AM – Polícia Federal faz buscas em aldeias diante do silêncio dos Tenharim

Índios Tenharim na BR 230, a Transamazônica, que corta a Terra Indígena. Foto: Acervo Funai
Os Tenharim na BR 230, a Transamazônica, que corta a Terra Indígena. Foto: Acervo Funai

Por Elaíze Farias, em Amazônia Real

A Polícia Federal continua fazendo uma varredura dentro da Terra Indígena Tenharim-Marmelos, no sul do Amazonas, em busca dos três homens desaparecidos há 16 dias. Até o momento, a operação, que conta com o apoio da Força Nacional de Segurança e do Exército, não teve sucesso.

As famílias dos desaparecidos estão apreensivas com a falta de notícias da polícia e com boatos que circulam nas redes sociais dando conta de que os corpos teriam sido encontrados. Os índios tenharim prometeram não mais ajudar nas buscas e permanecem em silêncio.

O delegado Alexandre Alves, que coordena a operação de buscas, deu prazo até nesta quinta-feira (2), para apontar o paradeiro de Stef Pinheiro de Souza, Luciano Ferreira Freire e Aldeney Ribeiro Salvador. Segundo as famílias, eles foram sequestrados e mortos pelos índios como vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim. Os índios, porém, negam que são os responsáveis pelo desaparecimento.

As buscas das forças federais acontecem dentro de uma área de 497,5 mil hectares, cercada de floresta e de difícil acesso, tendo como base o quilômetro 137 da rodovia BR 230, na Transamazônica, em Manicoré (332 quilômetros de Manaus).

Em Humaitá (a 675 quilômetros de Manaus), mais de 200 soldados da Polícia Militar do Amazonas fazem a segurança da população (45.954 pessoas, segundo o IBGE).

Dentro da reserva, os índios estão sendo abordados por agentes da Polícia Federal, relatou nesta quarta-feira (01) ao portal Amazônia Real o líder indígena Ivanildo Tenharim, 34, que é também titular da Secretaria Municipal de Povos Indígenas da Prefeitura de Humaitá. Ele está na aldeia Marmelos, onde vivem 400 índios, no quilômetro 123 da BR- 230 (Transamazônica). Ivanildo também disse ao portal que a alimentação dos indígenas, que estão orientados a não sair da aldeia, começa a diminuir. Casos de doenças aumentaram.

“Acho que os policiais federais querem aproveitar um momento de fraqueza para pressionar. Quando encontram um índio vão logo perguntando: “onde está o corpo? entrega logo”. Mas como não sabemos de nada, não respondemos”, afirmou Ivanildo.

Segundo a Polícia Federal, caciques tenharim haviam prometido ajudar nas investigações, depois que um grupo de 126 índios foi levado de volta às aldeias, escoltados, e não saíram mais da reserva. Eles estavam refugiados num quartel do Exército desde o dia 25, depois que manifestantes os ameaçaram de morte, durante uma revolta na cidade de Humaitá.

Silêncio

Conforme Ivanildo Tenharim, os indígenas que vivem nas aldeias não querem mais “tocar no assunto” dos homens desaparecidos. Segundo ele, antes dos violentos protestos da semana passada, havia a disposição dos tenharim em ajudar nas buscas, mas o interesse acabou.

“A comunidade tinha decidido que iria ajudar com um mutirão nas aldeias para as buscas. Mas depois de toda aquela humilhação que causou muito sofrimento, com os parentes refugiados no quartel, pessoas de fora entrando nas aldeias e fazendo aquela bagunça toda, ninguém está mais querendo ajudar”, disse ao Amazônia Real.

Ivanildo Tenharim contou que uma assembleia está prevista para acontecer no próximo dia 10 para definir como os índios vão se posicionar sobre o assunto.

Nascido na aldeia Marmelos, Ivanildo Tenharim morava na aldeia Bela Vista até se transferir para Humaitá. Para ele, a reação violenta contra os indígenas dos últimos dias foi resultado de uma articulação dos madeireiros e fazendeiros.

“Existem muitos madeireiros que têm raiva da gente porque eles não podem invadir a reserva para tirar madeira. Tempos atrás, com as operações da Funai e de outros órgãos, eles tiveram carros e tratores apreendidos e ficaram com mais raiva. O que eles fizeram foi aproveitar o momento para se unirem contra nós, se articulando com a população. Foram eles que bancaram o protesto de sexta-feira, quando invadiram as aldeias”, disse.

Um dos alvos dos protestos da semana passada, a cobrança do pedágio na BR-230 (Transamazônica) pelos indígenas é defendida por Ivanildo Tenharim.

“A gente não chama de pedágio, mas uma compensação. É uma forma de os indígenas terem um retorno financeiro porque nossa terra foi cortada por uma estrada ilegal que só nos trouxe impactos negativos. Muitos índios ficaram doentes e outros morreram. Nossa população diminuiu. Com a estrada, aumentou a migração e muita gente de fora veio para cá. Enquanto a União não oferecer uma alternativa de sustentabilidade, queremos continuar com essa cobrança”, disse.

Conforme Ivanildo, a cobrança do pedágio foi suspensa após acordo feito com a Polícia Federal, mas ela será retomada com o fim das buscas.

Comida escassa

Ivanildo Tenharim afirmou que a demora e a espera pelo fim das buscas também estão impactando a vida dos indígenas. Ele disse que, como tem diminuído a caça dentro da reserva e os índios compram gêneros alimentícios em Humaitá, os suprimentos estão ficando escassos nas aldeias. No total, existem quatros reservas tenharim no sul do Amazonas. A população é de 1.200 indígenas.

“Os índios tinham ido na cidade comprar alguns alimentos. Eles estavam no caminhão que foi incendiado e tudo se perdeu. Como os homens não querem se afastar muito das aldeias para caçar  pelo receio de novos ataques, a comida está acabando”, disse Ivanildo Tenharim.

De acordo com o líder indígena dos tenharim, há também muitos casos de crianças doentes, sobretudo de gripe. Por isso, os índios querem que a Funai (Fundação Nacional de Saúde) articule com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e com o Exército o envio de profissionais de saúde às aldeias.

Durante a revolta em Humaitá foram destruídos com fogo o prédio do polo-base de saúde da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), o prédio da Funai, 16 veículos e embarcações.

Nesta terça-feira (31) um documento escrito pelas lideranças indígenas foi enviado à Presidência da Funai , em Brasília, pedindo providências para a situação. No documento, além do pedido por comida e atendimento à saúde, os tenharim querem que a Funai crie um grupo de trabalho para a reconstrução da sua sede em Humaitá. Também pedem “suporte” para o retorno com segurança de 20 indígenas tenharim que vivem na cidade, trabalhando como funcionários da Prefeitura de Humaitá, da Funai e da Sesai.

Segundo Ivanildo, as aldeias Tenharim-Marmelos estão protegidas atualmente desde que policiais da Força Nacional de Segurança, Polícia Federal e Militar foram enviados para a reserva.

“Estamos dando um tempo aqui porque a situação continua tensa em Humaitá. Mas e depois, como vamos fazer, como vamos sair? Tem muitos jovens tenharim que fazem faculdade. Há alunos do ensino fundamental e médio. Os índios também trabalham com extrativismo e coleta de produtos como açaí e comercializam os produtos. Não podemos ficar parados aqui”, disse.

Mistério

Segundo as investigações da Polícia Federal, os amigos Stef Pinheiro de Souza, 43, professor, Luciano da Conceição Ferreira Freire, comerciante, partiram de Humaitá em um carro Gol por volta das 6h, do dia 16 de dezembro. No porto da cidade, eles deram carona ao gerente da Eletrobrás Amazonas Energia, Aldeney Ribeiro Salvador.

Os três deveriam viajar até o quilômetro 180 da BR 230 para chegar ao distrito de Santo Antônio do Matupi, em Manicoré, por volta das 9h, onde trabalhava Salvador. Souza e Freire seguiriam para Apuí em viagem de mais cem quilômetros. Mas, desapareceram sem deixar pistas entre um trecho da estrada que fica dentro da Terra Indígena Tenharim. No percurso, os índios tenharim e jiahiu cobram pedágio considerado ilegal.

Conforme as investigações, quatro policiais militares, que estavam à paisana, viram índios tenharim empurrando o carro Gol por voltas das 10h na região da aldeia Tabocal, que fica no quilômetro 137 da Transamazônica. A Polícia Militar diz que os soldados não estranharam a situação envolvendo os índios porque eles também são proprietários de veículos.

Pressão do agronegócio

Em entrevista ao Amazônia Real, o jornalista e antropólogo Fernando Sebastião, que trabalha com os tenharim há mais de 10 anos, acredita que articuladores dos atos de violência ocorridos em Humaitá são principalmente madeireiros e políticos da região que viram no drama verdadeiro das famílias dos desaparecidos uma oportunidade para cuidar de seus interesses econômicos e políticos.

Conforme Fernando, a relação dos tenharim sempre foi boa com os moradores de Humaitá, bem como com os pequenos agricultores, que vivem às margens da Transamazônica, com quem se identificam pelo modo de vida, baseado na agricultura de pequena escala, na pesca e na caça.  A relação com os migrantes que chegaram à região vindos do sul do país na década de 70 também é tranquila. O mesmo não se pode dizer das pessoas que chegaram na onda migratória com a nova frente de expansão vinda de Rondônia há quase dez anos.

“Isso alterou um pouco essa relação por conta da mudança no perfil desses migrantes. Ao contrário dos que vieram na primeira onda, não se trata de pequenos produtores, mas sim de latifundiários e pecuaristas, bastante resistente aos contatos com os indígenas da região e inseridos no esquema do agronegócio, que enxergam os índios como um entrave para o que eles julgam ser desenvolvimento”, comentou.

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