Uma esperada e merecida vitória! Justiça Federal do DF reconhece os direitos da comunidade pioneira Tapuya-Fulni-Ô: ‘Santuário do Pajés é terra de ocupação tradicional indígena’

Uma bela vitória, afinal: os Fulni-Ô Tapuya conquistam o reconhecimento do Santuário do Pajé. Foto: Llenia Vidal
Uma bela vitória, afinal: os Fulni-Ô Tapuya conquistam o reconhecimento do Santuário do Pajé. Foto: Llenia Vidal

Pela A.C.P.I* ,  em 06/01/2014

Este início de ano Brasília ficou mais rica social e culturalmente, pois a Justiça Federal do Distrito Federal emitiu uma decisão histórica (publicada no último dia 16 de dezembro de 2013) por meio de sentença judicial conferindo novos rumos para a questão indígena no Distrito Federal, principalmente no que toca à efetivação de direitos, visibilidade e combate ao preconceito.

Esse dia ficará marcado na história e na memória da cidade Capital do Brasil, quando finalmente foram reconhecidos os direitos territoriais da comunidade Tapuya-Fulni-Ô do Santuário dos Pajés sobre parte da área ocupada da antiga Fazenda Bananal, situada no setor noroeste de Brasília. Com base em diversos laudos e pareceres técnicos da FUNAI, inspeções judiciais e demais provas, o Juiz Federal da 2ª Vara, Dr. Paulo Ricardo de Souza Cruz reconheceu que a ocupação indígena dos Fulni-Ô Tapuya do Santuário dos Pajés nas imediações do Plano Piloto de Brasília se trata de terra tradicionalmente ocupada nos moldes do Artigo 231 da Constituição Federal.

A sentença judicial prolatada pelo Juiz Federal Paulo Ricardo em função da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (6ª Câmara da Procuradoria Geral da República e Procuradoria da República no Distrito Federal) no ano de 2009 que solicitava a proteção da ocupação indígena dos Fulni-Ô Tapuya do Santuário dos Pajés através da identificação e demarcação da terra indígena e do reconhecimento da tradicionalidade do modo de ocupação levado a cabo pelos indígenas Fulni-Ô desde o período que remonta a construção de Brasília e anterior a Constituição de 1988.

A Terra Indígena Tapuya, conhecida como Santuário dos Pajés, é ocupada pelos indígenas da etnia Fulni-Ô desde o final dos anos 50, quando vieram para Brasília como candangos para trabalhar nas obras da futura capital. Vivendo situação de violência e esbulho de terras no sertão de Pernambuco, rumaram para Brasília acreditando no discurso salvacionista do presidente Juscelino Kubitschek e construíram aqui não apenas paredes de concreto, mas reproduziram seu modo de vida tradicional dando continuidade a presença indígena no Planalto Central do Brasil. Diante de todas as utopias que foram sendo solapadas nas décadas que se seguiram, a silenciosa utopia indígena em Brasília se apresentou como a força mais poderosa, que irrompeu nos cantos guerreiros dos índios Tapuyas e nas rezas de seus pajés, como a última comunidade tradicional indígena, pioneira e candanga que ainda vive e resiste nas savanas do Distrito Federal.

Em 2009, o técnico da FUNAI Frederico Magalhães escreveu uma tese defendida no programa de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), onde além de traçar um histórico da ocupação da comunidade indígena, apresenta a Terra Indígena Santuário dos Pajés como um caso singular de territorialização indígena e de apropriação cultural, social e ambiental do território a partir dos usos espirituais e religiosos dos Tapuya-Fulni-Ô, a manifestação do sagrado indígena nas matas de Cerrado da Asa Norte conforme os usos, costumes e tradições do povo Fulni-Ô (atualmente a terra indígena é limítrofe ao empreendimento imobiliário Setor Noroeste em instalação).

O indigenista da FUNAI, Frederico Magalhães, conhece o território e a comunidade indígena do Santuário Tapuya há bastante tempo e, em entrevista a pedido da comunidade Fulni-Ô do Santuário, fez algumas considerações sobre a sentença da Justiça Federal do DF e a importância histórica desse reconhecimento não apenas para a comunidade indígena Fulni-Ô Tapuya, mas também para toda a sociedade brasileira e brasiliense em particular, sobretudo porque o reconhecimento da Terra Indígena Santuário dos Pajés é a prova de que é possível conviver com as diferenças culturais, com modos de viver e pensar culturalmente diferenciados, respeitando as tradições e costumes indígenas, além de receber um pulmão espiritual verde de Cerrado cultivado e preservado pela cultura tradicional dos indígenas Fulni-Ô-Tapuya. Ganham todos os brasilienses e brasileiros, e as futuras gerações, com o fortalecimento da cidadania indígena e da tolerância étnica, religiosa e cultural, numa convivência plural, democrática e multicultural entre a diversidade socioambiental e étnica que marca Brasília como a capital multiétnica de todos os brasileiros e brasileiras.

A luta e resistência dos indígenas Fulni-Ô-Tapuya do Santuário dos Pajés que saíram das matas do Cerrado e ganhou o apoio da cidade, da juventude e dos movimentos sociais do Distrito Federal para buscar o reconhecimento de seus direitos, de sua forma de vida tradicional, de sua identidade étnica e de seu território historicamente constituído a partir da construção de Brasília em 1957 obteve com a sentença da Justiça Federal do DF o reconhecimento por parte do Estado brasileiro de seu “direito à cidade”, mas um direito à cidade de maneira diferenciada, nos moldes do artigo 231 da Constituição Federal, engendrado por um modo de ocupação da terra culturalmente tradicional em meio às matas de Cerrado do Plano Piloto de Brasília.

O poder público foi obrigado a reconhecer ao longo das décadas de 1960-1970, o direito à cidade aos milhares de trabalhadores candangos – marginalizados na própria cidade que ajudaram a construir. A criação das “cidades-satélites” a partir das mobilizações sociais dos candangos e pioneiros na luta pela permanência no seu novo território culmina agora com a decisão histórica da Justiça Federal do Distrito Federal que proclamou os direitos territoriais originários dos indígenas candangos do Santuário dos Pajés a partir do reconhecimento da tradicionalidade do modo de ocupação indígena da primeira e única “Terra Indígena-Satélite” do DF, o território do Santuário Tapuya dos Pajés habitado pelos índios candangos Fulni-Ô Tapuya ao longo de cinco décadas e três gerações.

Entrevista com o técnico indigenista e ambientalista da FUNAI, Frederico Flávio Magalhães.

Desde quando o senhor tem conhecimento dessa comunidade indígena em Brasília?

Conheço a área indígena Santuário dos Pajés ocupada pelas famílias indígenas Fulni-Ô, historicamente, desde quando vim trabalhar na Funai. A gente conhece aquela ocupação indígena desde muito tempo atrás, desde os anos 80 que eu conheço e sei por documentos apresentados por essa comunidade indígena e por documentos internos da Funai que eles estão lá desde anos 60 e pelo depoimento indígena, pelos tios-avôs, pela própria mãe do Santxiê (líder espiritual tradicional da comunidade) que desde 1957 os índios chegaram em Brasília para construir, para ajudar com a construção.

Que avaliação o senhor faz sobre essa sentença?

Essa área recebeu da Justiça Federal uma sentença reconhecendo-a como de uso tradicional. O Juiz se baseou em todos os relatórios, em todos os pareceres técnicos e laudos antropológicos que já foram realizados sobre essa área para chegar a essa conclusão. Então recentemente, agora no mês de novembro a Justiça Federal deu essa sentença para que a Funai e a Terracap tomassem providências. A Terracap no sentido de repassar a terra para União e a Funai que venha a protegê-la, e diante disso cabe então ao poder público agora resguardar a área por que já tem uma sentença favorável. O GDF tem que cumprir com a decisão judicial de proteção da área, por que não é só a Terracap, também o GDF inteiro tem responsabilidade com aquela área lá. Então é uma área indígena, sempre foi indígena e de uso e ocupação tradicional, o que não significa de uso imemorial. Como querem estabelecer certa confusão. Grande parte das terras imemoriais no Brasil foi atacada pelos colonizadores, seus habitantes indígenas agredidos e violentamente rechaçados das suas áreas imemoriais. A sentença reconhece o direito originário indígena mantido em todas as constituições brasileiras e aplica seu conceito no caso do Santuário dos Pajés onde famílias Fulni-Ô reocupam o território, retomam e reproduzem suas organizações socioculturais, definindo assim a terra de uso tradicional.

Na sua avaliação, o que essa decisão vai trazer de positivo para a comunidade?

Essa sentença de imediato reconhece que a terra indígena é de uso tradicional. Ela coloca um reconhecimento do Estado brasileiro sobre uma área que já tem uma ocupação indígena e que deve ser imediatamente protegida pelo Estado. Isso coloca direitos para a comunidade e obrigações para o Estado brasileiro. Direitos dos indígenas exigir atenção especial, por que o Estado sempre negou assistência para eles. Mesmo sabendo que ali moram famílias indígenas, sempre negou os direitos da comunidade indígena com o claro intuito de favorecer a especulação imobiliária. O dever do Estado em amparar os indígenas, mesmo antes dessa sentença, deveria ser observado e não foi em nenhum momento até agora.

O que representa a decisão dada pelo Juiz Federal Paulo Roberto de Souza Cruz para a sociedade brasiliense?

A luta que os indígenas empreenderam até agora, exigindo que o Estado reconheça o uso tradicional da terra que ocupam historicamente, até chegar no ponto em que a justiça se manifestou,  passou por um processo de discriminação em que o próprio Estado brasileiro investiu primeiro na sua invisibilidade, da qual  os indígenas superaram  através de suas manifestações políticas e culturais, juntamente com os movimentos sociais que sempre estiveram ao lado deles, lutando e trazendo para a cidade uma reflexão: nessa cidade existem índios, existe a presença indígena, como brasileiros que são na sua própria cidade. Então esse foi um ganho dentro de uma luta de reconhecimento, foi um ganho expressivo quando a cidade de Brasília passou a enxergá-los, a vê-los, então eles saíram da invisibilidade; e saíram com os jovens e seus movimentos sociais que estão aí de novo para resgatar o país, resgatar o que o país tem de bom.

Por que não uma cidade com índios? Por que não um Brasil com índios? O que é uma Brasília sem índios? O que é um Brasil sem índios? É isso que a gente vê: essa coisa cinzenta, sem identidade, essa coisa comercial, cheia de carros, travada, caótica, cheia de doentes e violências de todo tipo. Ao contrário disto podemos ter uma cidade bonita, verde, com todos os brasileiros dentro dela, com suas muitas formas de morar, com suas variadas formas de pensar e de se manifestar. Temos um resgate aí muito bonito feito pela luta indígena e os jovens que estão ocupando a rua hoje, para exigir dos governantes que reconheçam os direitos da população brasileira, alertando que dentro dessa população brasileira existem indígenas. Essa vitória não é só dos indígenas, é de toda a sociedade brasiliense por que estamos construindo uma sociedade melhor, mais humana e culturalmente mais rica. Estamos resgatando a história.

!!O Santuário dos Pajés Não Se Move!!

!!HAYAYA!!

Foto: Llenia Vidal

* Associação Cultural Povos Indígenas (A.C.P.I)  – Organização Etnopolítica da comunidade indígena Fulni-Ô Tapuya da Terra Indígena Santuário dos Pajés/ Brasília-DF.

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Continue apoiando a Luta pela Demarcação da Terra Indígena Santuário Tapuya dos Pajés  em Brasília assinando a petição On line:

http://www.avaaz.org/po/petition/DEMARCACAO_JA_DO_TERRITORIO_INDIGENA_SANTUARIO_TAPUYA_DOS_PAJES/?fbdm

Contato A.C.P.I: [email protected]

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Comments (1)

  1. Fico muito contente e agradecida ao Deus dos nossos ancestrais por esta vitória. Foram dias, meses, anos, na verdade décadas de uma luta permanente e persistentes. Todos sabemos o quanto é difícil garantir na prática os direitos constitucionais a nós indígenas. Parabéns aos meus parentes,a luta continua, ainda temos muitos direitos a conquistar…O Santuário do Pajés não se Move, é cada um de nós Tapuya espalhados por este Brasil Indígena. Iza, Antropóloga, mestra em estudos étnicos e especialista em direitos indígenas internacionais. Ajamuri, município de Santarém.

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