Observatório de Favelas – “Racismo: um problema para as políticas públicas”

Peça da campanha Juventude Marcada para Viver (#JMV)
Peça da campanha Juventude Marcada para Viver (#JMV)

Editorial do Observatório de Favelas

Essa edição do Notícias & Análises traz contribuições para fortalecer um debate dos mais necessários em nosso país: as diferentes faces do racismo, com destaque para sua expressão mais brutal: a quantidade de assassinatos de jovens negros. Somente no Rio de Janeiro, foram registrados no ano passado 1.418 homicídios de pessoas entre 15 e 29 anos, das quais 1.078 eram jovens negros. Também em 2012, no RJ, 416 pessoas foram mortas em ações da polícia, 298 eram negras e 125 eram jovens negros.

Os três conteúdos dessa edição mais que especial dialogam diretamente com uma das ações mais importantes do Observatório de Favelas no ano de 2013. Foi justamente para contribuir com a transformação desse quadro de naturalização do racismo e hierarquização do valor da vida, que um dos projetos de que temos mais orgulho, a Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), criou a campanha Juventude Marcada para Viver. A iniciativa, lançada no domingo (10) com um grande evento no Parque de Madureira, chama a atenção da sociedade e do Estado para a necessidade de ações que reduzam a quantidade de homicídios, em especial entre jovens negros.

A questão é que mesmo com um perfil tão bem definido para as vítimas, as respostas das políticas públicas no desenvolvimento de ações voltadas para esse público — jovens, negros, do sexo masculino — têm sido tímidas ou nulas. Nunca é demais recordar que o papel de uma política pública é o de interromper círculos de desigualdade. Portanto, cabe exigir que a gestão pública, nas diferentes esferas e áreas, invista em ações de enfrentamento do racismo, uma vez que a variável raça apresenta uma demarcação tão evidente nesse quadro de homicídios.

De nossa parte, entendemos ser o próprio racismo o maior entrave para que as instituições respondam às injustiças raciais, com ações que tenham como fim o enfrentamento do racismo. Equação que parece óbvia, mas não é. Por esta mesma razão, produziu-se uma compreensão distorcida da segurança pública segundo a qual o extermínio seria um indicador sucesso. Esta concepção, no mínimo deslocada do conjunto de valores democráticos, continua orientando ações policiais nos territórios populares, que, como se sabe, são majoritariamente negros.

Por isso a campanha da Espocc, cujo slogan é “Meu destino é viver!”, além de estratégias voltadas para as redes sociais e ações de marketing de guerrilha na Região Metropolitana do Rio, tem como meta a coleta de assinaturas em favor do compromisso público do governo estadual com um protocolo normativo da ação policial. Esse documento propõe medidas de caráter emergencial como: a introdução de conteúdos sobre relações raciais e geracionais na formação de agentes de segurança; priorização de ações de inteligência e de controle do uso de armas e munições; obrigatoriedade da identificação dos policiais em qualquer ação e o uso de mandados judiciais individuais para entrada em casas; regulação ou, no limite, a proibição do uso de equipamentos, armas e munições que provoquem risco injustificado; e proibição do uso de armas de fogo a partir de helicópteros policiais.

O protocolo visa responsabilizar diretamente o governo do estado por ações policais como aquela ocorrida no fim de junho desse ano no conjunto de favelas da Maré, que resultou na morte de dez pessoas: nove moradores e um policial. Essa operação, marcada pela lógica do confronto, colocou em evidência um tipo de ação policial recorrente nas favelas cariocas, que tem como principais vítimas os jovens negros.

Apesar de gritante, a desigualdade na distribuição dos homicídios entre jovens negros e brancos — onde as chances de ser assassinado no primeiro grupo se multiplicam por três no RJ — não parece causar estarrecimento. No Brasil é mais que recorrente o tópico “discriminação velada” quando o tema é o racismo. Tanto a campanha quanto esta edição do Notícias & Análises querem que o leitor se depare com o racismo que não se esconde — que o digam os dados! –, mas se reproduz em sua naturalização.

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