Áreas que vão a leilão não estão ‘vagas e ociosas’, como diz governo Alckmin

Bruno da Silva mostra que não faltam documentos que comprovem a moradia na rua Sônia Ribeiro, 709 (Marcia Minillo/RBA)
Bruno da Silva mostra que não faltam documentos que comprovem a moradia na rua Sônia Ribeiro, 709 (Marcia Minillo/RBA)

Diferentemente do informado por secretaria, RBA constata que dezenas de famílias serão colocadas na rua sem direito a nada após a venda porque edital exime Executivo de responsabilidade pelo caso

por Rodrigo Gomes, da RBA

São Paulo – As áreas pertencentes ao Departamento de Estradas e Rodagem (DER) que o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) quer leiloar nos bairros de Brooklin e Campo Belo, zona sul de São Paulo, estão ocupadas por dezenas de famílias, o que desmente a versão oficial utilizada para justificar a operação. A situação encontrada pela RBA é muito diferente da relatada em nota emitida na última quarta-feira (29), pela Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional.

“Diferente da reportagem publicada em 27 de janeiro, sobre o leilão de áreas na região do Brooklin, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo publicou a alienação de somente 42 imóveis, e não de 60 como foi afirmado, excluindo todos aqueles onde identificamos que estavam ocupados por diversas famílias”, dizia o comunicado.

Para conferir a veracidade da informação, a RBA visitou 22 endereços listados nos editais de alienação de imóveis e encontrou 42 famílias vivendo nos locais, na última sexta-feira (31). Somente a casa no número 638 da rua Emboabas está desocupada. Os primeiros leilões, segundo o governo paulista, começam em 26 de fevereiro, em uma nova investida contra os moradores daquela região, que já haviam sofrido uma primeira tentativa de leilão no final do ano passado, suspensa por liminar.

“Nós só somos invisíveis quando interessa. A gente é lembrado para pagar conta de água e de luz, para votar na eleição. Eu nasci aqui, posso dizer que sempre estive aqui, mas aí ninguém viu, né!?”, protesta Thaís Oliveira Lopes Guimarães, 27 anos, que mora com o filho de dois anos e o pai dela, José Laércio.

Na casa ao lado de Thaís mora sua avó, Arminda Maria da Silva, 84 anos, matriarca da família e uma das primeiras moradoras do local, junto com uma outra filha, duas netas e uma bisneta, esta última com oito meses de vida.

Onde esta família vive, no 1.494 da rua Bernardino de Campos, no Campo Belo, na margem da avenida Jornalista Roberto Marinho, residem outras oito famílias, em uma das áreas que a secretaria disse não morar ninguém e que vai leiloar pela maior oferta no dia 25 de março.

No entanto, os moradores do local afirmam que boa parte das casas do quarteirão está no número 1.494. “O lote é grande. Quem deu os demais números foi a Eletropaulo, para separar as contas de energia”, diz a comerciante Lúcia Alves, de 40 anos, que mantém um pequeno bar e mercearia no local.

O número de pessoas por família residentes nas casas é considerável. No endereço de Lúcia, por exemplo, vivem 12 pessoas, entre filhos, noras e netos. “Eu moro aqui há 30 anos. Vivia onde hoje está a avenida Jornalista Roberto Marinho. Quando o Paulo Maluf fez a avenida, nós conseguimos comprar esta casa onde montei o bar”, contou. “Nunca disseram que não podíamos ficar aqui e também não nos avisaram dos leilões.”

Embora diferente da Bernardino de Campos, os lotes que vão a leilão na rua Sônia Ribeiro, mais próxima da avenida Washington Luís, também têm muitos moradores. A reportagem contou pelo menos 10 famílias vivendo em oito endereços naquela rua. E isso apesar de o número 705, que consta da lista para o leilão, não ter sido encontrado.

Em situação complicada, quatro famílias, num total de 12 pessoas, dividem o mesmo espaço no número 709. A dona de casa Elizabeth Aparecida da Silva, de 30 anos, vive no local há 17 anos. Com ela moram o marido, Bruno da Silva, 23, e as duas filhas, Maria Luíza, 3 anos, e Yasmin, de oito meses. “Nós nunca fomos procurados, nem no ano passado, nem agora. Só sabemos dos leilões pelo Diário Oficial. Não sei o que vamos fazer se precisar sair daqui”, comenta Elizabeth.

Marcela de Carvalho Zenerato, de 27 anos, vive no mesmo terreno com o mesmo dilema. Com duas filhas pequenas, de 3 anos e de 10 meses, ela e o marido não sabem para onde vão. A casa onde vivem é da sogra, que está na área desde 1992.

Durante a visita da RBA alguns moradores não foram encontrados, mas vizinhos garantiram que nenhuma delas está vazia. Carros nas garagens, jardins cuidados, paredes pintadas corroboram esta versão: são muitos são os sinais de que aqueles endereços estão regularmente habitados.

No número 670 da rua Sônia Ribeiro, Laudelina Aparecida de Lima, de 61 anos, quase 20 vivendo ali, conta que não ocupou o local por conta própria. “Fomos colocados aqui como caseiros, para cuidar da casa, por um funcionário do DER. Na época teve até um papel que o meu marido assinou”, relata.

Ela lembra que o casal investiu boa parte da pequena renda em reformas para manter a casa. “Ela estava muito bagunçada, com o piso estragado. Nós gastamos um bom dinheiro para arrumar”, conta Laudelina, que hoje mora com os dois filhos. O marido morreu no ano passado e ela não sabe onde poderia estar o documento de cessão da casa.

No edital dos leilões, o governo Alckmin joga a responsabilidade pela desocupação dos imóveis para o comprador, eximindo-se de prestar assistência às famílias. Além dos relatos de quem será atingido pelos leilões iminentes, os moradores de áreas que não estão na relação atual afirmam que também não houve mais diálogo da Secretaria de Planejamento com eles.

“Tivemos uma reunião com o secretário (Júlio Semeghini) em setembro do ano passado. Depois disso, nunca mais fomos procurados e nem respondidos”, afirma Elisete Lopes dos Santos, moradora da rua Tibiriçá. O primeiro anúncio de leilão foi em agosto do ano passado.

Elisete tem buscado as famílias para conversar com a Defensoria Pública, que já move uma ação contra o anunciado leilão anterior. Na noite de hoje (3) haverá uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, para a qual foi convidado o secretário de Planejamento, Júlio Semeghini.

Na próxima quarta-feira (5) deve ser julgado o mérito da ação movida pela Defensoria contra a realização dos leilões do ano passado. Como muitos terrenos estão nos dois pleitos, uma decisão favorável impediria também o novo leilão atual. As operações de venda chegaram a ser suspensas em decisão liminar em setembro do ano passado. Porém, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, revogou a liminar e autorizou o governo estadual a levar adiante o processo.

A dona de casa Ana Paula Pires, 36 anos, vive em uma das residências do número 967 com dois filhos adolescentes e o marido, que trabalha como motoboy. Ela resume o sentimento dos moradores sobre o leilão e a afirmação de que as casas estariam vazias. “A gente nem tem muita esperança, sabe!? Eles não se importam com a gente. Vivo aqui desde que nasci, mas parece que a gente é descartável.”

Em nota, a Secretaria de Planejamento alegou que os imóveis estão ocupados de forma irregular e que realizou divulgação dos leilões na região.

“Cada um tem uma situação, mas nenhum possui autorização ou permissão de uso para essa ocupação. Nenhum dos ocupantes participou de licitação, sorteio, concorrência ou qualquer outro instrumento democrático de seleção. Em alguns, existe até exploração comercial. Portanto, o uso de todos está irregular. A concorrência tem como objetivo regularizar a situação jurídica dos imóveis”, diz a nota.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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