O Estado vem agindo em detrimento dos povos tradicionais no Cerrado

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Conforme discussões do segundo dia do Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado, organizado pela CPT, a atuação do Estado tem sido em detrimento dos direitos dos povos e comunidades tradicionais no cerrado e em outros biomas. Além disso, é subestimada a importância do cerrado dentro do conjunto de biomas brasileiros, apesar de mais de 90% dos rios do país nascerem no cerrado.

O Estado através de seus governos estaduais vem fazendo escolhas políticas. Essas escolhas são feitas no sentido de beneficiar os grupos mais abastados do país. Dados do IBGE, divulgados em setembro passado, mostram que o 1% referente aos mais ricos do país tiveram um crescimento em sua renda de 10,8%, enquanto o rendimento médio mensal real de todos os trabalhos das pessoas entre os 10% com rendimentos mais baixos, teve, em 2012, um aumento de 6,4%, em relação ao ano anterior. O rendimento dos mais ricos foi, portanto, 87 vezes maior do que o dos mais pobres em 2012, contra uma relação de 84 vezes em 2011.

Ou seja, o que mantém a desigualdade social continua da mesma forma, mesmo com os programas do governo de redistribuição de renda. Tatiana Dias Gomes, advogada da CPT Bahia, trouxe ainda a discussão sobre o orçamento do governo federal, pautado quase que exclusivamente a partir da garantia do pagamento da dívida pública. Mais ou menos 700 bilhões de reais por ano são destinados a esse fim, esse valor corresponde a mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, destinado a bancos nacionais e estrangeiros.

Enquanto isso, o orçamento destinado à realização da reforma agrária e ao crédito destinado a famílias assentadas míngua a cada ano que passa. Até setembro último o governo Dilma não havia desapropriado nenhuma área para a reforma agrária. Em outubro, 8 imóveis foram declarados pelo governo como de interesse social nos estados da Bahia, Goiás, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins. Além disso, apenas uma área quilombola foi titulada nesse ano de 2013, situada no município de Cametá, no Pará. Em relação a terras indígenas, durante todo o governo Dilma apenas 9 foram declaradas e 11 homologadas. Ao mesmo tempo, tramitam propostas legislativas que contrariam os direitos dos povos originários, como a PEC 215 que, entre outras coisas, para o Congresso Nacional a competência para a aprovação e demarcação de terras indígenas, e o PLP 227, que define elementos de interesse público da União ao demarcar uma terra indígena, como terras de fronteira e áreas antropizadas produtivas e que desempenhem sua função social.

Cerrado: a caixa d’água do país

O professor Ricardo Ferreira Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) trouxe a informação de que mais de 90% dos rios brasileiros nascem no cerrado. Esse bioma seria, portanto, a “caixa d’água” do país. Lembrando, ainda, que 12% da água doce do mundo está no Brasil.

Segundo o professor, o cerrado tem características que definiram durante os anos a presença humana nele, como diversidade de ambientes, sendo eles florestais, savânicos e campestres. Além disso, ao contrário do que muitos pensam, o cerrado é um dos biomas mais antigos do Brasil, conforme estudos entre 18 e 13 mil anos atrás já havia pessoas nessa região. A maioria dos sítios arqueológicos encontrados está nesse bioma. Os primeiros sinais de agricultura no cerrado datam de quatro mil anos, e os de artesanato de 3.500 anos.

Durante o processo de ocupação do país pelos portugueses, esses se mantiveram durante muito tempo apenas no litoral do país. Não adentravam para o interior do Brasil. Somente no final do século XVII e início do século XVIII, europeus e africanos passaram a desbravar o sertão brasileiro. A partir daí, a mineração, principalmente de ouro e diamantes se espalhou pelos estados de Minas gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia. Além dessa, outras transformações vieram no sertão no século XIX, através do comércio, da navegação e da construção de ferrovias.

O professor Ricardo salientou que o cerrado é um bioma que proporciona o desenvolvimento de atividades produtivas combinadas com estratégias de sobrevivência e manutenção do cerrado, entre elas estariam a agricultura em ambientes florestais, pecuária extensiva, caça, pesca, extração de mel, coleta de frutos e palmitos, entre outras. Populações camponesas, vaqueiros, indígenas, quilombolas, pescadores, entre outros, mostram que isso é possível.

Segundo o professor, a destruição do cerrado adquire números superiores aos observados na Amazônia, os 880.000 km² já desmatados no cerrado representam quase três vezes o impacto sobre o outro bioma.

O Encontro segue até amanhã, 24 de novembro, quando serão definidas ações estratégicas por região em prol da conservação do cerrado e pela luta em defesa dos direitos dos povos tradicionais que vivem no cerrado.

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