O ensino do Chile, na mão de velhos mineiros

Mario Sepúlveda, o segundo a ser resgatado da mina San José, Chile, em 2010.
Mario Sepúlveda, o segundo a ser resgatado da mina San José, Chile, em 2010.

Idosos votam 3 vezes mais do que os jovens que reivindicam educação superior gratuita

Por Rodrigo Cavalheiro, em Copiapó, Chile, para O Estado de S.Paulo

Nas mãos de Alberto Barraza, que abandonou a escola na 5.ª série para viver da extração do cobre no Deserto do Atacama, que perdeu os dentes cortando pavios de dinamite e, aos 68 anos, prevê morrer na mineração, está o projeto de educação gratuita pelo qual lutam os universitários do Chile. Eleitores veteranos como Barraza decidirão a eleição do dia 15, entre Michelle Bachelet e Evelyn Matthei, por uma razão estatística. Velhos votam 3 vezes mais do que jovens no país.

Augusto Pinochet é o responsável pela motivação extra dos eleitores veteranos. No último sufrágio tabulado pelo Serviço Eleitoral, as municipais de 2012, primeiro com voto opcional, o grupo de 60 a 64 anos teve 65% de participação, ante 23% registrada entre o de 20 a 24 anos. “Votam aqueles que criaram o hábito”, segundo o professor Eduardo Engel, economista da Universidade do Chile, apontando o plebiscito que em 1988 tirou Pinochet do poder como um marco que explica o apego dos mais velhos às urnas. E os interesses desse grupo são basicamente saúde e aposentadoria.

Nascido “de parteira”, Barraza vive em Tierra Amarilla, um povoado que abriga a mineração mais precária na região de Copiapó, a 813 km de Santiago. Faz detonações numa mina durante 20 dias consecutivos, das 8h às 14h e das 15h às 18h. Logo, fica 10 dias de folga. No primeiro turno, dia 17, ganhou 2 horas livres. As usou para votar na candidata cujo retrato está em destaque em seu quarto. “Adoro a Bachelet. Foi ela quem aumentou meu benefício no outro mandato”, diz “Chino” Barraza, que há 52 anos reclama do apelido dado em razão do olho puxado.

Barraza assustou-se quando, há 4 anos, a empresa que recolhia suas contribuições – 68% dos trabalhadores do país têm planos privados e o restante está praticamente na informalidade – o informou por correio sua pensão: 140 mil pesos (R$ 614). Reclamou. Meses depois, recebeu uma carta com um pedido de desculpas. “Eles haviam se enganado e baixaram para 125 mil pesos (R$ 548)”, diz.

A aposentadoria no Chile, considerada um modelo entre conservadores, é calculada pela relação entre a contribuição (10%) e a estimativa de quantos anos o segurado viverá depois dos 65 anos (60 anos para as mulheres). Alguém que poupou US$ 100 mil e, pelo cálculo da empresa, viverá até os 85, ganhará US$ 5 mil por ano, por exemplo. “O problema é que as empresas jogam a expectativa de vida para cima. O mineiro morre antes e elas ficam com a diferença”, diz o economista Luis Eduardo Escobar, da consultoria Imaginacción.

Na mineração, na qual o trabalho é irregular ou sazonal, são comuns casos em que, ao se aposentar, o operário recebe 4 vezes menos – em média, um trabalhador terá 63% do que ganhava. Como as grandes mineradoras preferem o vigor de quem tem até 35 anos, os veteranos voltam como “perquineros” – quem faz bicos nas menores minas, as mais perigosas.

‘Camponês’. Aos 73 anos, Luciano Martínez mantém uma pequena mina com três sócios. Paga ao dono da terra 10% do que ganha extraindo cobre e celebra ter lucrado, no mês passado, o equivalente a R$ 15 mil. “Paguei dívidas. Tivemos um desabamento no início do ano e banquei o hospital de um dos operários, já que ninguém tem aposentadoria ou plano de saúde”, diz.

Após caminhar 100 metros pelo túnel da mina, por onde vagonetas tiram pedras com cobre de “média qualidade”, Martínez explica que há 70 metros sobre sua cabeça. Como “não há perigo”, dispensa o capacete. “É como ter um sítio, comparando com a agricultura. Ainda é o melhor negócio na região. A diferença da grande mineração é que ela ganha com o preço do cobre no futuro. Monitoram as cotações e vendem e compram quando convém”, teoriza o mineiro.

Uma de suas propostas de campanha de Bachelet é a criação de um fundo público de pensões para competir com as 6 empresas que dominam o mercado. “Ela não propõe estatizar as pensões. Estuda uma empresa pública que estimule a concorrência e evite o cartel”, avalia o economista Escobar.

Em seu primeiro mandato, de 2006 a 2010, Bachelet fixou um rendimento mínimo para um aposentado, hoje em 133 mil pesos (R$ 584). Daí sua popularidade entre os mais velhos. Sua aprovação geral, segundo a Universidade Diego Portales, é de 45%, mas sobe para 57,4% entre os maiores de 46 anos. Seu pior desempenho (31,7%) está justamente entre menores de 29 anos, a quem a oferta de educação interessa mais.

A reivindicação de ensino gratuito, destaque em protestos estudantis que atingiram o ápice em 2011, está no centro do debate político desde que Bachelet a classificou como prioridade e sua rival, a conservadora Matthei, como um disparate. Segundo Bachelet, seria necessária uma reforma fiscal que elevaria de 20% para 25% os impostos sobre grandes empresas. Matthei prevê fuga de investimentos e ameaça à bonança econômica em um país com 4,2% de crescimento, em 2013, e desemprego de 5%.

Do contra. “Sou contra a educação grátis porque só os ricos vão se beneficiar. Eles vão continuar ocupando as vagas porque vêm de melhores escolas”, diz o mineiro Luis Urzúa, aposentado em razão de um “acidente de trabalho” em 2010, quando faltavam sete anos para completar 65. Urzúa, que ganhava o equivalente a R$ 3,4 mil por mês, viu seu rendimento baixar para R$ 1 mil após a aposentadoria forçada. “Minha conta de telefone é a metade disso”, afirma, mostrando o comprovante. Embora tenha contraído uma dívida de 20 anos para colocar a filha na universidade, ele acha que a prioridade dos candidatos deveria ser a saúde. “Se ficar doente, não tenho como pagar. Com o que contribuí, não garanto nossa saúde”, diz o mineiro, que ainda sofre de insônia.

A renda maior de Urzúa vem de palestras, pelas quais cobra US$ 3 mil. Quem paga são empresas interessadas em ouvir os relatos do último a deixar a mina San José em 2010, após 69 dias de confinamento, com outros 32 mineiros, a 700 metros de profundidade. Urzúa era o chefe de turno no acidente que colocou Copiapó e as más condições nas minas da região no noticiário mundial há 3 anos.

Como as palestras são escassas, ele estuda voltar à mineração. “O trauma não pode ficar para sempre. Mas não é fácil conseguir trabalho. Qualquer coisa que ocorra, estaremos atentos à segurança. E a norma de segurança no Chile, em muitas áreas da mineração, alguém escreve com a mão e apaga com o cotovelo”.

Enviada Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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