidariedade”, ressaltou Ana Paula Zacarias, que estava acompanhada dos embaixadores da França, Denis Pietton, e da Eslovênia, Milena Smit.

Evane Lopes Dias Silva, presidente da Associação Quilombola dos Remanescentes de Escravos e Quilombolas de São Domingos (Pollyanna Maliniak)
Evane Lopes Dias Silva, presidente da Associação Quilombola dos Remanescentes de Escravos e Quilombolas de São Domingos (Pollyanna Maliniak)

Dívida histórica – Para a presidente da Associação dos Remanescentes de Escravos e Quilombolas de São Domingos, Evane Lopes Dias, um dos objetivos de uma liderança quilombola é lutar pelo bem, pela tranquilidade e pelos direitos de seu povo, bem como pela reparação do que chamou de “dívida” histórica do País com os descendentes de escravos.

Evane tem sua história contada na obra “Dez faces da luta pelos direitos humanos no Brasil”, apresentada durante a audiência pública, que relata a vida e a atuação de dez defensores dos direitos humanos no Brasil. “Este livro testemunha que a luta existe em todas as partes do mundo”, salientou a embaixadora da Eslovênia, Milena Smit.

Para deputado, apesar dos avanços, há desafios

Na avaliação do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que solicitou a audiência, quando se fala na questão quilombola pode-se dizer que houve um avanço do ponto de vista legal, tanto no âmbito federal quanto estadual, já que a Constituição consagra o direito dos quilombolas como um direito fundamental. “Mas há um abismo entre o Brasil legal e o Brasil real, entre a Minas legal e a Minas real”, afirmou.

O parlamentar criticou a ineficiência dos órgãos públicos federais e estaduais na regularização fundiária das comunidades quilombolas. Segundo ele, são 450 comunidades quilombolas identificadas em Minas Gerais, distribuídas em 157 municípios, mas apenas uma teve a titulação de seu território reconhecida pelo Incra.

O secretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República, Gabriel dos Santos Rocha, admitiu que a situação das comunidades quilombolas é complexa e que um dos maiores violadores dos direitos humanos acaba sendo o próprio Estado. “Reconhecemos que temos comunidades que não vivem em paz, que vivem em conflito permanente”, comentou Rocha. Ele defendeu a importância de se debater essa questão, na busca pela paz e pelo respeito ao outro. “Este é o nosso trabalho”.

Sobre as ações do Ministério Público, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Conflitos Agrários, promotora Nívea Mônica Silva, disse que, para o primeiro semestre de 2014, está planejando um encontro com o objetivo de conhecer as áreas de maior conflito, para que os Ministérios Públicos Federal e Estadual possam trabalhar conjuntamente. Ela também informou que será pensada uma reunião regional, com a presença de prefeitos de todos os municípios onde há esses conflitos, para colocá-los a par das linhas de atuação do Ministério Público.

Proteção dos defensores dos direitos humanos

A coordenadora do Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e co-fundadora do Instituto DH-Belo Horizonte, Maria Emília da Silva, disse que o programa já atendeu 98 pessoas. Segundo ela, o maior grupo atendido pelo programa são os quilombolas, seguidos pelos indígenas. O Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos foi instituído por meio da Lei 21.164, de 2014, originária de projeto de autoria do governador. O programa deve observar os princípios estabelecidos na Resolução 53/144, de 1998, da Assembleia Geral da ONU.

A subsecretária de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Joanita Pimenta, salientou que o programa é o mínimo que pode ser oferecido no sentido de “restaurar” o que o Estado brasileiro fez no passado com as comunidades que, historicamente, estiveram em situação de vulnerabilidade.

Consulte o resultado da reunião.

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