MPF/MG quer publicação imediata da portaria de titulação do quilombo de Mangueiras

Quilombo Mangueiras (Foto: Blog Atitude Odoy-iá)
Quilombo Mangueiras (Foto: Blog Atitude Odoy-iá)

Relatório foi concluído há cerca de três anos; a fase de contestação administrativa, há um ano. Depois disso, o Incra teria de publicar a portaria em 30 dias, mas, incompreensivelmente, nada fez desde então

No encerramento da Semana Nacional da Consciência Negra, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou nesta sexta-feira, 22 de novembro, com uma ação civil pública perante a Justiça Federal de Belo Horizonte, para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publique, de imediato, a portaria que reconhece e declara os limites do território tradicionalmente ocupado pela Comunidade Quilombola de Mangueiras.

Mangueiras é um quilombo urbano situado na região Norte de Belo Horizonte. Formada principalmente por descendentes de 4ª a 6ª gerações do casal de lavradores negros Cassiano José de Azevedo e Vicência Vieira de Lima, a comunidade pleiteia há anos o reconhecimento oficial e a demarcação e titulação de suas terras.

O primeiro registro da existência de Cassiano, Vicência e seus 12 filhos no local data do século XIX, por volta do ano de 1890, na área denominada “Ribeirão da Izidora”, que atualmente é reivindicada pela Comunidade de Mangueiras.

Relatório antropológico produzido pela UFMG demonstra a relação de identidade da Comunidade de Mangueiras com o território por ela reivindicado: “O casal Cassiano e Vicência conseguiu o registro das terras que ocupavam, o que contribui em grande medida para singularizar o seu caso, permitindo a construção de uma identidade distinta das demais famílias negras da região e sendo fundamental para a manutenção de uma identidade de seus descendentes com as terras que viriam a construir o que hoje se pleiteia ser o Território do Quilombo de Mangueiras. Enquanto outras famílias de negros dependentes e agregados das antigas fazendas da região foram se dispersando com o processo de fragmentação das mesmas e, pressionados pelo crescimento urbano de Belo Horizonte, deslocados para outros bairros, parte da descendência de Cassiano e Vicência permaneceu vinculada às terras do casal, preservando um estilo de vida e formas de sociabilidade própria”.

Atualmente, esse território vem sendo alvo de intensa especulação imobiliária decorrente das obras de expansão urbana da capital mineira. A área é considerada estratégica, devido ao incremento da estrutura viária, à localização do Aeroporto Presidente Tancredo Neves e à implantação da denominada “Cidade Administrativa”.

A ação relata que a Comunidade de Mangueiras vive em uma área com condições precárias de infraestrutura, moradia, transporte, educação e saúde. Eles enfrentam ainda constante insegurança quanto à manutenção da integridade de seu território, em face da crescente especulação imobiliária e dos interesses políticos e econômicos sobre a região. “Especialmente após o anúncio da denominada Operação Urbana Regional Isidoro, as famílias remanescentes de quilombos vêm sendo submetidas a pressões sociais, políticas e financeiras de toda ordem, algumas das quais ameaçam, inclusive, a preservação de sua cultura”.

Sete anos sem conclusão – Assim, o reconhecimento e titulação do território quilombola é imprescindível para garantir o exercício, pela comunidade, dos direitos que lhe foram assegurados constitucionalmente. Mas apesar de o reconhecimento oficial da comunidade mangueirense como remanescente de quilombo ter-se dado há mais de sete anos (no dia 17 de janeiro de 2006), o processo de demarcação e titulação de suas terras vem se arrastando desde então.

O Relatório Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-cultural da comunidade foi concluído em agosto de 2008; em março de 2009, o Incra publicou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) reconhecendo a legitimidade do território reivindicado pelo Quilombo de Mangueiras. Em 23 de agosto de 2010, terceiros interpuseram recurso administrativo junto ao Conselho Diretor do INCRA impugnando o relatório em questão. Foram precisos dois anos para que o Incra se manifestasse sobre a impugnação: em 19/07/2012, o recurso foi julgado improcedente.

A etapa seguinte do procedimento seria então a prevista no art. 17 da Instrução Normativa n° 57/2009 do Incra, segundo a qual, concluída a fase de contestação, o presidente da autarquia deverá publicar portaria reconhecendo e declarando os limites da terra quilombola, no prazo de 30 dias, sem possibilidade de prorrogações.

Dezesseis meses depois, isso ainda não ocorreu.

Por isso, a ação pede que a Justiça Federal determine ao presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária publicar, de imediato, a portaria que reconhece e declara os limites da terra quilombola, tomando todas as providências necessárias para finalizar, com celeridade, o processo administrativo de identificação, reconhecimento, demarcação e titulação relativo à Comunidade de Mangueiras, com a realização de todos os atos materiais correspondentes no prazo de um ano, sob pena de aplicação de multa de R$ 100 mil por mês.

Evento na UFMG
 – Nesta semana, o MPF em Belo Horizonte realizou dois atos durante os quais se discutiu não só os direitos de comunidades quilombolas, como a questão do preconceito e da discriminação racial.

Na segunda-feira, 18, foi realizada audiência pública no auditório da Faculdade de Direito da UFMG sobre a ocorrência de trotes violentos e discriminatórios no âmbito daquela universidade. Durante a audiência, o professor Rodrigo Ednilson, coordenador-geral do Programa Ações Afirmativas da UFMG ressaltou que aquele era o primeiro evento da Semana da Consciência Negra promovido este ano na UFMG, embora a iniciativa tenha partido do MPF.

De acordo com Edmundo Antônio Dias, “o trote deita raízes no passado autoritário brasileiro e não há solução possível para a questão sem o envolvimento da comunidade acadêmica, sobretudo do seu corpo discente. Daí a iniciativa de realização da audiência pública, que busca estabelecer a proximidade e o diálogo com a universidade em geral”.

Na quarta-feira, dia 20, o procurador regional dos direitos do cidadão reuniu-se com representantes do Incra e da Federação Nacional dos Quilombolas para tratar dos obstáculos que impedem a regularização fundiária das comunidades quilombolas em Minas Gerais. A demora na tramitação dos processos de reconhecimento das comunidades e de demarcação e titulação dos respectivos territórios foi admitida pelo Incra e justificada pela inexistência de pessoal suficiente para elaboração dos estudos.

O destaque da reunião foi a sugestão encaminhada pela representante da Federação no sentido da criação de uma Representação Regional da Fundação Cultural Palmares, à semelhança do que ocorre em Alagoas, Maranhão, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Minas Gerais ainda não possui uma representação regional do órgão encarregado de conduzir o processo de autorreconhecimento das comunidades quilombolas, apesar de estar entre os estados com maior número desses grupos no país.

Comments (1)

  1. Muito bom suas publicação me ajudou muito pois vou fazer minha monografia relacionada a esse quilombo, estou formando em história. Gostaria de ter mais informação, para que possa melhorar meu trabalho.
    muito obrigada. Sônia

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