Brasília, 10 de dezembro de 2013 – Cerca de 50 Munduruku de aldeias do Alto e Médio Tapajós, no Pará, ocupam desde o início da tarde desta terça, 10, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU). O movimento ocorre por tempo indeterminado, sendo organizado pela Associação Da’uk, formada em uma assembleia de caciques Munduruku há pouco mais de um mês.
Os indígenas pedem ao ministro Luiz Inácio Adams a revogação da Portaria 303, a demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e que a AGU não recorra de decisão do juiz Illan Presser, da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, que suspendeu o leilão para a Usina Hidrelétrica de São Manoel, no Rio Teles Pires.
O leilão estava marcado para acontecer nesta sexta, 13. Se construída a usina no Rio Teles Pires, na divisa entre os estados do Mato Grosso e Pará, aldeias e locais sagrados dos povos Kayabi e parte das aldeias Munduruku serão inundados e deixarão de existir, o que promoverá diásporas e consequências insondáveis para a continuidade da vida destes povos.
Durante a ocupação da sede da AGU, uma comissão de Munduruku tentará audiência com o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o desembargador Mário Cesar Ribeiro. O objetivo é tentar sensibilizá-lo para que mantenha a decisão do juiz Presser pela suspensão do leilão. Durante a ocupação, os indígenas Munduruku distribuíram ainda uma carta contra a usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará.
“A Portaria (303) é ruim porque permite a construção de usinas em nossos rios sem consulta ao povo e também dificulta a demarcação das terras tradicionais, que no Médio Tapajós ainda não aconteceu”, explica Josias Manhuary Munduruku. A liderança frisa que a AGU é quem briga na Justiça para que os processos que envolvem a construção de UHE, PCH e barragens sejam executados. “AGU é inimigo nosso. Não faz nada de bom”, ataca.
Há quatro meses os Munduruku do Médio Tapajós aguardam a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicar estudo identificando da terra indígena.
Resumo:
Indígenas Munduruku ocupam sede da AGU, em Brasília (DF), pela revogação da Portaria 303, pela demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e contra as usinas hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós. Uma Comissão deverá sair da ocupação para tentar audiência com o presidente do TRF-1 para solicitar a manutenção de decisão que suspende o leilão da UHE São Manoel, no Rio Teles Pires, na divisa do Mato Grosso e do Pará.
Outras informações:
Renato Santana 61.9979.6912 / Patrícia Bonilha 61.9979.7059.
Os Munduruku também distribuíram um documento que demanda celeridade da Justiça em todos os processos relativos a hidrelétricas nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires:
Hidrelétricas nos rios Xingu, Teles Pires e Tapajós: Justiça Já!
No Dia Internacional dos Direitos Humanos, exigimos que se faça JUSTIÇA JÁ nos casos de Belo Monte, Teles Pires e Tapajós.
“Nós, índios Juruna da Comunidade Paquiçamba nos sentimos preocupados com a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Porque vamos ficar sem recursos de transporte, pois aonde vivemos vamos ser prejudicados porque a água do Rio vai diminuir, assim como a caça, vai aumentar a praga de carapanã com a baixa do Rio, aumentando o número de malária, também a floresta vai sentir muito? com o problema da seca e a mudança dos cursos dos rios e igarapés (…)”
Trecho de carta enviada ao MPF, Altamira, 2000
Em 15 de maio de 2001, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará ajuizou a primeira Ação Civil Pública (ACP) contra a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte em resposta a uma carta dos indígenas Juruna, que relatava a extrema preocupação do grupo com os boatos de que o governo federal estaria retomando o mega projeto de barramento do Rio Xingu na região de Altamira, PA.
Mais de 13 anos depois, a população do Xingu vive o terrível fato de que seus piores pesadelos estão se tornando uma realidade. As previsões sombrias da primeira ACP do MPF também vão se concretizando, e hoje já são 20 as ações do órgão contra inúmeras violações da legislação ambiental e dos direitos humanos de indígenas, ribeirinhos, pescadores, agricultores e moradores das cidades impactadas pela usina, consagrados na Constituição Federal e em acordos internacionais dos quais o Brasil é parte.
Belo Monte, cujos canteiros de obra seguem se expandindo sobre o que antes era território dos povos do Xingu, se tornou um símbolo nacional e internacional dos equívocos de um desenvolvimentismo que atropela e destrói tudo em seu caminho em nome de um suposto crescimento econômico. Suposto, porque o alardeado crescimento do PIB de 4% a 5%, que embasou o Plano Decenal de Energia em 2012, morreu na praia com 2,5% em 2013, e deve ser ainda menor em 2014, de acordo com prognósticos de agências especializadas.
Nesse dia 10 de dezembro, quando se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, é essencial que a conta dos ilícitos cometidos pelo governo federal e seus parceiros privados em Belo Monte seja reapresentada ao país. Em especial, é essencial que se tenha clareza de que grande parte deles foi documentada, analisada e denunciada à Justiça que, omissa e leniente, tem permitido que sigam impunes e se repitam e se aprofundem de novo, e de novo.
Se tomarmos apenas as últimas ACPs do MPF, iniciadas entre o final de 2012 e o presente, desfilam absurdos cometidos pelo Consórcio Norte Energia. S.A. (Nesa, liderado pelo Grupo Eletrobrás) como o não cumprimento de 40% das condicionantes do licenciamento ambiental do empreendimento; informações falsas do empreendedor ao Ibama; sub-estimação da área de alagamento na zona urbana de Altamira (Cota 100), e ausência de cadastramento dos atingidos; violações da licença ambiental e novo descumprimento de condicionantes; irregularidades do empreendedor em cumprir a obrigação de aquisição de terras para os indígenas Juruna da aldeia Boa Vista, com danos graves, desagregação e risco à sobrevivência da comunidade; impacto sobre os indígenas Xikrin, moradores do Rio Bacajá; irregularidades nas obras de reassentamento dos moradores de Altamira a serem atingidos pelos alagamentos, modificação nos projetos originais sem anuência dos atingidos, desconformidade das construções com o código de obras da cidade, e muito mais.
Várias ações obtiveram liminares favoráveis, posteriormente derrubadas sem análise do mérito através da aplicação da Suspensão de Segurança, instrumento engendrado pela ditadura militar e generosamente aplicado por presidentes do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1). A maioria das ações aguarda, engavetada, julgamento em primeira instância, e outras tantas no TRF1.
Uma ação, em especial, ajuizada pelo MPF em 2006 e que cobra do Estado o respeito à Constituição no tocante ao direito das populações indígenas de serem consultadas em casos de empreendimentos que impactem suas terras (oitivas indígenas, artigo 231 da CF), está aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. Ainda em novembro de 2012, o Movimento Xingu Vivo Para Sempre e seus aliados solicitaram à presidência do STF uma audiência sobre o caso, pedido reforçado pelo bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler, em abril de 2013, e novamente apresentado ao Supremo pelo Xingu Vivo e parceiros em 4 de dezembro deste ano.
Dezenas de outras ações de agricultores, pescadores, ribeirinhos e moradores de Altamira seguem paradas na subseção judiciária da cidade, enquanto se acumulam histórias de vidas destroçadas, misérias e sofrimentos. Longe de se condoer com esta situação, para reprimir os protestos dos atingidos, bem como os dos operários da usina, o governo federal enviou para Belo Monte a Força Nacional de Segurança, que passou a agir como guarda privada dos empreendedores da hidrelétrica.
Modus operandi semelhante passou a ser adotado nos complexos hidrelétricos da bacia do Tapajós, onde está prevista a construção de três grandes usinas no Rio Tapajós, e, em seus afluentes, quatro grandes barragens no Rio Jamanxim, cinco no Rio Teles Pires, e 17 no Rio Juruena (além de mais 80 pequenas centrais hidrelétricas – PCHs), que estão em colisão direta com Terras Indígenas, territórios ribeirinhos e Unidades de Conservação.
As ofensivas do governo federal, lideradas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a Advocacia Geral da União (AGU) que marcam os projetos da bacia do Tapajós vão na mesma direção de Belo Monte: decisões políticas sem consulta aos povos indígenas e sem análise de impactos cumulativos, violando a legislação brasileira e normas internacionais, como a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); atropelos e pressão sobre órgãos de licenciamento (Funai, Ibama, Iphan); e repressão e tentativas de cooptação de movimentos de resistência, com especial ênfase dos indígenas Munduruku e Kayabi.
Em construção, a UHE Teles Pires, no Rio Teles Pires, foi objeto de duas ACPs do MPF que apontaram graves violações de direitos e falhas no Estudo de Componente Indígena. Em setembro deste ano o TRF1 decidiu pela paralisação das obras; porém, mais uma vez, a pedido da AGU, foi aplicada a Suspensão de Segurança pelo presidente do STF em exercício – alegando “grave ofensa à ordem econômica”, permitindo a retomada dos trabalhos, ignorando os direitos fundamentais da pessoa humana. Com isso, instaura-se uma verdadeira política da indiferença em relação aos povos e comunidades afetadas por grandes empreendimentos na Amazônia brasileira, autorizando as mais diversas violações de direitos fundamentais e ambientais.
Também no Rio Teles Pires, o setor elétrico propõe a construção da UHE São Manoel, que ficaria a poucos metros do limite da TI Kayabi. Com licenciamento suspenso temporariamente em 2011 após protestos dos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká, o projeto foi retomado após fortes pressões da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre o judiciário, o Ibama e a Funai. De acordo com o (incompleto) Estudo de Componente Indígena, os impactos da usina sobre os indígenas são tão graves que a tornam inviável, posição sustentada pela Funai até novembro deste ano. Estranhamente, sem resolver os problemas apontados por seus técnicos, no dia 27 daquele mês a presidência da Funai mudou de posição através de um ofício ambíguo ao Ibama, e, dois dias depois, saiu a Licença Prévia (LP) do projeto para que fosse a leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) neste próximo dia 13.
Já no Rio Tapajós, o governo armou nova operação de guerra para viabilizar os estudos das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Assim como em Belo Monte, mandou para a região seu braço armado, a Força Nacional de Segurança, para controlar a resistência dos Munduruku, que não aceitam o projeto sobre o qual nunca foram consultados e que afeta diretamente seus territórios e modos de vida.
Paralelamente, o governo federal diminui inconstitucionalmente, por Medida Provisória, mais de 75 mil hectares de cinco Unidades de Conservação para possibilitar a construção das usinas de São Luis do Tapajós e Jatobá. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da Procuradoria Geral da República referente a estes crimes permanece, desde fevereiro de 2012, sem apreciação da Justiça no STF.
Cabe ressaltar, por fim, que a construção de hidrelétricas na Amazônia só tem sido possível graças aos generosos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos públicos, que utilizam o dinheiro dos contribuintes brasileiros, sem um mínimo de transparência sobre critérios de análise de riscos e da viabilidade socioambiental e econômica de projetos, e na ausência de mecanismos efetivos para garantir o respeito aos direitos das populações afetadas e outras obrigações de responsabilidade socioambiental dos empreendedores, contando com a baixa aplicação de sanções pelo Ibama.
Demandas
Considerando as graves violações dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana e das ameaças às instituições democráticas, de forma que nos faz reviver o período sombrio da ditadura militar, conclamamos à toda sociedade a se juntar a nós e exigir JUSTIÇA JÁ para os atingidos e ameaçados por Belo Monte e pelos projetos da bacia do Tapajós. Exigimos:
* Que todas as instâncias da Justiça cumpram seu papel e julguem, com celeridade e idoneidade, o mérito de todas as ações relativas ao projetos hidrelétricos na Amazônia, extirpando e sanando os descumprimentos da Constituição, da legislação ambiental e da Convenção 169 da OIT;
* Especificamente em relação a Belo Monte, que o STF julgue o mérito da ACP sobre as oitivas indígenas e garanta seu direito constitucional de consulta pelo Congresso Nacional;
* O mesmo deve se aplicar aos projetos hidrelétricos nos rios Tapajós, Teles Pires e Juruena: que os indígenas sejam consultados, com poder de veto, sobre a construção ou não das hidrelétricas planejadas;
* Em relação à UHE São Manoel, que a usina seja retirada do leilão de energia A-5 de 13 de dezembro de 2013 e o processo de licenciamento seja cancelado até o julgamento das ações do MPF. E, em especial, que nenhuma ação para implantação das usinas seja feita antes da realização da consulta aos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká;
* Em relação à UHE Teles Pires, que seja derrubada pelo Supremo a Suspensão de Segurança do presidente em exercício que permitiu a retomada das obras;
* Que o STF julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4717 sobre a desafetação ilegal das Unidades de Conservação da bacia do Tapajós;
* Que seja erradicada definitivamente do arcabouço legal do país a legislação sobre a Suspensão de Segurança;
* Que seja decretada uma moratória no licenciamento e na construção de barragens na região amazônica até a realização de estudos sobre impactos cumulativos em nível de bacia hidrográfica e dos processos de consulta livre, prévia, consentida e informada, conforme a Constituição Brasileira e a Convenção169 da OIT.
BELO MONTE, JUSTIÇA JÁ! TELES PIRES JUSTICA JA! TAPAJÓS JUSTIÇA JÁ!
Altamira, Santarém e Alta Floresta, 10 de dezembro de 2013