Aldeia Munduruku é invadida por Força Nacional e cacique geral convoca assembleia

Brasília – Índios mundurukus que ocupam a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) deixaram o prédio e seguiram, a pé, pela Esplanada dos Ministérios, em direção ao Palácio do Planalto e ao STF. O grupo se concentrou em frente ao Ministério de Minas e Energia. Foto: Agência Brasil
Índios Munduruku em frente ao Ministério de Minas e Energia, em Brasília. Foto: Agência Brasil

Por Renato Santana, de Brasília (DF), para o CIMI

Parte do território da aldeia Boca, povo Munduruku, no sul do Pará, foi invadido por agentes da Força Nacional e pesquisadores nesta quinta, 05. A ação visa garantir a licença ambiental de um complexo hidrelétrico no rio Tapajós, até agora sem consulta prévia às comunidades. Os ânimos se acirraram. O cacique geral convocou Assembleia do Povo para os dias 15, 16 e 17 deste mês.

O encontro será na aldeia Traíra e reunirá os caciques das comunidades, guerreiros e lideranças para tratar dos trabalhos de pesquisas à usina nas terras de ocupação tradicional. A aldeia fica na região de Jacareacanga e Itaituba, municípios usados de base pelas tropas da Força Nacional. Helicópteros e agentes circulam por Jacareacanga diariamente.

“Seguimos contra esse projeto. Nas aldeias é o que todos pensam. Governo não quer ouvir opinião que a gente tem. Dissemos isso em Brasília já. Podem dizer o que for, mas Munduruku não quer usina”, afirmou o cacique geral do povo, Arnaldo Caetano Kaba. De acordo com a Convenção 169 OIT, a consulta precede os estudos de impacto do empreendimento, realizados por empresas.

Conforme lideranças indígenas, o cacique da aldeia Boca, José Edilson Munduruku, afirmou que os agentes da Força Nacional ameaçaram a comunidade caso os indígenas tentassem impedir os trabalhos dos pesquisadores. A última vez que o governo federal esteve numa aldeia Munduruku, acabou com a morte de Adenilson Kirixi – leia aqui.

Governo não cumpre acordo

No último mês de maio, guerreiros Munduruku detiveram dois indivíduos atuando dentro do território tradicional.

Durante a negociação para a soltura dos técnicos, a Secretaria Geral da Presidência República garantiu a suspensão dos estudos até a regulamentação da consulta prévia – Convenção 169. O que nunca ocorreu. No entanto, à sombra de tal acordo, a trama da retomada dos estudos se fiou.

Durante reunião de caciques e lideranças Munduruku, no dia 3 de agosto, o prefeito de Jacareacanga, Raulien Queiroz, do PT, com força policial e institucional, comandou a destituição dos principais dirigentes da Associação Pusuru. Além disso, impediu manifestações contra a construção das usinas hidrelétricas no rio Tapajós.

Quatro dias depois do encontro em Jacareacanga, denunciado pelos Munduruku como forma de enfraquecer a organização interna numa orquestração emanada do Palácio do Planalto, o secretário executivo adjunto do Ministério de Minas e Energia, Francisco Romário Wojcicki, assinou documento enviado para a presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, comunicando a retomada dos estudos no rio Tapajós.

A opinião contrária ao empreendimento, porém, não se restringe ao povo Munduruku. No último dia 30 de agosto, em audiência pública realizada em Santarém, no Pará, convocada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para tratar da construção de hidrelétricas no Tapajós, comunidades tradicionais, povos e sociedade civil disseram não para o empreendimento hidrelétrico, depois de ouvir representantes da Eletrobrás/Eletronorte.

Leia a carta na íntegra:

CARTA DE SANTARÉM

Nós da sociedade civil organizada de Santarém e região, povos e comunidades tradicionais, reunidos em Audiência Pública, realizada em Santarém – PA, no dia 30 de agosto de 2013, convocada pela OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Santarém e pelos Movimentos Sociais da região, com o tema: HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS: PERSPECTIVAS E IMPACTOS, por meio desta carta, manifestaram que NÃO CONCORDAMOS COM A CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS NO RIO TAPAJÓS!

Na Audiência Pública representantes da Eletrobrás/Eletronorte e de empresas contratadas para a realização do empreendimento, tentaram convencer que as hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós são uma necessidade para o Brasil. Cerca de 180 participantes, vindos de terras indígenas, comunidades rurais e cidades da região, aprenderam detalhes da perversidade do plano do Governo Federal para barramento do Rio Tapajós e seus afluentes. Os argumentos dos representantes do governo revelaram que as hidrelétricas seriam construídas em sacrifício dos povos e comunidades tradicionais e em beneficio de uma pequena elite de grandes empreiteiras e mineradoras.

Questionados sobre a invasão do governo nos territórios Munduruku e nos territórios tradicionalmente ocupados, com aparato militar em operação de guerra, os representantes do governo e seus técnicos contratados responderam que é “apenas” uma questão de “discreta e democrática” proteção ao trabalho de pesquisa para o EIA/RIMA esperado pelo IBAMA. No entanto, para os representantes dos povos e comunidades tradicionais presentes isso é uma agressão arbitrária e intimidatória. Em resposta, manifestaram-se representações dos povos e comunidades Tradicionais:

“Vocês são um bando de covardes, pois entram em nossa casa. Vocês têm medo de nós. Nós não somos ameaça. Vocês são ameaça, pois só estamos defendendo o que é nosso.” (liderança Munduruku).

 “Estamos representando mais de 20 mil pessoas da RESEX Tapajós-Arapiuns. Viemos aqui dizer que não queremos as hidrelétricas, não precisamos dessas hidrelétricas.” (liderança ribeirinha).

 “Queremos o direito de viver, de criar nossos filhos, de trabalhar. Não queremos morrer afogados. O recado está dado: Nós vamos resistir até o fim. A luta continua!”(liderança indígena).

 “Vamos lutar até a morte para não acontecer essas hidrelétricas. Ninguém é bandido, nós ficamos espantados com tanta policia.” (liderança beiradeira).

As falas aqui transcritas manifestam a indignação da população do Tapajós, agredida, porém resistente frente à ofensiva que está acontecendo de maneira violenta e autoritária.

Denunciamos o claro descumprimento da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O Brasil assumiu o compromisso de realizar consultas prévias em qualquer projeto ou decisão de governo que venha a afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Trata-se, portanto, de um direito constituído que tem sido violado pelo governo por meio de decisões autoritárias de membros do judiciário.

Em vergonhosa e covarde afronta à dignidade dos indígenas e à seriedade do Estado brasileiro, os mais de 140 índios presentes em uma reunião em Brasília, em junho de 2013, ouviram do ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República que: “mesmo após consulta pública, os índios não terão poder de veto à construção das hidrelétricas”.

A autoritária e equivocada política energética do governo brasileiro oprime os povos indígenas e as organizações da sociedade que estão cientes de seus direitos e das obrigações do Estado. As ações do governo brasileiro tem sido típicas de regimes totalitários e ditatoriais que, recentemente, levaram à morte dois indígenas (Munduruku e Terena) e instalaram um clima de terror em seus territórios.

Ao mesmo tempo em que denunciamos as arbitrariedades do Governo Federal, que impõe seu projeto de crescimento econômico a qualquer custo e sem respeito aos direitos humanos dos povos do Tapajós, manifestamos completa rejeição à implantação de hidrelétricas, as quais trarão impactos irreversíveis aos povos e à natureza na região do Tapajós.

Requeremos do Supremo Tribunal Federal que exija da presidência da república o respeito aos direitos humanos como manda a Constituição     Federal, como a consulta prévia antes de iniciar obras de tão grandes  impactos como as hidroelétricas na bacia do Tapajós que ameaçam de forma irreversível os ciclos naturais das áreas de maior biodiversidade do planeta. Solicitamos também aos órgãos de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA e da Organização das Nações Unidas – ONU que intervenham junto ao Governo Federal brasileiro por desrespeitar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Santarém, Pará, 30 de agosto de 2013.

1. Associação Comunitária de Montanha e Mangabal

2. FAMCOS

3. International Rivers

4- Movimento Tapajós Vivo – MTV

5- Centro de Estudo, Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas – CEFTBAM

6- Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP/Santarém

7- Projeto Saúde e Alegria – PSA

8- Colônia de Pescadores Z- 20

9- Comunidade Indígena de Pinhel – Rio Tapajós IAPAPI

10- Movimento de Trabalhadores por Luta e Moradia – MTLM

11- Associação indígena Pahyhyp – ITAITUBA

12- GCI/CITA

13- Grupo de Defesa da Amazônia-GDA

14- Movimento Salve o Juá

15- Associação Maira – Resex Tapajós

16- Ecotore

17- FAOR

18- OAB sub seção Santarém

19- CEAPAC

20- Movimento Roda de Curimbó

21- Associação da Comunidade de Nuquini – Tapajós

22- Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém

23-ASBAMA

24- SINSOP

25- Associação Irmã Dulce

26- UES

Comments (1)

  1. Estas obras de grande porte significam para os corruptos o pagamento às empresas que financiaram a campanha eleitoral! Isto só vai acabar quando o voto for distrital e enforcarmos o último corrupto com as tripas do corruptor!!!

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.