Chile: Ata secreta revela vínculos entre Corte Suprema e ditadura de Pinochet

foto_mat_43580Quase 40 anos depois, informações sobre encontro entre integrantes da Corte Suprema e membros da junta militar, recolhidos na ata secreta 165ª, revelam proximidade e conivência que se gestou entre o Poder Judiciário e o Governo Militar após petição por maiores subsídios e aposentadorias para os juízes

El Mostrador

Santiago – A reunião entre o presidente da Corte Suprema, Enrique Urrutia Manzano e outros ministros, com membros da Junta de Governo, liderados por Augusto Pinochet, tinha como eixo principal a petição dos juízes para que melhorassem suas pensões. Em meio às negociações, os magistrados se manifestavam abertamente em apoio e lealdade à “nossa Junta de Governo”. Recalcando o trabalho cotovelo com cotovelo e a necessidade de solucionar problemas “amistosamente, para que as coisas não transcendam para fora”.

Às 16 horas do dia 30 de outubro de 1974, o então presidente da Corte Suprema, Enrique Urrutia Manzano, junto a outros três magistrados, se reunia secretamente com integrantes da Junta de Governo liderada por Augusto Pinochet.

Quase 40 anos depois, fragmentos do discutido em dito encontro, recolhidos na ata secreta 165ª, falam da proximidade e conivência que se gestou entre o Poder Judiciário e o Governo Militar, em meio à petição de maiores subsídios e aposentadorias por parte dos juízes.

Junto a Urrutia Manzano, compareceram à reunião seus sucessores à cabeça da Corte Suprema, José María Eyzaguirre e Israel Bórquez, além de Juan Pomés. Este último, junto a Bórquez e Urrutia Manzano, havia se reunido secretamente no mesmo dia do Golpe Militar, que apoiaram abertamente, segundo consta no Libro Negro da Justicia Chilena, de Alejandra Matus.

Famosa se fez a frase de Israel Bórquez: Os desaparecidos “me tienen curco” (“já me encheram o saco”). Enquanto o discurso de abertura do ano judicial de 1975 de Urrutia Manzano, que depois do Golpe se adiantou em investir o general Pinochet com a faixa presidencial, em uma clara manifestação de respaldo à ditadura negou taxativamente a existência de detidos desaparecidos ou de torturas e “outras atrocidades”.

Enquanto isso, o ministro Eyzaguirre havia aceitado com gosto somar-se a uma turnê governamental pela Europa em 1974, junto ao presidente do Colégio de Advogados, Alejandro Silva Bascuñón e o advogado Julio Durán, cujo fim era explicar as razões e fundamentos do Golpe.

O tema principal do encontro secreto nessa tarde de outubro à que compareceram estes magistrados, se referia à situação previdenciária do Poder Judiciário. Especificamente a necessidade, segundo afirmavam os magistrados presentes, de impulsionar um projeto pendente que favorecia os montepios das viúvas de Ministros e as aposentadorias dos mesmos com motivo de 35% de assinação profissional.

A respeito, Eyzaguirre afirmava que a Corte Suprema estava consciente da “situação extremamente grave do ponto de vista financeiro em que se encontra o país. Estamos conscientes de que os senhores membros da Junta de Governo receberam uma herança fatal e desesperada. Não nos atreveríamos a vir propor à Honorável Junta de Governo uma situação que significasse um maior gasto público, porque consideraríamos uma falta de patriotismo de nosso atuar pedir uma cosa assim (…)”.

Urrutia Manzano agregava que “vocês têm uma testemunha presencial a quem podem interrogar sobre isto: o Auditor Geral de Guerra, que uma vez por semana está precisamente na primeira sala, na Sala minha, trabalhando conosco. Ele viu quantas vezes a Corte Suprema correu riscos para evitar que se deslize um comentário no exterior (do país) que pudesse prejudicar a nossa Junta de Governo, pois isso a Corte Suprema não aceita, e procuramos com isso a maneira harmoniosa de sair do tranco para que não saia à publicidade algum erro que possa ter cometido algum fiscal”.

O que era secundado por Urrutia Manzano, que expunha diante dos militares que “como expressou o ministro Eyzaguirre, nós compreendemos a situação em que está a Junta e a situação do país. Prestamos o maior apoio possível que pudemos à Junta, porque estamos convencidos disso e o fizemos sinceramente, sem esperar nada. Mas hoje em dia nos encontramos em uma situação francamente insustentável (…) aí está o Ministro senhor Ortiz, que está pedindo permissão e mais permissão, e então, tenho aí um vazio e tão é assim, que nem quisemos nomear suplente”.

Mas é uma intervenção do ministro Eyzaguirre a que gráfica especialmente a extrema proximidade e colaboração entre ambos os poderes, e dá conta dos esforços dos juízes para trabalhar favorecendo os militares, evitando-lhes problemas no exterior e com a imprensa.

“O Poder Judicial foi maltratado desde muitíssimo tempo por uma razão muito simples: porque sempre foi tremendamente legalista; porque impôs o cumprimento da Constituição e das leis valentemente contra qualquer tipo de Governo. E ao atual Governo a Corte Suprema tem especial estima”.

O magistrado agregava que “vocês têm uma testemunha presencial a quem podem interrogar sobre isso: o Auditor Geral de Guerra, que uma vez por semana está precisamente na primeira sala, na minha Sala, trabalhando conosco. Ele viu quantas vezes a Corte Suprema driblou riscos para evitar que se deslize um comentário no exterior (do país) que pudesse prejudicar a nossa Junta de Governo, pois isso a Corte Suprema não aceita, e procuramos com isso a maneira harmoniosa de sair do tranco para que não saia à publicidade algum erro que possa ter cometido algum fiscal, por exemplo, alguma petição que não devia ter sido feita, e o solucionamos sempre assim, amistosamente, para que as coisas não transcendam fora do país, porque para nós é fundamental isso: a colaboração que nós possamos prestar à Junta de Governo honesta e sinceramente”.

Por sua parte, Urrutia Manzano recalcava que “isso está provando que se viemos até aqui é porque estamos em situação desesperada”. Os mimos também vinham do outro lado. Pinochet em pessoa respondia ao magistrado, que “o mesmo carinho que você me expressava em dias passados é o que nós temos por vocês”.

Os recursos de amparo
Entre setembro de 1973 e dezembro de 1983 os tribunais chilenos acolheram apenas 10 dos 5.400 recursos de amparo apresentados a favor de pessoas detidas ilegalmente por ordem das autoridades do Governo Militar.

Segundo um relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Chile da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o elevado número de recursos recusados obedecia principalmente à lógica adotada pelas Cortes chilenas nesses casos, que tinha dois pilares: dava plena fé aos relatórios ministeriais de que não se havia detido ao amparado, deixando absolutamente de lado as provas ou testemunhos que deram aval a denúncia. Ou, em caso de que as autoridades admitissem a detenção, os juízes faziam vista grossa porque havia sido uma prisão realizada legalmente.

A situação dos recursos de amparo foi tratada tangencialmente no secreto encontro do final de 1974 entre magistrados e militares.

Ao finalizar o extenso diálogo sobre as pensões, Urrutia Manzano desliza o tema:

“Tomando-me a liberdade, apenas desejo agregar algo completamente à margem disto. Temos problemas: os famosos relatórios dos Ministérios nos recursos de amparo. Tenho 300 relatórios pendentes. A petição da Corte Suprema, enviei a respeito um ofício ao Ministério de Defesa e ao Ministério do Interior. Chegaram 50 relatórios, mas restam 250, e agora chegaram outros 50 amparos. Compreendo a situação, mas lhe peço, senhor Presidente, se poderia acelerar isso, porque depois vem as reclamações”.

A resposta de Pinochet foi sucinta: “Há problemas por pessoas que se trasladam para fora. Também, por exemplo, ontem uma senhora estava buscando uma pessoa, mas havia entregado outro nome. Vou me preocupar com este assunto”.

Tradução: Liborio Júnior

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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