Cerca de 180 pessoas participam de audiência pública sobre terras quilombolas

Foto: Israel Lima/MPF
Foto: Israel Lima/MPF

Evento na Procuradoria Geral da República marcou o Dia da Consciência Negra

Procuradoria Geral da República

Aproximadamente 180 pessoas, entre quilombolas e representantes de órgãos públicos, participaram de audiência pública nesta quarta-feira, 20 de novembro, no Auditório Juscelino Kubitschek da Procuradoria Geral da República, em Brasília. O evento, promovido pelo Ministério Público Federal, marcou o Dia da Consciência Negra.

Conduzida pela subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (populações indígenas e comunidades tradicionais), Deborah Duprat, a audiência foi pautada, principalmente, por reivindicações de lideranças quilombolas em relação à regularização de seus territórios tradicionais. Os questionamentos foram respondidos por representantes de instituições públicas vinculadas à questão.

Uma das críticas mais incisivas partiu de Rosimeire dos Santos, quilombola da comunidade Rio dos Macacos, na Bahia, que há cerca de quatro décadas vive conflito com a Marinha por estar na mesma área da Base Naval de Aratu. Segundo ela, os quilombolas sofrem violência, principalmente psicológica, por parte dos militares. “As pessoas tem armas apontadas para a cabeça. Quando ligamos pra pedir um médico, a primeira coisa que fazem é chamar a segurança; a Marinha de guerra não deixou a gente estudar”, disse. Rosimeire apresentou diversas fotos de militares armados dentro da área da comunidade, além de imagens retratando a precariedade da vida no local, como a falta de água potável.

O chefe de gabinete do ministro da Defesa, Antônio Thomaz Lessa, comprometeu-se com a reforma de casas na comunidade e agendou vistoria inicial para a próxima sexta-feira. “A agenda do ministro está mobilizada para a questão, que temos toda a intenção de solucionar”, afirmou. Lessa admitiu que existe tensão no convívio entre militares e quilombolas, concordou que proposta de solução recentemente apresentada pelo governo federal “não foi boa, porque não partiu das necessidades da comunidade” e disse que o assunto precisa ser melhor equacionado. Quanto às fotografias apresentadas por Rosimeire, afirmou que nunca as havia visto e que levará ao conhecimento do ministro.

Em outro momento, o procurador regional da República Daniel Sarmento, membro do MPF que há anos atua em ações relativas aos quilombolas, definiu a política atual de regularização como  “racismo institucional”. Segundo Sarmento, embora esteja expresso na Constituição que é dever do Estado emitir os títulos de propriedade aos remanescentes de quilombos que estejam ocupando suas terras, até hoje, não se caminhou praticamente nada: “O tempo passa e as comunidades vão perdendo força. Filho e netos não ficam lá. As comunidades vão desaparecendo. Por que há processos que ficam anos parados no gabinete do presidente do Incra?”.

Conforme o presidente do Incra, Carlos Guedes, a judicialização é um dos fatores que mais atrasa a obtenção dos títulos. Como exemplo, mencionou os casos que chegam na fase de desapropriação e que são paralisados por decisões do Judiciário.

O ponto foi rebatido pelo procurador da República Leandro Mitidieri. Segundo ele, de 1286 processos administrativos em tramitação no Incra, apenas 183 chegaram à fase de ajuizamento para desapropriação. Além disso, “desses 183, 104 tiveram imissão de posse concedida” (quando, logo no início da ação, o juiz já emite define que a posse é do Incra e não mais de quem estava ocupando a terra até então).

Guedes também informa que, recentemente, a autarquia criou mesas de negociação permanentes, em nível nacional e regional, para tratar especificamente da questão quilombola. Além disso, diz que o Incra está adotando políticas diferenciadas para casos diferentes como os de terras públicas e os terras privadas.

Ao final, Deborah Duprat avaliou a audiência como um momento de avanço. “Não saímos com soluções porque este é um momento propício, mesmo, para reflexão. Daqui por diante, precisamos avançar de ambos os lado: com fortalecimento do movimento quilombola e com mais respostas por parte do governo federal”, resumiu.

Mesa – Também participaram do evento o secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Roberto Martins Maldos; os deputados federais Érika Kokay e Domingos Dutra; o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo; a procuradora federal na Fundação Cultural Palmares, Dora Bertulio; Silvany Euclênio, representante da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial da Presidência da República; Ana Paula Villas Bôas, representante da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos; a vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Ellen Woortmann; a diretora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Célia Corfino; e Arilson Ventura, representante da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas.

Pelo MPF, além de Deborah Duprat, compôs a mesa o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Virgílio Veiga Rios. Outros procuradores da República também estiveram presentes.

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