As Mulheres Agroextrativistas do Babaçu – A Pobreza a Serviço da Preservação do Meio Ambiente

O presente trabalho busca mostrar a importância de uma categoria de pequeno produtor familiar (as mulheres agroextrativistas do Maranhão ou quebradeiras de coco babaçu) que no setor agrícola local assume uma particularidade única. Não só pelo número, que representa 10% da força de trabalho da agricultura, mas,sobretudo, pelo papel que desempenha na preservação do meio ambiente, a favor da reforma agrária e no combate à exclusão social, da qual é vítima. Mostra-se ainda que o trágico quadro de pobreza em que estão inseridas essas mulheres se relaciona à devastação do seu principal meio de subsistência, o coco babaçu, e da política governamental implementada ao longo de décadas. No início dos anos 90, com a constituição de uma ONG (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB), elas têm lutado para dar um outro rumo à atuação do Estado e do agronegócio no que se refere ao meio ambiente. Este segmento social assume assim um papel que constitucionalmente caberia ao Estado executar, mas do qual se omite.

Benjamin Alvino de Mesquita2 – Agência Prodetec

1. INTRODUÇÃO

No Estado do Maranhão, três atividades produtivas se destacam no cenário agrário. Majoritariamente, tem-se a pecuária empresarial, a mais importante das três, oriunda da década de setenta, período de incentivos fiscais e crédito rural farto e barato; a ocupação com pastagens é de algo em torno de 5 milhões de hectares. Em seguida, a agricultura temporária, baseada, sobretudo, na cultura do arroz e da soja. A primeira, tocada à base do trabalho familiar, em pequena escala e articulada ao mercado nacional, muito importante até os anos oitenta, e a segunda, estruturada em base capitalista, que emerge no final dos anos noventa e tem por trás o médio e o grande produtor atrelado ao mercado internacional. A última atividade importante é o extrativismo do babaçu3. Sua relevância atual não se encontra no aspecto econômico (renda gerada, que já foi importante nos anos 70), que é declinante, mas no caráter eco/preservacionista, político e social que assumem seus atores sociais – as mulheres agroextrativistas ou quebradeiras de coco babaçu – através do seu principal organismo de atuação, o MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu).

No Maranhão, a atividade extrativa do babaçu, sob o ponto de vista de sua oferta, sempre esteve associada à agricultura familiar (AF) e se caracteriza por ser ultra-extensiva. A estimativa, de acordo com Almeida (1995), é de que haja uma área de 4.722.812ha efetivamente ocupada (1985, p. 18) e intensiva em mão-de-obra familiar; de acordo com o IBGE (1996), uma parcela significativa das 407.347 mulheres estabelecidas na atividade agrícola e que não recebem remuneração vincula-se à extração do babaçu (MESQUITA, 2001).

Por outro lado, embora a economia do babaçu esteja presente em quase todos os municípios do Estado (217) e, conseqüentemente, ocupe uma parcela importante da força de trabalho da agricultura, a sua área de concentração, de acordo com zoneamento ecológico, se restringe a um número reduzido de microrregiões e municípios (MESQUITA, 2001, p. 92).4 Essa região, ocupada por uma massa considerável de não-proprietários – arrendatários, parceiros e ocupantes – algo em torno de 251 mil (IBGE, 1996) e de alta concentração da terra e da renda monetária, é também o locus por excelência da pobreza rural (e feminina), onde ela é mais aguda e as desigualdades mais acentuadas, mas também é o território onde contraditoriamente esses excluídos lutam e barganham pela proteção do meio ambiente, contra a devastação de palmeiras (floresta) de babaçu, principal gerador de renda, e pela adoção de políticas públicas de inclusão social. Dentre os atores sociais desse embate, destacam-se as chamadas quebradeiras de coco babaçu ou mulheres agroextrativistas do babaçu (ALMEIDA, 1995b).

2. A MUDANÇA QUE PENALIZA OS EXCLUÍDOS
Nas últimas três décadas, notáveis transformações se fizeram presentes em todos os setores econômicos – agricultura, indústria e, sobretudo, no comércio e nos serviços. Entre 1970 e 1990, foi de 8,8% a taxa de crescimento do PIB do Estado e das atividades relacionadas, o que evidencia tais mudanças (MESQUITA, 2006).

No caso do setor agrícola, que nos interessa mais de perto, as mudanças podem ser detectadas nas relações de produção e na representação política (o surgimento de inúmeras organizações de trabalhadores rurais combativos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST e o MIQCB). Na parte referente à questão agrária, por exemplo, múltiplos aspectos chamam a atenção – concentração fundiária, avanço do trabalho assalariado, declínio dos pequenos produtores sem terra e queda na produção de alimentos básicos, além dos impactos ambientais advindos da expansão da pecuária e do agronegócio, especialmente no que se refere ao desmatamento de regiões voltadas ao extrativismo do babaçu (ALMEIDA, 2005).

Um aspecto, no entanto, ficou paralisado, o perfil fundiário do Estado do Maranhão; a terra continua muito concentrada; o alto índice de Gini relativo à posse da terra (0,901) corrobora essa assertiva (PORRO, 2004).

Fato semelhante pode ser observado na condição do produtor. Os mini, isto é, com menos de 10ha, e os grandes, acima de mil hectares, perderam espaço, em termos de número e de área apropriada, para os pequenos (abaixo de 100ha) e médios produtores (abaixo de 1.000ha). Nesta contenda, o grupo de não–proprietários, os sem terra, foi o maior prejudicado em todos os sentidos.

Entre 1970 e 1995, sua participação decresceu 22% e 53% em número e área, respectivamente(IBGE, 1970, 1996).

No que se refere às relações de trabalho, percebe-se que, apesar do avanço do agronegócio no Maranhão, o trabalho familiar (membro não-remunerado da família – MNRF), que constitui ainda a base de sustentação para as atividades não-capitalistas – a agricultura familiar e o extrativismo –, continua importante (80% em 1995, mas 5% menor em relação a 1970), apesar do avanço (327%) das relações de assalariamento, temporárias e permanentes, em igual período.

Na parte produtiva ligada à agricultura familiar – arroz, mandioca e babaçu –, houve um encolhimento da área plantada e do volume colhido, desde a segunda metade dos anos oitenta, enquanto a agricultura empresarial (soja) se expandia vigorosamente (mais de 20% a.a.). Esse fenômeno está articulado, de um lado, à política comercial inerente ao modelo neoliberal e, de outro, ao lobby de cada uma dessas categorias de produtores na indução de medidas favoráveis à sua atividade, e não de pressão relacionada à expansão da área com pastagem e do crescimento do rebanho.

3. POLÍTICA GOVERNAMENTAL, DESMATAMENTO E EXTRATIVISMO DO BABAÇU

Nos últimos anos, as repetidas altas taxas de desmatamento da Amazônia Legal (inclusive o Maranhão), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em torno de 15.000 km², viraram motivo de preocupação de todos os envolvidos com o meio ambiente. Na maior parte, o fim a que se destina o desmatamento é a pecuária extensiva que a cada dia ganha novos adeptos, inclusive entre pequenos produtores (AF).

Essa expansão, até 1985, esteve associada fundamentalmente aos benefícios governamentais e outros como a garantia de mercado, segurança e liquidez que a pecuária representa frente à agricultura familiar e ao extrativismo. Mais recentemente (final de 1990), a expansão e a transformação da pecuária ligam-se também a esses fatores (exceção dos incentivos fiscais) e às perspectivas que o mercado, nacional e internacional, sinaliza em termos de rentabilidade e dos custos marginais menores que a implantação de novas pastagens representa, em relação à recuperação das áreas degradadas anteriormente, na década de oitenta. Tal fato ocasionou mudança na paisagem em termos de uso e do acesso à terra, ao substituir milhões de palmeiras por capim e de privatizar de forma ilegal5 milhões de hectares de terra, cujo acesso passa a ser dificultado à coleta de babaçu.

Mais grave do que o desmatamento, que avança inexoravelmente em todas as direções, sem qualquer ação efetiva que freie essa tendência, é a questão da reprodução de uma estrutura econômica e social cada vez mais injusta, que não acena para qualquer tipo de mudança favorável aos segmentos excluídos e força outros a se submeterem a uma lógica de mercado apoiada pelo governo, que só é adequada ao capital (ALMEIDA et al, 2001; MIQCB/DFID, 2003).

O extrativismo do coco babaçu, segundo estudo da Secretaria do Meio Ambiente de 1982, abrange 30% da área geral do Estado (320 mil / km2); as microrregiões mais representativas (em produção) são as do Médio Mearim, Codó, Pindaré e Baixada Maranhense. Mas, em termos de taxa de crescimento, outras microrregiões também estão presentes – Chapadinha e Baixo Parnaíba (MESQUITA, 2001).

Relacionando o desempenho da atividade extrativa com outras variáveis, entre 1970 e 1995, percebe-se, pela figura 1, uma certa estagnação da produção extrativa, que se relaciona com a cultura do arroz, com a situação de não-proprietário e com o trabalho familiar, e, de outro lado, com a expansão da pecuária empresarial e o desmatamento6.

ima.13

Não há dúvida de que a pecuária, nos moldes em que se realiza no Estado, extensivamente, juntamente com a monocultura da soja e do eucalipto, ao disputar de forma desigual recursos financeiros (escassos e limitados) com outras atividades, a exemplo da agricultura familiar e do extrativismo do babaçu, constituiu um fator de pressão, especialmente no período de crédito subsidiado e de incentivos fiscais (década de 70), contra a expansão destes pequenos produtores atrelados à pequena produção familiar.

Levando em consideração as mesorregiões do Estado e o período de 1970/1995, nota-se um declínio de 6% na oferta geral, embora as mesorregiões Centro e Oeste apresentem um desempenho positivo, respectivamente 9% e 4%. Essa performance declinante do extrativismo está relacionada à abertura do mercado local à concorrência, no final dos anos 80, do óleo asiático de palmiste7, principal substituto do óleo de babaçu na indústria de cosméticos e de óleo comestível, que prossegue no governo Collor8; este aprofundou ainda mais a crise do babaçu9, seja no aspecto da coleta, que diz respeito às quebradeiras, seja no setor industrial, escoadouro desta matéria-prima10. O resultado foi uma violenta compressão da renda desta categoria de produtores (ALMEIDA, 2005; MESQUITA, 2006).

4. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, POBREZA RURAL E EXCLUSÃO SOCIAL
Apesar do desenvolvimento econômico alcançado pelo país em termos de crescimento da renda real per capita, esse aspecto em quase nada contribuiu para melhorar a situação de milhões de pobres, especialmente daqueles que se localizam no meio rural. Dados de diferentes fontes (IBGE, IPEA, PNUD, entre outros) constatam essa crua realidade, em particular de regiões como o Norte e o Nordeste do país. Tomando-se como referência o conceito de linha de pobreza ou o de extrema pobreza,11 percebe-se que houve até um declínio relativo entre 1991 e 2000 no Nordeste (saiu de 85% para 77%). No entanto, o contingente populacional nesta categoria ainda conta-se em milhões.

E a perspectiva de mudança a curto e médio prazo não é nada alentadora, porque as principais atividades de tal segmento populacional – a agricultura familiar, a pecuária de pequeno porte e o extrativismo – pouco têm contribuído em termos de geração de renda que altere esse quadro trágico a que se encontra submetido (TANGERMANN, 2005).

Na realidade, como aponta Tangermann (2005) a situação deteriorou-se para cerca de 1/3 das famílias brasileiras que vivem abaixo da linha de pobreza. Mais recentemente, o que tem minimizado esse quadro de pobreza são os programas especiais do tipo Bolsa Família; mesmo assim, ainda uma parcela importante desses párias brasileiros não está incluída em programa do gênero.

Neste quadro lamentável, o Maranhão se destaca como o Estado onde esses índices de exclusão são os mais acentuados e com tendência a prevalecer, dado o imobilismo que reina no enfrentamento da questão e a dificuldade real de crescimento que se verifica na agricultura familiar (que responde pela produção de alimentos básicos) e no extrativismo do babaçu, atividades essas onde se encontra a parcela maior dessa população excluída.

A característica básica do Maranhão nos remete a um subdesenvolvimento crônico que se articula a um modelo econômico equivocado de desenvolvimento, que só faz aprofundar as desigualdades herdadas do período colonial entre pobre e ricos, e entre o rural e o urbano. As tão propagadas vantagens em termos de taxas de crescimento significativas que se registram no Maranhão entre 1970 e 1990, superiores às do Brasil e do Nordeste, não significam muita coisa, dado que a apropriação da riqueza passou ao largo do setor rural e em particular de categorias de produtores frágeis social e politicamente, como é o caso dos pequenos produtores e das mulheres extrativistas do babaçu.

Esse fenômeno pode ser observado tomando como referência alguns índices, tais como o de pobreza (renda per capita) ou outro mais amplo, como o Índice de Desenvolvimento Relativo (IDR), que afere a qualidade de vida da população dos municípios, construído por Lemos (1999). Segundo o autor, 2/3 da população do Estado se encontram num quadro de pobreza. Para o meio rural, a estimativa ainda é maior, cerca de 78%. Dos cem municípios com menor IDR, vinte e cinco estão no Maranhão; de forma análoga, dos 100 municípios de pior desempenho em termos de renda média mensal per capita do chefe da família, o Maranhão participa com 13! (LEMOS, 1999).

A questão central, que responde pela precariedade dos indicadores sociais e econômicos, arrolados pela literatura, especialmente da população rural maranhense, articula-se com o acesso e o uso do principal e fundamental meio de produção – a terra – e o acesso a recursos naturais que estão cada vez mais privatizados, como é o caso de terras públicas com babaçu e dos campos inundáveis da Baixada Maranhense, dos quais depende essa população de excluídos que sobrevivem do extrativismo e da agricultura de subsistência em terras de terceiros. Como as duas atividades estão há muito relegadas, sem política pública e jogadas à própria sorte, o perfil da pobreza rural tem pouca chance de alterar-se no Estado.

5. AS MULHERES DO AGROEXTRATIVISMO DO BABAÇU – GERAÇÃO DE RENDA, BANDEIRAS E ESTRATÉGIAS

5.1 Jornada de trabalho e geração de renda no extrativismo
Os pequenos produtores proprietários ou não-proprietários (parceiros, arrendatários e ocupantes) são os maiores responsáveis pela produção extrativa do babaçu, e no centro desta atividade e também da agricultura familiar estão as mulheres. Elas, como se sabe, desempenham na agricultura uma dupla jornada, já que, além do trabalho produtivo propriamente dito (na roça e no extrativismo), são também donas de casa, educadoras etc. Por outro lado, essa sua posição no trabalho extrativo do babaçu dá à mulher um “status” e uma responsabilidade, que é a da manutenção da família durante a safra do babaçu (setembro a fevereiro). É ela que, durante esse período, através da venda do babaçu, consegue manter a subsistência da casa, já que a roça está em fase de preparação. Embora essa renda não seja significativa (para os padrões da agricultura comercial), ela é essencial e, às vezes, a única fonte disponível de renda (diária) com que essas mulheres podem contar com segurança. As outras fontes de renda (trabalho temporário, doméstico, artesanal) dependem de terceiros e são conjunturais12.

Grosso modo, tomando como referência estudos já realizados, como os autores já citados anteriormente, a renda mensal da trabalhadora alcançaria algo em torno de R$ 120,00 na melhor das hipóteses, ou menos de 1/3 do salário mínimo atual de R$ 380,00.13

5.2 Dimensão, condição e localização da força de trabalho
Embora o IBGE ainda não informe a dimensão desta força de trabalho em termos específicos, ou seja, por categoria de produtor na atividade, já há estudos que enveredam por esse caminho, a exemplo de Shiraishi Neto (2000), Almeida (1995), MIQCB/DFID (2001), Porro(1995) e Mesquita (2001), e que nos dão a real importância deste segmento de trabalhadores rurais dentro do Estado. Mesquita (2001), baseado em dados do último censo (IBGE, 1996) estimou e quantificou o número de quebradeiras que se vinculam à atividade extrativa do babaçu; de acordo com o estudo haveria cerca de 135 mil mulheres nesta atividade; isso representaria algo em torno de 10% da força de trabalho total da agricultura (1.3331.000) no Estado do Maranhão naquela data do censo. O professor Shiraishi afirma que 82% das quebradeiras de coco babaçu são constituídas pela categoria de não-proprietário (2000 p. 44). A explicação de tais trabalhos passa pela questão da dificuldade de acesso à terra. Boa parte delas é de posse, herança, arrendadas ou de favor (cedidas por terceiros – fazendeiros, donos de lotes nos Projetos de Assentamento do Incra etc.).

Essa condição explica em parte por que a maioria das quebradeiras é classificada como sem terra ou ainda como minifundistas e estão incluídas dentre as categorias que vivem na linha ou abaixo da linha de pobreza. Um número considerável de mulheres há muito tempo estão residindo nas pontas de rua das cidades ou na beira das estradas, entre a faixa de terra das rodovias e as fazendas particulares, sendo qualificadas como tais (SHIRAISHI NETO, 2003, p 44). Nessas condições, essa mulheres quebradeiras estão obrigadas a pagarem renda a terceiros para terem acesso à coleta da matéria-prima (coco babaçu nas fazendas). Outras que detêm a posse da terra não pagam tal renda, mas estão submetidas na etapa da comercialização do produto a processo de exploração semelhante àqueles anteriores, já que estão no mesmo circuito do capital comercial responsável pela compra do babaçu. As quebradeiras de coco são numerosas nas mesorregioes do Médio Mearim, Codó, Caxias, Pindaré, Baixada Maranhense e Chapadinha.

5.3 A organização política (o MIQCB), bandeiras e embates
É no contexto de descrédito por parte de governos neoliberais do início dos anos noventa, e no embate entre lógicas diversas – de um lado, as mulheres extrativistas, de outro a burocracia estatal e os empresários do agronegócio –, aliado à luta cotidiana de longas datas na superação de obstáculos à sobrevivência, que emerge o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Com uma área de atuação abrangendo quatro estados (Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí), essa articulação de trabalhadoras rurais voltadas ao extrativismo do babaçu vem continuamente conquistando espaço político para suas propostas e reivindicações, sobretudo no plano nacional junto a órgãos institucionais e ministérios. O objetivo principal é a preservação do meio ambiente, em particular a questão do desmatamento ilegal do babaçu, ou seja, a derrubada clandestina, e a busca de meios de manutenção de atividades econômicas sustentáveis, como a exploração e beneficiamento do babaçu, num formato livre de intermediários, seja da terra (grandes proprietários), seja da comercialização (o comerciante e as empresas beneficiadoras da matériaprima – amêndoa do babaçu).

Embora o movimento se constitua, sobretudo, de trabalhadoras extrativistas que também são agricultoras familiares, essas mulheres, representantes legítimas do quadro de pobreza do Estado, nesse curto espaço de tempo em que estão formalizadas e na linha de frente do embate com diferentes segmentos, alguns reacionários à sua proposta de atuação na causa ambiental e na redução da pobreza, têm assegurado espaço e respeito político e obtido algumas respostas a suas demandas universais que outras ONGs não obtiveram.

O MIQCB, através de sua representação, reúne inúmeros atributos que poucas organizações com mais tempo de atuação ainda não conseguiram. De um lado, ressalta-se o caráter de gênero da organização e o endosso à questão do desenvolvimento sustentável como a bandeira principal do 8 processo de preservação ambiental. Em outro plano, organiza-se em termos de clubes e associações de mulheres, representação política em câmaras municipais, entidades e instituições. E, por fim, também se preocupa com a produção de conhecimento científico como meio de apoio que lhe possibilite conhecer adequadamente a sua realidade e assim obter elementos para o enfrentamento com a burocracia estatal e o empresariado do agronegócio.

5.4 As estratégias de enfrentamento
No enfrentamento e na busca de melhores condições de vida, que se traduzem na diminuição das desigualdades, seja do acesso à terra, seja da melhoria de renda, as mulheres agroextrativistas, através do MIQCB e também de outras instituições e entidades, a exemplo da Associação dos Assentados do Médio Mearim (ASSEMA) e da Cooperativa das Mulheres de Lago do Junco (MA), traçam estratégias que possibilitem alcançar seus objetivos, dentre eles a reivindicação ou construção de políticas públicas favoráveis à sua atuação.

Nesse sentido, a estratégia passa pela cobrança de posição, mobilização e organização de encontros, oficinas, audiências públicas e debates com diferentes segmentos da sociedade, envolvendo governos e instituições públicas e privadas. Além de se qualificar e fortalecer-se institucionalmente, com apoio importante de ONGs (nacionais e internacionais) e até de governos estrangeiros via cooperação internacional, a exemplo da Grã-Bretanha (Departamento Internacional de Fundos para o Desenvolvimento – DFID) e da União Européia.

No plano relacionado à preservação ambiental e à devastação de matas de babaçu, as quebradeiras, através do MIQCB, têm contra-atacado a política governamental voltada à expansão da pecuária, das monoculturas e da produção de carvão vegetal (do coco babaçu), todas com impacto negativo sobre o tamanho da área com babaçu e, portanto, fator de diminuição da renda advinda dessa atividade extrativa, sob diferentes formas, agindo diretamente sobre o evento ou denunciando a quem de direito as ilegalidades.

Outra forma de atuação (indireta), a mais usual, é a pressão política sobre os gestores e responsáveis pela implementação de políticas públicas. Um dos instrumentos dessa ação têm sido projetos de lei de âmbito nacional ou em nível local dispondo sobre a ação de terceiros (grandes proprietários e empresas rurais e guserias) no que se refere a desmatamento ilegal de babaçuais e de mata nativa e sobre o acesso à coleta de babaçu em áreas privadas. Tal proposta já foi aprovada em vários municípios do Maranhão e do Tocantins e atualmente transita na Câmara Federal.14 O resultado desta ação demonstra o compromisso e o respeito destas mulheres a favor da conservação da biodiversidade e da diminuição do desmatamento global.

6. CONCLUSÃO
Contraditoriamente, as mulheres agroextrativistas do babaçu, autênticas representantes da pobreza rural, são defensoras da preservação ambiental. Ao contrário do que a mídia, alguns estudos (BANCO MUNDIAL, 2003; TANGERMANN, 2005) e os empresários do agronegócio apresentam, não é esse segmento da produção familiar e do extrativismo o responsável pelo quadro desigual do meio local e muito menos pelo gigantesco desmatamento existente. Conforme Mesquita (2006), os responsáveis por esse cenário foram a pecuária empresarial, as monoculturas e atualmente o carvão e a mamona (com o futuro do biodiesel) e, portanto, o próprio Estado brasileiro, dado que ele foi (e é) o mentor desta forma de expansão do agrário local.

A pobreza endêmica do Maranhão há muito presente nessa categoria de produtores extrativistas, é, de um lado, um produto da riqueza de uma minoria, que se manifesta na alta concentração de terra e da renda, e, de outro, da ausência de políticas públicas voltadas à produção familiar e ao extrativismo, ou mesmo, de políticas econômicas neoliberais contrárias aos interesses desses segmentos de pequenos produtores.

No Maranhão de 2007, o agronegócio, com apoio do governo, deteriora o meio ambiente, devasta geometricamente (353 mil hectares/ano) e ainda gera mais miséria; enquanto isso, as vítimas – quebradeiras de coco babaçu e trabalhadores rurais – desse processo que potencializa as desigualdades, pelo menos nas últimas décadas, segundo fontes governamentais (IBGE, IPEA) e pesquisadores, é que empunham a bandeira da preservação do meio ambiente, seguram o desmatamento e propõem um desenvolvimento durável. Em outras palavras, assumem o papel que constitucionalmente é dever do Estado, pois é ele quem detém os instrumentos legais para executar tal tarefa, e no entanto se omite. É, portanto, no mínimo inusitada essa atuação advinda dos excluídos, acusados que são de ser culpados pela sua pobreza!

As condições estruturais, trinta anos depois da introdução, pelo governo, de um conjunto de instrumentos que visavam a alterar o trágico quadro social, em termos de relações de trabalho, concentração da terra e acesso às políticas públicas, dentre outros, permanecem tão graves ou piores do que antes, demonstrando que o diagnóstico de Caio Prado Jr. (1976) de 40 anos atrás continua atual. O que se quer dizer é que, apesar das transformações significativas que ocorreram na estrutura produtiva da economia do Estado e de mudanças nas relações de produção, a expansão da pecuária empresarial e de monoculturas como soja, cana e eucalipto não conseguiram mudar o quadro de pobreza daquela parte mais numerosa do meio rural maranhense, especialmente dos não proprietários onde estão incluídos os produtores agroextrativistas do babaçu, nem assegurar um desenvolvimento sustentável para a referida população. Ao contrário, a configuração que assumiu esse crescimento da produção capitalista no campo tem levado a uma diminuição contínua dos recursos extrativos e de matas nativas, cuja conseqüência é a inviabilidade de segmentos que dependem desse tipo de atividade.

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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.

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