Anistia Internacional chama de “discriminação” e “racismo envergonhado” ação de PM e shoppings contra ‘rolezinhos’

Informe exibido à entrada do JK Shopping comunica decisão da Justiça que barra evento "Rolezaum no Shoppim" (Foto: Taba Benedicto / Futura Press)
Informe exibido à entrada do JK Shopping comunica decisão da Justiça que barra evento “Rolezaum no Shoppim” (Foto: Taba Benedicto / Futura Press)

Por Rodrigo Rodrigues – Geledés

São Paulo viveu mais um fim de semana de conflitos em virtude dos chamados “rolezinhos”, um encontro surpresa de jovens da periferia que geralmente acontecem em estacionamentos de shoppings, no intuito de promover um rápido show de funk, tomar cerveja e se divertir.

No shopping Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, homens do Batalhão de Choque usaram bombas de gás e balas de borracha para coibir o encontro no sábado (11), levando pânico para compradores, lojistas e os jovens que tentavam se divertir.

De acordo com relatos publicados na imprensa nesta segunda (13), sem indícios de que se tratavam de criminosos, a PM revistava e coibia a entrada de alguns jovens nesse shopping, com ameaças do tipo “Vou te arrebentar se te ver por aqui de novo”.

Enquanto a barbárie acontecia em Itaquera, do outro lado da cidade, na Vila Olímpia, Zona Sul, o shopping JK Iguatemi ingressou com uma liminar na Justiça justamente para impedir a realização de outro evento chamado “Rolezaum no Shoppim”, que aconteceria no mesmo sábado. O evento se tratava de uma piada criada por um professor indignado com a “fobia” dos shoppings contra os jovens da periferia.

Sem entender a gozação, o shopping foi à Justiça e conseguiu uma liminar que punia em R$10 mil por dia quem resolvesse aparecer por lá. Policiais e seguranças armados na porta do shopping revistavam qualquer jovem que parecesse não se enquadrar no perfil dos freqüentadores, exigindo identificação para poder entrar, seja para comprar ou trabalhar.

O diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque, vê a reação da PM de São Paulo e dos shoppings claramente como uma “atitude discriminatória e ilegal, de acordo com a legislação brasileira”.

Para Átila, a atitude da PM e do shopping JK Iguatemi mostra um “racismo envergonhado é que incomoda de forma tão desproporcional os donos e frequentadores desses shoppings”.

Ele se diz absolutamente chocado com o grau de violência da PM na ação do shopping Itaquera e afirma mais uma vez estar preocupado com a escalada de violência das forças públicas contra os jovens. “Estamos de novo mostrando a natureza extremamente discriminatória que persiste na sociedade brasileira”, declara.

A Anistia Internacional é uma das principais entidades de defesa dos Direitos Humanos no mundo. No Brasil tem sede no Rio de Janeiro. Confira a entrevista completa de Átila Roque, principal representante da entidade no País.

Além de ingressarem na Justiça, os shoppings estão convocando a PM e a Tropa de Choque para impedir a realização desses chamados “rolezinhos”. É a postura correta?

A forma como a classe média alta e a Polícia Militar tem reagido aos “rolezinhos” é claramente excessiva. Coloca em discussão a questão da segregação do espaço. Esses “rolezinhos” podem ser vistos por vários ângulos, mas o principal deles é uma espécie de bem humorado ato político contra a privação de direitos. Ele assusta aqueles que já se acostumaram de certa maneira com a geografia segregada das cidades brasileiras, onde cada um tem o seu lugar e onde cada um deve saber qual é o seu lugar. O que esses jovens estão fazendo é colocar esse “seu lugar” em discussão.

A Polícia usou balas de borracha e gás de pimenta contra um grupo de jovens nesse fim de semana. A justificativa era a de tentar coibir saques e roubos antes que eles acontecessem. O que lhe parecesse essa atitude?

O que em geral se aceita é que para o negro jovem e pobre possa frequentar um shopping de luxo, ele tem que estar ou com o uniforme de segurança ou de babá. Se ele não está vestido assim, está fora do “seu lugar”. Não foi constatado nenhum ato de violência ou vandalismo por parte da maioria desses jovens. O que se tem até agora são jovens rindo, brincando, às vezes falando alto, coisa que é próprio dos jovens de qualquer classe social. É natural que eles sejam acompanhados por seguranças para evitar que haja qualquer bagunça. Agora, daí a querer cercear de forma agressiva, bloqueando a passagem com ajuda da polícia e a presença ostensiva do Choque, é uma forma clara de discriminação. Basta ver na internet vídeos que pipocam mostrando jovens brancos fazendo exatamente a mesma coisa, mas sem intervenção da PM. Se é branco e de classe média eles chamam de “flashmob”. Quando é negro e pobre vira ameaça de arrastão, como bem disseram alguns internautas hoje.

O governador de SP e as entidades públicas como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se calaram até agora sobre esses fatos. Isso legitima essa discriminação mencionada por você?

A sociedade precisa aproveitar esse momento para discutir as características extremamente segregadas das cidades brasileiras. O racismo envergonhado é que incomoda de forma tão desproporcional os donos e frequentadores desses shoppings. Simplesmente pela presença física do outro que não é igual ou não segue o ideal de normalidade que se convencionou para aquele local. Pra essa turma aquele é um local apenas reservado para um tipo de pessoa e classe social. Eu vejo expressão política e bem humorada desses jovens a favor da afirmação de direitos. Com uma certa provocação até, claro. Mas uma provocação muito criativa.

Usar bala de borracha e gás de pimenta para proteger um shopping é uma atitude correta da Polícia Militar?

Não. Claramente excessiva. Mas infelizmente dentro da tradição das ações das forças de segurança no Brasil, que agem apenas para preservar a propriedade. Os shoppings, ainda que se tratem de espaços privados, são áreas de circulação pública. As pessoas entram no shopping para olhar, encontrar amigos, exercitar o olhar de desejo por algo que elas não podem ter e até comprar. É um espaço privado de circulação social. Quando se chama as forças de segurança para exercer uma restrição contra um certo perfil de pessoas – no caso o jovem, negro e pobre – isso é claramente uma atitude discriminatória e ilegal, de acordo com a legislação brasileira.

A polícia atuar sem nenhuma provocação, simplesmente para impedir o acesso, com base num preconceito ou numa pré concepção de que eles estariam ali para roubar ou saquear, é absolutamente inadequado. Eu li com grande espanto esse uso da força pela PM, com gás de borracha e pimenta contra esses jovens. Estamos de novo mostrando a natureza extremamente discriminatória que persiste na sociedade brasileira.

Os atos de violência da PM de São Paulo foram o estopim para as manifestações públicas de junho do ano passado. A ação deles nesses “rolezinhos” é sinal de que não aprendemos nada com aqueles atos?

Acho que precisamos ainda aprender com o que vivemos em junho passado e tirar algumas lições. Lições de que hoje existe na sociedade brasileira um anseio legítimo por inclusão. É um anseio por políticas públicas e de acesso antes reservados a muito poucos. O Judiciário, o Estado e a Polícia precisam rapidamente se atualizarem para reconhecerem essas demandas como absolutamente legítimas. Aquele foi um momento que a sociedade veio demonstrar com bastante veemência que alguma coisa está fora do lugar. E que não é mais aceitável esse tipo de postura.

Como aconteceu em junho passado, essa postura violenta na PM pode causar nova comoção na sociedade e levar as pessoas às ruas novamente?

Uma parte das manifestações diz respeito justamente a essa demanda por acesso, seja à Cultura, Territórios ou Espaços que se pretende reservar apenas para alguns. O “rolezinho” é apenas uma dessas demandas por acesso. É bom que a Polícia e o Estado compreendam isso, para não transformarem isso num fator de conflito e violência novamente.

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