“Advogados do Caso Tenharim divergem entre si sobre provas da PF”

Índio tenharim em frente a uma casa destruída durante atos na região. Foto - Gabriel Ivan (Ninja Humaitá)
Tenharim em frente a uma casa destruída durante atos na região. Foto – Gabriel Ivan (Ninja Humaitá)

Por Kátia Brasil em Amazônia Real

As informações divulgadas até o momento pela Polícia Federal ainda não foram suficientes para esclarecer as acusações contra os cinco índios da etnia tenharim presos por suposto envolvimento nas mortes de três homens, em dezembro, na terra indígena Tenharim Marmelos, na rodovia Transamazônica no sul do Amazonas.

Ao portal Amazônia Real, a Polícia Federal disse que muitas perguntas não serão respondidas por uma questão de segurança. O inquérito policial foi prorrogado por mais 30 dias por decisão do juiz Marcio André Lopes Cavalcante, da 2ª. Vara Federal do Amazonas.

Em entrevista exclusiva sobre o caso, o de maior repercussão na história recente da Amazônia, os advogados das famílias dos mortos, Carlos Evaldo Terrinha Almeida de Souza, e do povo tenharim, Ricardo Tavares Albuquerque, divergem sobre as provas apresentadas pela Polícia Federal, mas apresentam fatos desconhecidos da imprensa.

Estão presos temporariamente desde sexta-feira (30) no presídio Pandinha, em Porto Velho (RO), Gilvan e Gilson Tenharim, filhos do cacique da aldeia Campinho Ivan Tenharim, que morreu no dia 03 de dezembro, o cacique da aldeia Taboca, Domiceno Tenharim, o professor municipal Valdinar Tenharim e o agente de saúde federal Simeão Tenharim, ambos da aldeia Marmelos.

Leia abaixo a entrevista com o delegado da sucursal da OAB (Ordem de Advogados do Brasil) em Humaitá (AM), Carlos Evaldo Terrinha Almeida de Souza, 62, que é o advogado das famílias dos três mortos: o professor municipal Stef Pinheiro, 43, do comerciante, o comerciante Luciano Freire, 30, e o técnico Aldeney Salvador, 40, da empresa Eletrobrás Amazonas Energia.

desaparecidos

 Amazônia Real:Segundo a Polícia Federal, as conclusões da investigação apontam para a ocorrência de crimes de homicídio e ocultação de cadáveres praticados pelos cinco presos dentro de uma das aldeias. Quais são as provas que a Polícia Federal tem de fato contra os índios tenharim?

Carlos Terrinha: As provas da Polícia Federal são suficientes para indiciar no mínimo de dez a 25 índios tenharim, não compromissados com sua realidade e que destoam dos compromissos assumidos com a Constituição brasileira. Tanto é que a defesa dos índios tentou conseguir um habeas corpus preventivo para evitar a prisões delas e não prosperou. A Polícia Federal continua com o seu trabalho sério.

Amazônia Real: A Polícia Federal diz que foram ouvidas diversas testemunhas, entre indígenas e não-indígenas. O que dizem essas testemunhas sobre as participações dos cinco índios tenharim no suposto crime?

Carlos Terrinha: Há testemunhas protegidas pelo segredo, são índios tenharim que colaboraram. Não existe a materialidade do crime, mas as provas circunstâncias levam ao indiciamento pela autoria. A participação dos dois filhos do cacique confirmam a tese de vingança. O Ministério Público Federal vai oferecer a denúncia, não há dúvidas.   

Amazônia Real: A Polícia Federal diz que, durante as buscas dentro da terra indígena Tenharim Marmelos, foram encontradas as peças do veículo Gol preto, que pertencia o professor Stef Pinheiro, e os medicamentos do comerciante Luciano Freire. Essas são as provas materiais, já que não encontraram os corpos? 

Carlos Terrinha: As provas são irrefutáveis. Na Justiça brasileira não prospera mais a tese da prova do corpo para formalização de denúncia, vide os casos do jornalista Tim Lopes e da modelo Elisa Samudio, mortos respectivamente em 2002 e 2010, mas os corpos nunca foram encontrados.

Amazônia Real: A Polícia Federal investigou a morte do cacique? A polícia descartou a tese de assassinato levantada inclusive pelo ex-coordenador da Funai, Ivã Bocchini? 

Carlos Terrinha: A investigação confirmou que o cacique Ivan Tenharim sofreu um acidente. A aldeia silenciou porque eles obedecem as lideranças. Negaram e negam a participação nas mortes dos três rapazes, achando que iriam ficar sobre o manto da impunidade. Mas, a Polícia Federal teve um trabalho muito importante. 

Segundo as famílias dos desaparecidos, a Polícia Federal disse que eles foram mortos pelos índios após tortura. Dois teriam recebido disparos de arma de fogo. A polícia revelou esses detalhes com base em quais provas?

Carlos Terrinha: Com base em depoimentos colhidos das testemunhas, que são índios tenharim. São testemunhas que estão protegidas, das quais nem os advogados tiveram acesso aos nomes delas. Essas testemunhas contaram que os três rapazes foram retirados do carro na barreira do pedágio. Foram levados para dentro da aldeia Taboca e torturados. O Aldeney foi degolado ainda vivo. O Stef e o Luciano foram mortos a tiros. Está escrito no inquérito que houve um ritual, uma barbárie. Parte dos corpos, queimados, foram jogados no rio Marmelos, que tem muita piranha. É por isso que não tem como achar os corpos.

O que teria motivado os crimes imputados aos índios pela PF?

Carlos Terrinha: Tem no inquérito a questão levantada por um pajé de outra etnia. Ele sonhou que foi um carro preto que atropelou o cacique Ivan Tenharim. Os filhos do Ivan Tenharim participaram diretamente da cena do crime.  Consta no inquérito também uma insatisfação dos índios com o técnico da Eletrobrás, o Aldeney Salvador. Ele vinha cobrando a conta de energia aos índios, que pagavam a conta da energia. Os índios tinham alguma reserva contra esse rapaz, o Aldeney. Os índios o conheciam muito bem, chegaram a jogar bolo com ele em algumas ocasião.

Amazônia Real: Como foi a reação das famílias dos mortos sobre as prisões dos índios tenharim?

Carlos Terrinha: Nós vamos cobrar uma indenização para as famílias da União, da Funai. As famílias estão muito abaladas. Na cidade, há um clima tranquilo, nosso intuito é pacificar a situação.  Sabemos que na reserva está tudo tranquilo, não há ameaça dos índios contra ninguém. Há sim um temor porque outras prisões irão acontecer.

Leia abaixo a entrevista com o professor de Direito Civil e Ética da UEA (Universidade Federal do Amazonas, Ricardo Tavares Albuquerque, 30, que é o advogado dos povos Tenharim e Jiahui desde o ano de 2008.

Cacique Ivan Tenharim, Foto: Funai

Amazônia Real:Segundo a Polícia Federal, as conclusões da investigação apontam para a ocorrência de crimes de homicídio e ocultação de cadáveres praticado pelos cinco presos dentro de uma das aldeias. Quais são as provas que a Polícia Federal tem de fato contra os índios tenharim?

Ricardo Albuquerque: Eu ainda não tive o acesso integral ao inquérito. Os corpos ainda não foram encontrados, que seriam a prova. Isso não tem. Essa questão de provas, a Polícia Federal tem diligências a fazer ainda. As testemunhas citaram bastante nomes de índios, mas não tem nada de concreto, nada individualizado, que comprove que eles (os cinco presos) estariam lá (na cena do crime). Eles estão sendo acusados de participação nos crimes de homicídio doloso, sequestro e ocultação de cadáveres contra as três pessoas desaparecidas. Se tem prova material, não vi ainda.

Amazônia Real: A Polícia Federal diz que foram ouvidas diversas testemunhas, entre indígenas e não-indígenas. O que dizem essas testemunhas sobre as participações dos cinco índios tenharim no suposto crime?

Ricardo Albuquerque: Os depoimentos das testemunhas são muito generalizados, superficiais. Nenhuma testemunha faz acusação individual, do que fez e concreto, se foi o indígena X. Está tudo muito genérico. Antes das prisões, eu consegui uma ordem do juiz para que nenhum tenharim se auto incriminasse, optando pelo direito de ficar calado. Eles não responderem as perguntas do delegado (Alexandre Alves). Foram mais e sete horas de depoimentos na sexta-feira (31) a partir das 16h com o acompanhamento de um advogado da OAB de Rondônia. A nossa defesa continua negando o fato.

Amazônia Real: Por que o senhor adotou essa estratégia?

Ricardo Albuquerque: O acesso as provas para mim foi muito demorado. Não posso permitir que os meus clientes falem alguma coisa que possa incriminá-los. Todo investigado e todo advogado têm direito ao acesso de tudo que foi produzido como prova. Como vamos responder as perguntas se não sabemos a prova concreta de acusação? Essa estratégia é uma questão simples. Foi por isso que eles ficaram calados.

Amazônia Real: A Polícia Federal diz que, durante as buscas dentro da terra indígena Tenharim Marmelos, foram encontradas as peças do veículo Gol preto, que pertencia o professor Stef Pinheiro, e os medicamentos do comerciante Luciano Freire. Essas são as provas materiais já que não encontraram os corpos? 

Ricardo Albuquerque: As provas materiais apresentadas são as peças do veículo e os remédios, mas eu desconheço o resultado da perícia da Polícia Federal.

Amazônia Real: O advogado das famílias diz que os tenharim conheciam o técnico Aldeney Salvador?

Ricardo Albuquerque: Eles negam que conheciam essas pessoas.

Segundo as famílias dos desaparecidos, a Polícia Federal disse que eles foram mortos pelos índios após tortura. Dois teriam recebido disparos de arma de fogo. Um teria sido degolado. A polícia revelou esses detalhes com base em quais provas?

Ricardo Albuquerque: Não existe prova de corpos. As testemunhas que eu li (no inquérito) até agora, não disseram isso.

Amazônia Real: A Polícia Federal investigou a morte do cacique? A polícia descartou a tese de assassinato levantada inclusive pelo ex-coordenador da Funai, Ivã Bocchini?

Ricardo Albuquerque: A Polícia Federal investigou sim. O resultado foi acidente. A moto do cacique foi periciada e não apareceu nada relacionado a batida (atropelamento). O cacique morreu por um acidente.

O que teria motivado os crime imputados aos tenharim pela PF?

Ricardo Albuquerque: Não posso comentar essa parte devido ao sigilo da investigação.

Como foi o momento das cinco prisões?

Ricardo Albuquerque: Eu já havia falado com o povo tenharim que haveria possibilidade de prisão. Quando foi na sexta-feira (31), os homens foram chamados para uma reunião sobre a cobrança do pedágio com a Polícia Federal numa aldeia da etnia jiahui, fora da reserva Tenharim-Marmelos. Como qualquer polícia, a Polícia Federal não é obrigada a informar as diligências que estão acontecendo ao advogado. Eles (policiais) inventaram que havia um caminhão quebrado. Então pediram para os índios se deslocaram para essa aldeia Jiahui, onde não tinha crianças e mulheres. Nessa aldeia eles falaram das cinco prisões. Eu expliquei que era uma decisão judicial que tinha que ser cumprida. Os índios não foram algemados e tiveram uma reação bem pacífica. Da minha parte, acho isso garantiu menos trauma nas aldeias, menos tumulto.

A Polícia Federal enganou os índios para prendê-los?

Ricardo Albuquerque: Eles foram enganados sim, mas a Polícia Federal não é obrigada a dizer que vai prender ninguém. Na decisão judicial, o juiz Marcio André Lopes foi muito enfático em determinou que a Polícia Federal minimizasse os danos durante a operação da prisão dos tenharim. Houve apoio da Funai em relação a cultura e modo de vida dos índios para respeitar e garantir os direitos deles. É claro que nenhum advogado quer o seu cliente preso. Mas nesse ponto não tenho nada a reclamar da Polícia Federal.

Amazônia Real: O senhor vai ingressar com um pedido de liberdade (habeas corpus) e a transferência dos índios do Presídio Pandinha, de Porto Velho, para outra cadeia em Manaus?

Ricardo Albuquerque: Ingressarei com o pedido nesta segunda-feira (03). Esse presídio Pandinha (onde estão detidos os cinco índios) é um absurdo, um lixão de pessoas, uma grande violação dos direitos humanos. É uma cadeia suja, um nojo, toda degradada, desumana. Eles estão na mesma cela e isolados de todos os outros presos. Nossa primeira providência é transferi-los para Manaus. A segunda medida é ingressar com o habeas corpus. Acredito que cabe a soltura quanto a inocência deles. Essa prisão temporária se formou em testemunhas que não acusam diretamente aos índios que estão presos. Então, não é permitido uma prisão temporária com indícios muito fracos.

Amazônia Real: Serão presos mais índios tenharim?

Ricardo Albuquerque: A Polícia Federal está fazendo o trabalho dela. Já avisei aos índios que outras pessoas estão sendo investigadas, mas não sabemos de nada concreto sobre novas prisões.

Amazônia Real: E como está a reação das famílias dos índios presos?

Ricardo Tavares: Eles estão chocados, estão tristes e muitos choram. Mas dentro da terra indígena está tudo calmo. Nenhuma liderança saiu da reserva para fazer protestos na rodovia Transamazônica ou ameaçar motoristas. A Polícia Federal, com apoio da força tarefa, está escoltando os motoristas que atravessam a reserva. Não houve registro de protesto ou ameaça a qualquer pessoa por parte dos índios tenharim. Eles estão muito preocupados com os parentes presos. Na cultura tenharim o sofrimento de um é um sofrimento de todos.

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