Beltrame, não aceitamos mais perder gerações

monica-franciscoMônica Francisco *, Jornal do Brasil

Sinto muito Beltrame, mas termos de perder mais uma geração para que o modelo de segurança pública dê certo é, no mínimo, deplorável, para não dizer execrável do ponto de vista humano. Só nós temos que perder uma geração? Já não bastam os 388 anos que seus antepassados europeus nos fizeram amargar?

O retrato é sério. Mais de um milhão de negros aportaram no Brasil, trazidos de vários países da África, sem contar os que morreram no meio do caminho. Se pensarmos que, em média uma geração dura cerca de 50 anos, então, só na vigência do regime de escravidão perdemos cerca de seis gerações. Pós-regime de escravidão com a impossibilidade de acessar a terra, a escola e consequentemente postos dignos de emprego, perdemos mais duas. Ou seja, foram oito gerações para ver alguma melhora. Então, senhor secretário, não aceitamos mais perder.

Somos ridicularizados todos os dias. Nosso país é racista, nosso Estado mata negros com o silêncio da sociedade e aprovação de grande parte dela, e o pior, aqueles que estão nos lugares de poder reproduzem todo esse quadro, haja vista a informação sobre a população carcerária, demonstrando o rigor do judiciário em se tratando de negros. Genocídio na saúde, falência na educação e na habitação públicas. E quem acessa estes serviços são negros em sua maioria, pois compõem a população mais pobre deste país.

Não gosto muito do nome do feriado dedicado à memória de Zumbi dos Palmares, pois acho que não faz jus à proposta de legitimar a importância desta parcela da população que ergueu este país. Deveria se chamar “Dia de se ter consciência do que é ser negro no Brasil” – tudo bem que é um nome enorme –, se aplica mais à necessidade de reafirmar a enormidade do esforço secular de se fazer respeitado (a) independentemente da cor de sua pele, embora tenhamos alguns avanços.

O Plano Juventude Viva, iniciativa do Governo Federal que une secretarias de governo, traz em sua concepção uma triste estatística: um número de mortes equivalente à queda de oito aviões cheios por mês é o de mortes de jovens homens negros, moradores das margens das cidades. Há de se ter muita consciência para parar esta tragédia. Genocídio silencioso, ou melhor, silenciado institucionalmente e consentido pela sociedade, daqueles que de fato são a parcela majoritária desta nação. Ainda que muitos se declarem pardos ou morenos, os negros são maioria de acordo com o último censo, em 2010.

Ouvindo o sociólogo e professor Michel Misse, em sua exposição sobre o descompasso nos números oficiais a respeito da violência no Estado do Rio de Janeiro, dizer que “a taxa de mortos pela polícia do Estado e do Brasil deveria ser tão anunciada quanto a taxa da inflação”, eu assinei embaixo e vou replicar a fala, acho justo. Até porque, segundo a chamada do evento de lançamento do livro, um cartaz anunciando 10.000 mortes em 10 anos por autos de resistência, não pode ser desprezado.  A propósito, a exposição foi feita no lançamento do livro “Quando a polícia mata”, resultado de uma pesquisa que foi realizada pelo Núcleo da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outra tragédia racial no Brasil é vista nas prisões, que produzem um quadro alarmante: 53% dos presos no Brasil são negros e, segundo a ONU, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Não há mais ambiente para se procrastinar a mudança estrutural que o Brasil precisa. Ano que vem devemos mostrar na força do voto, que ainda é obrigatório, nosso descontentamento e indignação pela falência das ações do Estado brasileiro em dar dignidade a uma parcela da população que é a maioria dela, e que é todos os dias invisibilizada na sua dor, na sua capacidade intelectual e cultural. Não ao genocídio institucionalizado de uma população, pelo Estado brasileiro.

A nossa luta é por direito. O negro, pobre, favelado, ou não, merece respeito.

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marilu Gomes Parreiras.

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