No tabuleiro da baiana tem?

Edilson Lima| Ag. A TARDE
Edilson Lima| Ag. A TARDE

Marcos Rezende*

Vatapá, caruru, Abará, acarajé, pimenta, passarinha, bolinho de estudante, a força de Yansã, e agora também tem novos ingredientes, caneta de juiz, o bolinho de Jesus, o absurdo da Fifa e o atropelo católico na Lavagem do Bomfim. Realmente ao pensar em compilar este texto não imaginava que ele viraria um tabuleiro de ideias, ou pela complexidade, de xadrez.

Não precisa se escrever muito quando o tema são as baianas de acarajé. Basta sentir a cara da Bahia. O aroma do azeite subindo por cada esquina, invadindo a casa, a alma, e preenchendo a vida com os sabores de Yansã. Então basta chegar perto do tabuleiro e ficar na dúvida, acarajé? Abará? Bolinho de estudante também conhecido como punheta? Passarinha? Depois da primeira escolha novas dúvidas, com acompanhamento ou sem? Uma coisa é certa, se for acarajé, a pimentinha é de lei. Isto é a cara da Bahia, essas mulheres já foram tema de muitas campanhas da Secretaria de Turismo, todas sempre com um sorriso largo, negro e esbanjando a simpatia natural de baiana de acarajé.

Entretanto apesar de tanta representatividade e importância me parece que tem uma perseguição desmedida e ilimitada para com estas mulheres que deram régua e compasso para muita gente. Mulheres que, em sua maioria, não alisaram o tão famoso banco da ciência, mas tem o seu ofício tombado como patrimônio nacional por representarem os saberes tradicionais e histórias orais de receitas e “causos” passados de mãe para filha e que hoje, depois de tanto trabalho, fé e axé, por um lado, tem o prazer de verem filhas e filhos na faculdade com alegria e por outro sentem na pele, na indumentária e nos tabuleiros, a perseguição a história, cultura e tradição mantida por séculos.

Do lado de cá, penso em como países defendem as suas iguarias típicas inclusive por controle por região a exemplo de vinhos de tudo de quanto é lugar do mundo, os italianos e as suas massas e até mesmo os hambúrgueres por aí afora. Mas aqui não, aqui tudo é ruína. Burrocratas (e eu não escrevi errado), “doutores da lei” e religiosos de outras denominações, resolveram, nos últimos anos, perseguir sistematicamente as baianas de acarajé. Os motivos podem ser vários, menos os que tentam justificar, sem conseguir explicar ou convencer.

De bolinho de Jesus à azeite que polui a praia, tivemos de tudo no meio das explicações injustificáveis.

Um juiz inclusive, determinou a retirada das baianas das areia da praia para não poluir, sinceramente não convence, por mais que explique! O mesmo digo da FIFA e dos membros da Arena Fonte Nova, que fizeram um cabo de guerra tão sem justificativa que mais lembrou as perseguições às bruxas da Idade Média em um falso debate sobre óleo e risco, como se não soubéssemos que o que estava rolando no meio de campo, não era a bola e sim o capital.

Agora tem a última novidade da Lavagem do Bomfim, se de um lado a Igreja e Deus, que nos apresenta o humilde franciscano Papa Francisco, do outro o representante dele aqui na terrinha de São Salvador, resolveu abandonar as sandálias da humildade e seguir na frente de todo mundo, literalmente atropelando as baianas e todo o cortejo.

Estes elementos acima pontuados devem nos trazer uma ou algumas reflexões. Devem servir para reacender um debate sobre a cultura que queremos e como a queremos, ou quem pode conduzi-la e quem deve consumi-la. As “patisseries” não tem problemas com a venda do acarajé, o empresário do aeroporto também não, a empresa que produz a boneca Barbie vestida de baiana também não, e os evangélicos que descaracterizam a nossa tradição, muito menos.

Enfim, o debate das baianas não é coisa de terrinha tupiniquim de fim de mundo é questão séria de mundo globalizado, as baianas que tem feito protestos com colher de pau na mão, tem lutado contra imensas corporações. Sabe-se lá o que representa brigar contra igrejas evangélicas, a Fifa, católicos e o Judiciário, estando eles juntos e de galera? Se você nem tem ideia, eu imagino sim.

É ser baiana de Acarajé.

É ser mulher negra, de trajetória e ofício ancestral, mão na cadeira, jiká, colher de pau a bater a massa, sorriso largo, com um tabuleiro de cheiros e sabores que inebriam. É amor que preenche o mundo e um vazio que ocupa a alma.

* Marcos Rezende é Coordenador Nacional do Coletivo de Entidades Negras.

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