Juízes demandam que Ministro da Justiça assine portaria da TI Tupinambá de Olivença

Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, 2012, por Daniela Alarcon
Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, 2012, por Daniela Alarcon

Assessoria de Comunicação Cimi

“Não é razoável que, decorridos mais de quatro anos, o Ministério da Justiça não consiga decidir o que fazer”, afirma a nota da Associação Juízes para a Democracia (AJD) em relação à Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que aguarda a assinatura da portaria declaratória pelo ministro José Eduardo Cardozo. Este é o procedimento que falta para que o processo demarcatório se encaminhe para as etapas finais. De acordo com dados da Funasa para 2009, cerca de 4.700 Tupinambás vivem na área, localizada em porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia.

Há mais de um mês, a situação no extremo sul da Bahia é bastante tensa desde que o povo Tupinambá retomou fazendas que estão dentro da área identificada como indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Força de Segurança Nacional chegou no município de Buerarema no dia 14 de agosto com o objetivo de frear a escalada de violência contra o povo Tupinambá, mas não teve êxito.

Um caminhão que transportava estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro foi alvejado em uma emboscada. Posteriormente, não-índios atearam fogo em veículos de órgãos públicos e em um ônibus escolar. Indígenas que vivem na zona urbana de Buerarema tiveram suas casas e bens pessoais incendiados. Os Tupinambás vêm recebendo ameaças cotidianas e tiveram parte de sua produção agrícola (cacau e farinha de mandioca) roubada; não-indígenas que os apoiam sofreram tentativas de linchamento; comerciantes identificados com os índios tiveram suas lojas atacadas. Por razões de segurança, os indígenas não têm saído da aldeia, o que impede o acesso a serviços de saúde e acarreta significativos prejuízos econômicos, ao impossibilitar a comercialização da produção agrícola.

Diante da gravidade da situação, a Associação Juízes para a Democracia enviou, no último dia 16, uma carta ao ministro da Justiça, solicitando que ele “reverta este quadro dramático, concretizando os direitos constitucionais atribuídos aos índios, tomando as providências no âmbito do Ministério da Justiça para regularização das terras indígenas do sul da Bahia, com a urgência que o caso requer”.

Leia abaixo a carta na íntegra:

Exmo. Sr. Ministro da Justiça, Dr. José Eduardo Cardozo.

Ref: Terra Indígena Tupinambá – Bahia

A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental, sem fins lucrativos e corporativistas, que congrega juízes de todo o território nacional e instâncias, cujos objetivos estatutários são, dentre outros, a defesa dos direitos das minorias na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, para expor e requerer o quanto segue:

A Associação Juízes para a Democracia foi uma das coordenadoras da Campanha “Eu Apoio a Causa Indígena”, que foi entregue, em mãos, a Vossa Excelência, por representantes dos povos indígenas, no momento em que Sua Excelência era ouvida na Câmara dos Deputados, no dia 04 de dezembro de 2012. Naquela oportunidade, foram por eles apresentados os termos da Campanha e o rol dos apoiadores: indigenistas, entidades indígenas, de direitos humanos e as cerca de vinte e uma mil assinaturas de apoiadores da causa, dentre os quais constaram, entre os primeiros, Antonio Candido, Kabengele Munanga, Noham Chosmky, Eduardo Galeano, Dalmo de Abreu Dallari, Fabio Konder Comparato, Milton Hatoun, Fernando Morais, Wagner Moura, Leticia Sabatela, Boaventura de Sousa Santos, Marilena Chauí, José Celso Martinez Corrêa, etc…

Destacamos, na oportunidade, que o Estado brasileiro fomenta a violência, por sua inércia, ao não cumprir a Constituição Federal, que determina que a União deveria ter concluído a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir de 1988.

Nessa questão, o Brasil também assumiu compromissos internacionais, especialmente indicados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, os quais obrigam o Brasil a tomar medidas necessárias para identificar terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas e garantir a efetiva proteção de seus direitos.

O processo de identificação da Terra Indígena Tupinambá, no sul da Bahia (Olivença), teve início apenas em 2004 e, somente em abril de 2009, a FUNAI aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a TI em porções que se localizam nos municípios de Buerarema, Ilhéus e Uma (DOU – 20.4.09).

O relatório circunstanciado foi encaminhado a Vossa Excelência para o ato seguinte do procedimento, mas até hoje, ultrapassado longamente o prazo de 30 dias, determinado no decreto 1775/06, aguarda-se posição de Vossa Excelência, para expedição da portaria declaratória. Certo que, na hipótese de haver ocupantes não índios na área sob demarcação, os quais tenham perfil de usuários da reforma agrária, seja dada prioridade ao reassentamento, nos termos do decreto; ou, se outro for o entendimento, que seja desaprovada a identificação.

Não é razoável que, decorridos mais de 4 anos, o Ministério da Justiça não consiga decidir o que fazer.

Nos últimos dois meses, a tensão existente no sul da Bahia se agravou. A violência é alarmante em Buerarema, Ilhéus e Uma, tanto que para lá foi deslocada a Força Nacional. Mas estamos cientes de que o único caminho para cessar a violência e garantir justiça para todos os envolvidos é a demarcação das terras.

A falta de delimitação e demarcação dos territórios tradicionais aguça os conflitos que se retroalimentam da inoperância o Estado. Os indígenas sofrem diariamente violações das mais diversas e os não indígenas também são impactados pela morosidade do processo demarcatório, vivendo uma situação de indefinição.

Apelamos para que Vossa Excelência reverta este quadro dramático, concretizando os direitos constitucionais atribuídos aos índios, tomando as providências no âmbito do Ministério da Justiça para regularização das terras indígenas do sul da Bahia, com a urgência que o caso requer.

Aproveitamos o ensejo para nos colocar à disposição de Vossa Excelência.

São Paulo, 16 de setembro de 2013.

Kenarik Boujikian Felippe
Presidenta do Conselho Executivo
Associação Juízes para a Democracia
CNPJ 65.518.532/0001-60

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